A Educação Indiana Perante a Pandemia da Covid-19
- Jessica da Silva Rodrigues
- 26 de ago. de 2021
- 7 min de leitura

Professores de vilarejo rural da Índia estão escrevendo lições nas paredes para driblar o fechamento das escolas devido à pandemia do coronavírus. — Foto: AFP
Resumo
Em dezembro de 2019, a China testemunhou o primeiro caso de COVID-19, em Wuhan. Um mês após, o vírus zoonótico se propagou em escala global, tornando-se uma das maiores preocupações da população e de líderes da comunidade internacional. Dessa forma, a pandemia de Coronavírus enfraqueceu o setor econômico de todos os Estados, principalmente os de países subdesenvolvidos. Neste artigo será apresentado como a pandemia e sua repercussão influenciou a desigualdade já existente no território indiano, sobretudo, no cenário educacional.
Palavras-chaves: Índia, educacional, Coronavírus, escolas, economia, estados, digital, desigualdade, COVID-19.
O Setor Econômico Indiano
Classificada como Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia de Coronavírus implicou na economia dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, afetando todos os setores que cooperam ao desenvolvimento socioeconômico de um Estado. Pela primeira vez após o episódio da Grande Depressão (2008), o mundo se deparou com uma profunda recessão, que gerou corte às pequenas e médias empresas, menor oferta de trabalho e maior probabilidade de pobreza inserida no corpo social. Conforme o panorama descrito, o sul asiático foi um dos maiores prejudicados pela catástrofe, em suma, a Índia.
A Índia, território que abriga mais de 1,3 bilhão de habitantes, se encontra numa crise financeira severa, tendo em vista que os efeitos do período pandêmico impulsionaram a pré-crise existente. Antes do primeiro caso de contágio no território, o crescimento econômico se conformava com uma desaceleração causada por uma possível recessão e uma pequena taxa de crescimento do PIB desde 2013, ou seja, os pilares da economia indiana se encontravam enfraquecidos. Isto ocorreu, pois o setor primário e o setor secundário do país não estavam desempenhando eficiência para eclodir o crescimento econômico; a área rural contemplava a queda de renda dos trabalhadores rurais, e o cenário automotivo, contribuinte do setor manufatureiro, lidou com a baixa demanda de consumidor (Dev & Sengupta, 2020).
Na tentativa de embate à propagação do vírus, o governo da Índia recorreu a lockdown de nível nacional em março de 2020, acarretando o impacto negativo na área rural, onde reside a maioria dos consumidores e dos pobres do país. Como consequência do impacto, no quadro agrícola houve a migração reversa, a falta de mobilidade e o declínio da horticultura e da floricultura em razão da escassez de demanda. Já o setor secundário apresentou novos empecilhos para as empresas de menores escalas, uma vez que as micro, pequenas e médias empresas se depararam com pequenos fluxos de caixas e, da mesma maneira como o setor agrícola, com a falta de mão-de-obra (Dev & Sengupta, 2020). Ademais, de acordo com o Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMIE), cerca de 120 milhões de pequenos empreendedores e assalariados indianos perderam seus empregos em abril de 2020.
Apesar do caos sucedido na primeira onda da pandemia, a economia indiana poderia se recuperar gradativamente. No entanto, neste ano, 2021, a segunda onda de COVID-19 prejudicou ainda mais o quadro econômico indiano a partir da queda dos níveis de renda e emprego. Assim, o território em que um a cada cinco cidadãos é pobre está próximo do estágio de pobreza extrema, como consequência da falta de perspectiva financeira e da avassaladora pandemia. Segundo o relatório “State of Working India”, 230 milhões de indianos sobrevivem com menos de R$375 (salário mínimo nacional) por dia devido ao impacto devastador da pandemia no cenário econômico.
A Educação Indiana Perante a Pandemia da Covid-19
A crise econômica, a pandemia de Coronavírus, a disparidade ao acesso tecnológico e a negligência governamental no que cerne a vacinação da população da Índia resultou na educação precária de milhares de crianças indianas. O aumento da pobreza, a impossibilidade financeira da classe baixa e média para adquirir a vacina e os famosos lockdowns impossibilitaram o sucesso de abertura das escolas e o acesso aos dispositivos tecnológicos usados como suporte educacional. Dessa forma, enquanto milhares de crianças do mundo se adaptaram ao período pandêmico usando tablets, celulares e computadores para se adequarem ao momento letivo, 247 milhões de crianças matriculadas em escolas indianas de ensino fundamental e médio foram negativamente impactadas por não obterem conexão de eletricidade e instalações de aprendizagem remota e digital em casa. Embora o governo indiano forneça energia elétrica para 99,9 das casas do território, a pesquisa realizada em 2018 pelo Ministério do Desenvolvimento Rural mostra que 16% das famílias desfrutam diariamente da eletricidade no período de uma a oito horas, 33% de nove a doze horas e 47% por mais de doze horas. Também é importante dizer que apenas 11% das famílias indianas possuem computadores desktop e notebooks. O telefone é mais acessível entre os indianos (24% deles têm um smartphone), no entanto, o computador é preferível para realizar as ações e as interações que a aula on-line demanda (PROYIVA, KINDU).
Os professores sem tecnologias suficientes de internet têm sido incentivados a interagir com alunos e pais por telefone, como é o caso do professor C.S. Satheesha, que leciona para os seus alunos diretamente de sua cabana de madeira encontrada no final de seu jardim, único local que há sinal de dados móveis. Desse modo, o profissional utiliza seu telefone para realizar chamadas e interagir com seus alunos. Por outro lado, há o aluno Shreeshma, que compartilha a mesma experiência de Satheesha ao utilizar o telefone móvel de sua mãe. Em frente a esse período pandêmico, o qual permite que escolas permaneçam fechadas há mais de um ano, Satheesha é um dos únicos indianos com recursos digitais, tendo em vista que uma a cada quatro crianças possui acesso à internet na Índia (UNICEF, 2021).
A desproporcionalidade de renda das classes indianas é eminente ao se deparar com dados sobre a desigualdade social, que aumentou com a segunda onda de casos de Coronavírus. Tal fenômeno social é a base para a ineficácia do e-learning no país de economia subdesenvolvida. O relatório disponibilizado pela Oxfam em 2020 apresentou que 10% dos ricos possuem 74% de sua riqueza. Portanto, cerca de 300 milhões de estudantes não têm a mesma oportunidade de usufruir da aprendizagem digital, divergentemente da classe alta. No contexto de que 80% da população indiana reside no espaço rural, que foi fortemente atacado por repercussões socioeconômicas da COVID-19, algumas crianças precisam caminhar por selvas perigosas durante um longo período para obter sinal no telefone, enquanto outras abandonam a escola, em razão de que o baixo recurso monetário familiar faz com que muitas crianças de escolas públicas estejam propensas a abandonar os estudos e entrar no mundo do trabalho a favor de oferecer apoio financeiro para suas famílias, que lidam com desemprego ou baixa demanda consumidora. Em contrapartida, a realidade dos alunos matriculados em escolas privadas urbanas permite que os alunos consigam manter sua educação através de plataformas digitais. Além disso, os professores de escolas particulares do país possuem conhecimento para manusear a tecnologia, pois há acesso à internet em casa e à infraestrutura digital necessária para lecionar os conteúdos e apresentar as lições (INDIA TODAY, 2020).
Em busca de melhorar o setor educacional e cooperar com as crianças e os adolescentes de baixa renda, o governo permitiu que as escolas reabrissem a partir de 15 de outubro de 2020. O Ministério da Educação deu autonomia para os estados decidirem o período da reabertura de escolas, portanto que houvesse uma avaliação acerca de casos de COVID-19 no local. Alguns estados do país sul-asiático lidaram com centenas de professores e crianças infectados pelo COVID-19 como resposta à reabertura escolar. Isto obrigou o fechamento das escolas reabertas e o adiamento de reabertura das que ainda se encontravam fechadas (DASGUPTA, DEBARSHI). Assim, se tornou perceptível para o governo indiano que a chance de contágio e a propagação do Coronavírus requer ajustes e normas para o estabelecimento institucional. Então, prezando o bem-estar de alunos e priorizando as regras de higienização e de distanciamento social, em março de 2021, foi registrado que trinta e quatro estados indianos abriram as portas das escolas para matriculados; oito forneceram aulas para o 1°ano ao 2° ano, onze estados reabriram para o 6°ano ao 12°ano e quinze estados abriram para os alunos do 9°ano ao 12°ano (UNICEF, 2021).
Considerações Finais
A catastrófica pandemia da COVID-19 repercutiu pelo cenário econômico global e regional, abalando o bem-estar da população e privando-a de acesso aos direitos, como o de acesso à educação. Dessa forma, é preciso reconhecer que o cenário pandêmico, agravou a economia da Índia, a qual se encontrava numa situação de pré-recessão. De tal modo, os pilares financeiros do país se abalaram com os efeitos do Coronavírus, permitindo que a qualidade de vida de milhares de indianos caísse. Com empresas fechando, oferta de emprego diminuindo e setor primário e secundário enfraquecidos, o aumento do desemprego e da pobreza foi inevitável. Assim, ao se deparar com o cenário, o governo indiano declarou lockdowns para edificar o embate ao vírus. No entanto, ao priorizar a saúde dos cidadãos, os bloqueios aumentaram a disparidade de classes, visível no que tange o setor educacional, uma vez que as classes baixas lidam com a falta de tecnologia e internet necessária para assistir a aula de forma digital. Isto posto, por mais de um ano, milhares de alunos infanto-juvenis indianos enfrentam a falta de acesso às aulas on-line devido ao pouco recurso monetário familiar.
Referências Bibliográficas
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