top of page

A RELAÇÃO ENTRE GRIFES INTERNACIONAIS E AS PERIFERIAS BRASILEIRAS

Atualizado: há 5 dias

Palavras-chaves: moda; grifes; periferia; funk; rap; trap; Lacoste; Gucci; Louis Vuitton; Tommy; Oakley; Kyan; Tasha e Tracie

ree

Introdução

No contexto globalizado contemporâneo, as marcas de luxo exercem influência para muito além dos consumidores tradicionais das elites econômicas. No Brasil, esse fenômeno ganha contornos únicos ao se articular com as dinâmicas sociais e culturais das periferias urbanas, onde jovens influenciados por estilos musicais como funk, rap e trap ressignificam o uso de grifes. Essa apropriação cultural não apenas redefine a identidade das marcas, mas também revela como as Relações Internacionais (RI) se entrelaçam com fenômenos de consumo simbólico e resistência cultural. A relação entre periferia e marcas de luxo a partir de uma perspectiva das RI, reflete um papel das marcas como agentes culturais globais e sobre o consumo periférico como forma de inserção simbólica e disputa por reconhecimento.


Desenvolvimento

O consumo de bens simbólicos não se limita à sua funcionalidade, mas envolve representações de status, identidade e pertencimento. Como pontua Bauman (2007), vivemos em uma sociedade de consumidores onde os indivíduos são valorizados não pelo que são, mas pelo que possuem. Nesse contexto, o consumo de marcas de luxo por moradores das periferias torna-se um gesto de resistência e afirmação de identidade, muitas vezes marginalizada pelas estruturas sociais dominantes.

De acordo com Santos e Lima (2022), o desejo por produtos de grife nas periferias é impulsionado por referências midiáticas e musicais, como MCs, rappers e trappers, que funcionam como vetores de influência e transformação cultural. Esse consumo, longe de ser mero capricho, é um instrumento simbólico de ascensão e reconhecimento social em contextos de exclusão.


A estética da quebrada como potência cultural transnacional

A partir dos anos 2000, com o avanço do "funk ostentação" e mais recentemente com o rap mainstream, grifes como Lacoste, Gucci, Louis Vuitton e Tommy passaram a ser amplamente citadas em letras de música e incorporadas ao vestuário de artistas periféricos. Segundo Guedes e Carrijo (2024), o editorial “Tropa da Lacoste” representa um marco na reivindicação da periferia como protagonista na construção de novos sentidos para marcas de alto padrão. A música do trapper Kyan, ressignifica a relação entre o consumidor periférico e a grife, ao passo que reforça um imaginário coletivo de pertencimento e protagonismo da “quebrada” no cenário fashion nacional.

A atuação de artistas como Tasha e Tracie, rappers e estilistas que se destacam como referências da cultura urbana, fortalece ainda mais esse processo. As gêmeas, oriundas da zona norte de São Paulo, se tornaram símbolo de um movimento de reconquista do espaço da favela na moda brasileira. Em entrevistas e campanhas, elas destacam a importância de ocupar a moda com a narrativa de quem vive a realidade da periferia, quebrando estigmas e apresentando a “itfavela” como conceito estético e político (Sou de Algodão, 2024).

Crane (2006) destaca que a moda funciona como um sistema simbólico que permite a expressão de identidades individuais e coletivas. Ao vestir Lacoste ou Nike, jovens periféricos projetam não apenas uma estética, mas também uma narrativa de pertencimento a um mundo globalizado, onde sua presença é, muitas vezes, invisibilizada pelas elites culturais.

Mais recentemente, a colaboração entre a marca brasileira Piet e a gigante internacional Oakley reafirma a centralidade das referências periféricas na construção de novas linguagens de moda. A coleção, inspirada nos bailes de rua, reforça a estética da quebrada como um núcleo de criatividade urbana e global. Segundo o estilista Pedro Andrade, a proposta foi valorizar elementos da cultura jovem periférica como “código estético” legítimo e potente (FFW, 2024).

Essa estratégia não ocorre por acaso: para Caio Amato, presidente global da Oakley, o futuro da marca depende da conexão com narrativas autênticas e de uma escuta ativa das culturas emergentes. Em entrevista ao portal Poder360, Amato afirma que “o futuro não se prevê, se cria”, destacando a importância da colaboração com artistas e coletivos locais como forma de inovação real e impacto cultural (PODER360, 2024).


Tensões entre consumo, exclusão e reconhecimento

Apesar de seu protagonismo na difusão de marcas, a população periférica ainda enfrenta resistência das próprias grifes. A Lacoste, por exemplo, foi amplamente criticada por excluir consumidores periféricos de campanhas de marketing mesmo após mais de uma década de menções contínuas em letras de funk (Guedes e Carrijo, 2024). Além disso, casos como o da tentativa de pagamento em roupas da marca ao artista Kyan, conforme denunciado por portais como Splash UOL (2021), evidenciam a relação assimétrica entre marcas e consumidores das periferias.

Esse cenário revela a existência de um "colonialismo simbólico" em que o capital cultural periférico é explorado sem o devido reconhecimento ou retorno financeiro. No campo das Relações Internacionais, esse fenômeno pode ser interpretado ao conceito de soft power, em que a cultura funciona como uma ferramenta de influência e dominação global (NYE, 2004). Assim, o uso periférico de marcas de luxo pode ser entendido como uma forma de inserir-se em circuitos globais de valor simbólico, desafiando a ordem estabelecida por uma lógica excludente e elitista de consumo internacional. A periferia deixa de ser apenas alvo de intervenção e torna-se agente ativo da globalização cultural.


Conclusão

O consumo de marcas de luxo nas periferias brasileiras é um fenômeno que ultrapassa o âmbito da moda, configurando-se como estratégia de afirmação simbólica, resistência cultural e inserção global. Ao ressignificar grifes como Lacoste e Gucci, jovens periféricos não apenas subvertem os significados originais dessas marcas, mas também projetam novas narrativas no cenário internacional, redefinindo o Brasil nas dinâmicas culturais do século XXI. Para os estudos de Relações Internacionais, essa prática aponta para a necessidade de incorporar a análise cultural como eixo fundamental na compreensão dos fluxos de poder e identidade que atravessam o sistema global.


Referências Bibliográficas AMATO, Caio. “Futuro não se prevê, se cria”, diz presidente global da Oakley. Poder360, 24 jun. 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/poder-gente/futuro-nao-se-preve-secria-diz-caio-amato-presidente-global-da-oakley/. Acesso em: 22 jul. 2025.

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade nas roupas. São Paulo: SENAC, 2006. FFW. Piet e Oakley se inspiram na cultura dos bailes de rua em nova coleção colaborativa. FFW, 17 jul. 2024. Disponível em: https://ffw.com.br/noticias/moda/piet-e-oakley-se-inspirama-cultura-dos-bailes-de-rua-em-nova-colecao-colaborativa/. Acesso em: 22 jul. 2025

GUEDES, Júlia Silva; CARRIJO, Ana Júlia de Freitas. Tropa da Lacoste: articulações entre rap, funk e o consumo periférico da grife no Brasil. Iniciacom, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 115- 130, jan./mar. 2024. Disponível em: https://cappa.fic.ufg.br. Acesso em: 10 jun. 2025

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. NYE, Joseph S. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004.

SANTOS, Carmem Gabrielle Silva; LIMA, Thiago Estevão Azevedo de. A relação da periferia com as marcas de luxo. Revista Crises, Caruaru-PE, v. 2, n. 1, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/crises. Acesso em: 10 jun. 2025.

SILVA, Giulia Antunes Bertami et al. O papel da moda sportstyle como símbolo de status entre jovens periféricos no Brasil. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, PUC-Minas, 2023.

SOU DE ALGODÃO. It-favela: a moda da cultura periférica que dominou o mundo. 2024. Disponível em: https://soudealgodao.com.br/blog/it-favela-a-moda-da-cultura-periferica-quedominou-o-mundo/. Acesso em: 10 jun. 2025.

UOL. Lacoste tenta pagar rapper com roupa, e levanta debate sobre cultura periférica. Splash UOL, 08 ago. 2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/splash/noticias/2021/08/08/investindo-no-brasil-lacoste-tenta-pagarpublicidade-de-rapper-com-roupa.htm. Acesso em: 10 jun. 2025.

Comentários


bottom of page