Irã e a Geopolítica do Estreito de Ormuz: uma breve visão
- Matheus Felipe da Silva Soares
- 10 de set. de 2021
- 7 min de leitura

Estreito de Ormuz, entre Irã, Omã e Emirados Árabes Unidos [Flickr: eutrofização e hipóxia]
Resumo
O Estreito de Ormuz é porta de entrada de cerca de um terço do petróleo exportado mundialmente, sendo a única via de acesso marítimo de vários Estados-membros da OPEP ao oceano. O bloqueio do Estreito resultaria em grandes consequências econômicas para os países que circundam o Golfo Pérsico, e também para os países que dependem do petróleo provindo da região. Assim, as animosidades nas relações entre EUA e Irã, que muitas vezes resultam em movimentações militares, põem em risco o comércio mundial de petróleo.
Palavras-chave: Estreito de Ormuz. Irã. Petróleo. Golfo Pérsico. Bloqueio.
Abstract
The Strait of Hormuz is the gateway for about a third of the oil exported worldwide, being the only maritime access route of several OPEC’s member States to the ocean. The blockade of the Strait would result in great economic consequences to the countries surrounding the Persian Gulf, and also, to the countries that depend on oil from the region. Thus, animosities in US-Iran relations, which often result in military moves, jeopardize the world oil trade.
Keyword: Strait of Hormuz. Iran. Oil. Persian Gulf. Blockade.
Introdução
O Estreito de Ormuz é um afunilamento marítimo que conecta o Golfo Pérsico com o Oceano Índico. Ele atua hoje como gargalo para o escoamento de mais de 30% do petróleo exportado mundialmente. Isso se deve ao fato de que sete dos quatorze Estados-membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) possuem toda, ou parte de seu território costeiro, adjacente ao Golfo. Assim sendo, adversidades no Estreito têm potencial para abalar o comércio mundial de petróleo. Não só isso, o Estreito de Ormuz é a única rota que conecta Bahrein, Catar, Iraque e o Kuwait ao comércio marítimo mundial.
No momento, a região que circunda o Estreito de Ormuz é marcada por um clima de instabilidade. Fruto, principalmente, da hostilidade que caracteriza as relações entre o Irã e os Estados Unidos, que em detrimento de métodos diplomáticos, realizam manobras militares na área.
Contexto do Irã
Com a subida do comandante Reza Xá Pahlavi ao poder através de um golpe de Estado em 1925, é estabelecida a dinastia Pahlavi. O posto de xá (rei ou imperador) foi posteriormente herdado por seu filho, Mohammed Reza Pahlavi. Em seu tempo no poder, a dinastia foi responsável por uma série de transformações sócio-políticas de cunho reformista no país. Dentre elas: a aproximação com o Ocidente, a mudança do nome do país (que deixou de ser Pérsia), a secularização do aparato estatal e progressos nos direitos femininos.
Contudo, altos índices de desemprego, pobreza e descontentamento popular liderado por autoridades religiosas, culminaram em outro golpe de Estado em 1979. O poder estava agora nas mãos do aiatolá Ruhollah Musavi Khomeini, que assumiu o posto de líder supremo na nova teocracia que atende pela alcunha de República Islâmica. A onda reformista que seguia acontecendo na dinastia Pahlavi foi bruscamente interrompida e substituída por uma retomada às raízes religiosas e ideológicas do islamismo xiita e pelo reafastamento e aversão ao ocidente. Contudo, a derrubada da monarquia abriu espaço para que a voz do povo fosse ouvida, dando caráter democrático, mesmo que timidamente, para a teocracia.
As mudanças de política adotadas pelo regime teocrático não se deram apenas no âmbito interno. O então aiatolá Khomeini deu ao Irã o objetivo de se estabelecer regionalmente como potência através do islamismo xiita (KHAN, 2020). Essa decisão reverbera por todo o mundo sunita e atinge, principalmente, a Arábia Saudita, o líder regional tradicional. Algumas das razões para a até então dominância do reino sunita podem ser atribuídas a fatores como: ter dentro de suas fronteiras duas das cidades mais sagradas do islamismo (Meca e Medina) e pelos exorbitantes lucros provindos de suas instalações petrolíferas.
Relações EUA-Irã e as Sanções Econômicos contra Teerã
Desde a ascensão do regime dos aiatolás no gigante do Oriente Médio, as relações do Irã com os Estados Unidos foram marcadas por um constante clima de antagonismo mútuo. Hora a Casa Branca acusa o governo de Teerã de ações belicosas no Estreito, hora as acusações são feitas pelo país xiita. Essas tensões entre os dois países são frutos, majoritariamente, das políticas antiocidentais adotadas pelo regime iraniano. Não apenas isso, mas a possível ascensão do Irã, que atualmente é um aliado da Rússia, ao posto de potência regional em detrimento de outros países aliados dos Estados Unidos, como a Arábia Saudita, é uma séria ameaça aos interesses da grande potência mundial na região, que é estratégica em razão de sua localização geográfica e recursos naturais, por ser fonte de abundantes jazidas de petróleo e gás natural.
No dia 12 de maio de 2019, quatro petroleiros foram danificados por minas aquáticas no território marítimo dos Emirados Árabes Unidos. Enquanto que o país em questão acusou um “ator estatal” não identificado pelos ataques, o “gigante” americano acusou o Irã como o responsável pelo incidente. Para muitos observadores internacionais não é claro se governo do país xiita se poria a realizar ataques de relativamente baixas proporções; contudo, poderia ser uma mensagem de que o governo de Teerã é capaz de “fechar” o Estreito sem a necessidade de provocar uma guerra, interrompendo assim, o transporte um terço do petróleo comercializado mundialmente.
Uma medida muito adotada pelos Estados Unidos frente à potência islâmica é a implementação de sanções econômicas contra o país. Tais sanções vêm ocorrendo desde a revolução de 1979, quando o regime teocrático foi imposto, em resposta à tomada de reféns na embaixada americana em Teerã. Desde então, muitas outras sanções foram aplicadas ao Irã, que em boa parte, visavam interromper uma possível obtenção de armas nucleares pelo país.
Em 2015, um grupo de países liderados pelos Estados Unidos, após quase dois anos de negociações, conseguiram firmar um acordo nuclear com o Irã. Para tal, o grupo P5+1 (composto pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha), concordou em derrubar as sanções relacionadas ao programa nuclear iraniano impostas ao gigante xiita. Contudo, em 2018, os EUA deixaram o acordo e restabeleceram sanções que foram retiradas. Em resposta, o governo iraniano começou, em 2019, a violar cláusulas do acordo como forma de pressão para a retirada das sanções readotadas. Assim, em 4 de janeiro de 2021, o governo de Teerã anunciou a elevação do enriquecimento de urânio no país para 20%, sendo necessário que se atinja 90% para a produção de armas.
Ameaças ao Tráfego Marítimo no Estreito de Ormuz
A partir de 2003, houve uma crescente expansão na competição militar entre EUA e Irã.
Essa competição vai além do inventário militar, abrange também as capacidades de negação de área, escalada, dissuasão, contenção e ingerência, que objetivam, sobretudo, influenciar o comportamento dos demais Estados da região (CORDESMAN, 2011b apud RUCKS, 2016, p. 65).
O marco inicial da instabilidade do Estreito de Ormuz pode ser atribuído ao final da Primeira Guerra do Golfo. As crescentes animosidades das relações entre o Irã e os países ao entorno do Golfo Pérsico somadas com a presença da Quinta Frota dos EUA, sediada em Bahrein, levam o alto escalão iraniano a tomar uma nova posição em relação ao Estreito. Assim, o governo xiita reconsiderou suas necessidades militares, em especial sua capacidade naval. Deste modo, “para impedir e/ou retardar possíveis ações militares dos Estados Unidos no Golfo, o Irã passou a desenvolver capacidades de anti-acesso e negação de área” (RUCKS, 2016, p. 65).
Tendo desenvolvido os meios para o fechamento do Estreito, interrompendo grande parte do escoamento do petróleo exportado mundialmente, o Irã passa a ter uma importante carta a seu favor em negociações. Assim, as ameaças de bloqueio são pautadas em uma guerra assimétrica e psicológica, pois o fim do tráfego marítimo comercial do “gargalo” iria impor altos custos econômicos para a grande potência norte-americana, que veria o preço do combustível subir significativamente. Não só isso, potências como a China, Índia e Japão, que são amplamente dependentes do petróleo provindo da região, juntamente como países membros do CCG (Conselho de Cooperação do Golfo) e da OPEP, seriam amplamente contrários à quaisquer ações militares que ameaçasse o comércio marítimo do Estreito.
Conclusão
A importância geopolítica do Estreito de Ormuz, principalmente no quesito de geolocalização, sendo a única rota marítima direta que liga diversos países do Golfo ao comércio internacional, e consequentemente, se tornando o caminho por onde passa um terço do petróleo exportado mundialmente, fornece ao “porteiro” uma grande cartada a ser utilizada na geopolítica mundial. A adoção, por parte do Irã, de uma doutrina naval centrada no bloqueio de acesso e fechamento da rota certamente contribui para a cautela dos Estados Unidos, que se vê frente a outras potências contrárias a ações que acarretem no fechamento do Estreito, ao tratar com o país. Não só isso, põe em xeque os outros países que circundam o Golfo e que são, majoritariamente, dependentes economicamente do comércio petrolífero.
Referências Bibliográficas
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