Migração na Europa antes e durante a Pandemia
- Observatório
- 6 de jul. de 2021
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Lagoutaris, Manolis. 2020
Introdução De acordo com dados da ACNUR, nos últimos anos o nível da crise migratória mundial tem aumentado exponencialmente. O intuito do texto é fazer um panorama breve sobre a questão imigratória na Europa com o objetivo de explicar a situação atual durante a pandemia e também de forma breve sobre a crise de 2015 e as medidas tomadas pelo bloco para salvaguardar os refugiados e migrantes. Crise migratória de 2015 e resposta europeia O fluxo migratório tende a aumentar em momentos que países sofrem com crises humanitárias decorrentes de incidentes naturais ou em decorrência de incidentes oriundos de atitudes humanas, e esse foi o caso do fluxo migratório de pessoas oriundas do oriente médio, principalmente de sírios, que emigraram para Europa uma vez que a Guerra da Síria eclodiu no ano de 2011 e que continua até os dias de hoje. Durante os anos subsequentes, a Europa recebeu milhões de pessoas buscando melhores condições de vida ou até mesmo buscando refúgio nas terras europeias. Muitos desses foram impelidos a buscar refúgio em outros países, uma que vez que tiveram suas cidades inteiras destruídas e familiares mortos em decorrência da guerra travada entre as forças governistas, que defendem o governo de Bashar Al-Assad, e os combatentes do Estado Islâmico ou ISIS/Daesh. Com a necessidade de lidar com fluxo migratório crescente, a União Europeia, através de suas instituições, anunciou a Agenda Europeia de Migração. Essa agenda tinha o propósito de instituir e coordenar políticas comuns para o enfrentamento da crise migratória. As principais políticas instituídas por essa agenda, além daquelas como ajuda dos países europeus na construção de navios para fornecer uma travessia mais segura e a de cooperação com os países de terceiro mundo para enfrentar a emigração no seu lugar de origem, foram a de realocação de pessoas, ou seja, uma distribuição de imigrantes entre os estados-membros, tendo como base dados a população total (quantos imigrantes já existem no país e a taxa de desemprego). O intuito da redistribuição é evitar o colapso dos serviços prestados nos países onde há uma maior concentração de imigrantes, seja por ser um Estado que os imigrantes buscam por conta de condições econômicas mais favoráveis em relação a outros ou por ser um país de entrada para o bloco. Concomitantemente com a política de realocação, havia a política de estabelecimento desses imigrantes nos países aos quais eles fossem designados, com o objetivo de prevenir que esses imigrantes transitassem livremente pela União Europeia e buscassem países com melhores condições de vida, dessa forma, essa responsabilidade coletiva imposta a cada estado-membro evitaria colapso de serviços e permitiria uma melhor condição para os refugiados. Vale ressaltar, que diversos países não concordaram com essa política de responsabilização comum, os principais foram os países por onde os refugiados entram no continente europeu, como Itália e Grécia, e aqueles pertencentes ao Grupo de Visegrado, conhecido como V4 e formado pela Hungria, República Tcheca, Eslováquia e Polônia. A política de responsabilização comum levou a declarações públicas dos representantes desses Estados contra a distribuição de refugiados em seu território, a Hungria de Viktor Orbán chegou a construir muros em suas fronteiras para evitar a passagem ilegal de imigrantes. Podemos observar alguma dessas iniciativas no trecho a seguir:
“Alguns dias depois do incidente no Charlie Hebdo no sétimo dia de Janeiro no ano de 2015, Orbán atestou firmemente de que, enquanto ele fosse Primeiro-Ministro, a Hungria não receberia nenhum imigrante. Pouco tempo depois, Fico e Péter Szijjártó, Ministro de Relações Exteriores e do Comércio, afirmaram que o projeto multicultural havia falhado e que a Eslováquia estaria relutante em ver a chegada de números grandes de muçulmanos, a construção de mesquitas e alteração na cultura do país. Enquanto isso, o governo da República Tcheca decidiu aceitar 15 famílias sírias. Ao mesmo tempo, Milan Chovanec, Ministro do Interior, insistiu que o governo não estava interessado em hospedar grandes números de migrantes. (Nyzio, 2017)”
No original: “A few days after the Charlie Hebdo shooting of January 7th 2015, Orbán firmly stated that as long as he is PM, Hungary would not accept any migrants. Shortly thereafter, Fico and Péter Szijjártó, Minister of Foreing Affairs and Trade, stated that the multiculturalism project failed and that Slovakia was reluctant to see the arrival of large numbers of Muslims, the rise of mosques and changes in the culture of the country. Meanwhile, the Czech government decided to accept 15 Syrian families. At the same time, Milan Chovanec, Minister of Interior, insisted that the government was not interested in hosting large groups of migrants.”NYZIO, Arkadiusz. “THE SECOND REVIVAL?: THE VISEGRÁD GROUP AND THE EUROPEAN MIGRANT CRISIS IN 2015-2017.” Politeja, no. 50/5, 2017, página 51. Disponível em: <www.jstor.org/stable/26564285.> Acessado em 16 de Junho de 2021.
Essas reações nacionalistas tomaram proporções enormes dentro do continente e fomentaram a participação de partidos e representantes nacionalistas em diversos estados-membros. A Agenda Europeia para Migrantes recebeu reformas durante os anos de 2016 e 2018, as principais mudanças foram nos tópicos de realocação que passaram a possuir caráter de imposição em caso de crise e no período de tempo que o migrante é responsabilidade do Estado.
Novo Pacto Sobre Migração e Asilo
Com a consciência de que há a necessidade de reforçar as políticas referentes a asilo de migrantes, com o propósito de combater as rotas ilegais de migração e melhorar as condições para os migrantes, em 2020 a União Europeia anunciou o seu Novo Pacto Sobre Migração e Asilo, esse pacto visa reforçar as políticas adotadas pelos pactos anteriores de 2016 e 2018 e também da Agenda Europeia de 2015, além de implementar novos. Os principais aspectos apresentados por esse novo pacto foram regras mais rígidas nas fronteiras da União Europeia e fortalecer as relações com os países do terceiro mundo. Com o intuito de combater o problema em sua origem, fortalecer a política de solidariedade e de responsabilidade compartilhada, essa política possui o objetivo de tornar os estados-membros aptos a fornecerem asilo para migrantes, contudo, mesmo sendo estabelecida em 2015, diversos países não a cumpriram. Sendo assim, o intuito no Novo Pacto é estimular o caráter da responsabilidade comum para que nenhum estado-membro fique sobrecarregado. Além disso, o pacto visa consolidar o monitoramento dos migrantes através de uma política integrada com os estados-membros e um sistema de retorno de migrantes a seus países de origem mais efetivo que o atual, junto com essa medida, também à previsão de aumentar a integração e tornar a proteção das bordas externas da União Europeia mais rígidas e eficientes para preservar o Espaço Schengen, esse espaço refere-se a área de livre circulação de pessoas dentro do continente europeu sem a necessidade de barreiras física nas fronteiras entre os países.
Questão Migratória e a Pandemia
A pandemia pela COVID-19 atingiu a Europa de uma forma intensa desde o início, tendo seu foco inicial na Itália, gerando ao longo do tempo respostas não apenas dos governos locais, como nacionais e internacionais. Tal crise sanitária se soma ao problema migratório que o bloco regional tem enfrentado há alguns anos.
A circulação de civis europeus é livre entre a maior parte dos países da região, determinada pelo Espaço Schengen, porém, há exceções, já que o fechamento de fronteiras internas (do continente europeu) podem ocorrer em situações excepcionais, por exemplo. A decisão para as fronteiras externas segue a mesma linha de raciocínio, contanto que os Estados acatem as recomendações das instituições europeias. No caso da pandemia, as fronteiras de diversos países foram fechadas, por inúmeras vezes, na tentativa de controlar a proliferação do vírus, agravando ainda mais a situação migratória no continente.
Com a crise sanitária as realizações de alguns serviços foram prejudicados, fazendo com que a entrada legal nos países fosse dificultada. De acordo com o Estatuto do Refugiado Europeu, todos os migrantes forçados que são tidos como elegíveis para a proteção subsidiária têm direito à saúde (BRÍGIDO & UEBEL, 2020), assim como a outros serviços essenciais para a subsistência como alimentação, cuidados básicos e higiene. Porém, aqueles migrantes ou refugiados que não tiveram seus processos de refúgio concluídos, não têm essa garantia.
A forma como a questão foi tratada dentro de alguns países da União Europeia podem ser bem diferentes. Por exemplo, Portugal e França implementaram políticas de regularização de imigrantes, para que o acesso aos serviços de saúde fosse permitido, enquanto Itália e Hungria apostaram numa abordagem mais restritiva em relação aos imigrantes e estrangeiros, expulsando, deportando e suspendendo autorizações de residência em seus territórios. As medidas tomadas pelos países europeus na tentativa de frear a pandemia, tiveram um alicerce para velar medidas que dificultam a migração desde antes da crise sanitária.
Recentemente alguns países queixaram-se do aumento de imigrantes chegando a seus territórios após terem conseguido asilo pela Grécia. O ministro das Migrações da Grécia, Notis Mitarakis, rejeita a responsabilidade do país sob a questão. Nas palavras do ministro, “os residentes legais da União Europeia, aos quais foi garantida proteção, têm direito a viajar no espaço Schengen. O fato de algumas pessoas terem ultrapassado o direito de permanência e de isso ter chegado à Alemanha é um problema que escapa ao nosso controle” (EURONEWS, 2021)
Conclusão
Apesar das dificuldades e do risco impostos pela pandemia, principalmente no que tange a prestação de auxílio humanitário, o fluxo migratório não arrefeceu, como podemos ver neste relatório do ACNUR. O fluxo aumenta a responsabilidade dos países receptores e exige respostas mais eficientes e concretas. Apesar da tentativa do bloco europeu de criar uma política comum para migrantes e refugiados, muitos países atuam na direção contrária, dificultando a entrada imigrantes ou retornando-os para áreas de conflito, como a Dinamarca, que aprovou uma lei para que os migrantes esperem o processamento dos pedidos de asilo em Estados terceiros, e caso ele seja aprovado, o migrante permanecerá neste Estado terceiro.
Referências Bibliográficas
Referência 1:
“A European Agenda on Migration”. Bruxelas 13 de Maio de 2015. Disponível em: <https://ec.europa.eu/home-affairs/sites/default/files/what-we-do/policies/european-agenda-migration/background-information/docs/communication_on_the_european_agenda_on_migration_en.pdf>
Referência 2:
NYZIO, Arkadiusz. “THE SECOND REVIVAL?: THE VISEGRÁD GROUP AND THE EUROPEAN MIGRANT CRISIS IN 2015-2017.” Politeja, no. 50/5, 2017, página 57. Disponível em: <www.jstor.org/stable/26564285.> Acessado em 16 de Junho de 2021.
Referência 3:
No original: “A few days after the Charlie Hebdo shooting of January 7th 2015, Orbán firmly stated that as long as he is PM, Hungary would not accept any migrants. Shortly thereafter, Fico and Péter Szijjártó, Minister of Foreing Affairs and Trade, stated that the multiculturalism project failed and that Slovakia was reluctant to see the arrival of large numbers of Muslims, the rise of mosques and changes in the culture of the country. Meanwhile, the Czech government decided to accept 15 Syrian families. At the same time, Milan Chovanec, Minister of Interior, insisted that the government was not interested in hosting large groups of migrants.”NYZIO, Arkadiusz. “THE SECOND REVIVAL?: THE VISEGRÁD GROUP AND THE EUROPEAN MIGRANT CRISIS IN 2015-2017.” Politeja, no. 50/5, 2017, página 51. Disponível em: <www.jstor.org/stable/26564285.> Acessado em 16 de Junho de 2021.
Referência 4:
New Pact on Migration and Asylum - Building on the progress made since 2016: Question and Answers. Bruxelas, 23 de Setembro de 2020. Disponível em:<https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/qanda_20_1723> Acessado em 16 de Junho de 2021.
Referência 5:
New Pact on Migration and Asylum. Bruxelas, 23 de Setembro de 2020. Disponível em:<https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:85ff8b4f-ff13-11ea-b44f-01aa75ed71a1.0002.02/DOC_3&format=PDF>
Referência 6: Efeitos da pandemia da Covid-19 nas migrações internacionais para o Mercosul e a União Europeia: Aspectos normativos e cenários políticos . Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10334/1/bepi_27_efeitos.pdf>
Referência 7:
Ministro grego das Migrações rejeita responsabilidades por refugiados. Disponível em: https://pt.euronews.com/2021/06/09/ministro-grego-das-migracoes-rejeita-responsabilidades-por-refugiados
Referência 8:
Relatório Global 2020. ACNUR, Disponível em: <https://www.unhcr.org/flagship-reports/globalreport/>
Referência 9:
Marques, Francisco. “Dinamarca aprova lei antirrefugiados e desafia Comissão Europeia”. 3 de Junho de 2021. Disponível em:<https://pt.euronews.com/2021/06/03/dinamarca-aprova-lei-antirrefugiados-e-desafia-comissao-europeia>
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