O Autoritarismo de Daniel Ortega e o Rompimento com a Democracia em um Ano Eleitoral na Nicarágua
- Ana Clara de S. Andrade
- 30 de jun. de 2021
- 7 min de leitura

CORTEZ, Yuri, 2019.
Resumo
A Nicarágua, após tantos anos de um conturbado contexto político de ditaduras e revoluções, passa por um período que chama a atenção internacional. O presente artigo visa analisar a postura de Daniel Ortega, antigo revolucionário que hoje se mostra um atual ditador. Nessa conjuntura há uma apresentação acerca da política nicaraguense e, em seguida, aborda acerca das consequências do autoritarismo de Ortega.
Palavras-Chave: Nicarágua; Daniel Ortega; Autoritarismo; América Central.
Abstract
Nicaragua, after so many years of a troubled political context of dictatorships and revolutions, is going through a period that draws international attention. This article aims to analyze the posture of Daniel Ortega, a former revolutionary who today shows himself to be a current dictator. At this juncture, there is a presentation about Nicaraguan politics and then addresses the consequences of Ortega's authoritarianism.
Key-Words:
Nicaragua; Daniel Ortega; Authoritarianism; Central America.
Perspectiva histórica
O pequeno país da América Central possui um histórico político agitado, marcado por invasões estrangeiras, guerras civis, ditaduras e revoluções. Após anos de uma sequência de colonização ibérica, ditaduras militares e intervenções imperialistas, houve a ditadura da família Somoza que controlou o país por um longo período estendendo-se de 1934 até julho de 1979, quando ocorreu a revolução sandinista que derrubou a ditadura em questão. A guerrilha sandinista era composta por jovens movidos pela luta da independência, da justiça social e da democracia; um grande anseio anti-imperialista, inspirados pela ideologia marxista e pelo cristianismo (HÁ 40 ANOS…, 2019).
A revolução, até então classificada como socialista, culminou em diversos avanços para a Nicarágua como o direito à saúde, educação e terra. Era movida por jovens com um posicionamento antiditatorial e em prol da liberdade nicaraguense, formando uma frente de guerrilha que aos poucos viria a formar um partido político consolidado. Nesse sentido, a conquista da Frente Sandinista se transformou em um grande sentimento de esperança e transformação no território. Entretanto, foi sufocada e destituída do poder por uma oposição armada financiada pelos Estados Unidos, contra uma revolução que tinha como um de seus principais objetivos justamente reduzir a influência norte-americana no território (O GOLPE MAIS SIMBÓLICO…, 2021).
Em 2006 a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) voltou ao governo por meio das vias democráticas, representada pelo atual presidente do país, Daniel Ortega. Em um contexto de oposição de ideias e divergência de interesses, aos poucos o partido foi se dividindo e um grupo de comandantes guerrilheiros que passou a acusar Ortega e sua família de corrupção, nepotismo e acordos políticos ilegítimos para se manter no poder. Diante dessa conjuntura, a tensão passou a ser crescente, assim como as críticas ao governo e as manifestações populares, em especial de grupos de direita que há anos se mostravam insatisfeitos, assim como as formas de controlá-los se tornaram mais bruscas e repressivas.
A escalada do autoritarismo de Daniel Ortega
Os posicionamentos acerca do governo de Ortega dividia opiniões, até que em 2018 seu compromisso com a democracia e com a liberdade ruiu de vez, quando 322 manifestantes opositores ao governo foram assassinados, milhares foram feridos e centenas foram presos. Nesse contexto, a partir de então, o presidente rompeu totalmente com os ideais sandinistas de comprometimento com os ideais socialistas e passou a intensificar a opressão. Especialistas em política e direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) passaram a denunciar as violações de direitos humanos e a violação da dignidade humana no país, além das claras indicações da instauração de uma ditadura, ao passo que Ortega retrucou dizendo que tal relatório se tratava de uma infâmia (NA NICARÁGUA, SETE…, 2021).
Há anos o chefe de Estado nicaraguense vinha desmantelando e se apropriando do partido da revolução, a Frente Sandinista, destituindo-o de seus antigos ideais e o transformando em seu partido pessoal, restringido a benefícios próprios e familiares. Daniel Ortega passou a nomear seus parentes em cargos importantes e de grande poder no governo, como sua própria esposa, que é vice-presidente, privatizou a FSLN e diversas outras grandes empresas, transformando-os em um instrumento de favorecimento individual. O rompimento com o sandinismo ficou ainda mais nítido esse ano, quando o presidente impôs um duro golpe aos seus antigos companheiros de luta. Em junho, com o objetivo de silenciá-los e de enfraquecer os críticos de seu governo, ele ordenou a detenção de três figuras sandinistas relevantes: Dora María Téllez, Víctor Hugo Tinoco e Hugo Torres (O GOLPE MAIS SIMBÓLICO…, 2021).
Tornou-se evidente que Daniel Ortega passou a se basear na repressão e na perseguição política para manter-se no poder, agindo de forma truculenta com seus opositores através do controle do aparato judicial, da instrumentalização da Assembleia Nacional e do seu domínio sobre a Polícia Nacional. Nesse cenário, hoje basicamente todas as instituições do Estado estão subordinadas à vontade e aos anseios de Ortega e seus aliados. O Ministério Público, que é visto como leal ao governo, emitiu recentemente uma série de intimações contra repórteres e jornalistas críticos ao governo que passou a controlar de forma incisiva as concessões de rádio e televisão, exercendo cada vez mais pressão contra os jornais o que mostra uma clara tentativa de censurar a imprensa independente (ORTEGA LANÇA PERSEGUIÇÃO…, 2021; O GOLPE MAIS SIMBÓLICO…, 2021).
Vale ressaltar que 2021 é um ano eleitoral na Nicarágua, entretanto, o país está longe de uma eleição livre, transparente e idônea. Como agravante dessa questão, em um governo cada vez mais autoritário, no início de junho em menos de uma semana a polícia nicaraguense deteve sete líderes importantes da oposição, com a justificativa de que eles agiram contra a independência, soberania e autodeterminação do país. Desde as eleições municipais, em 2008, são relatadas fraudes eleitorais que favorecem a expansão do poder político territorial de Ortega, que se aproveita de uma oposição até então fraca e de uma aliança estratégica cada vez mais forte com poderosos empresários (REGIME DE ORTEGA…, 2021; ORTEGA LANÇA PERSEGUIÇÃO…, 2021).
Diante dessa conjuntura de instabilidade e explícita opressão política, senadores estadunidenses em 14 de junho desse ano passaram a se atentar ao contexto nicaraguense, denunciando que esse autoritarismo ameaça toda a estabilidade regional. O presidente Joe Biden tem sido cobrado para aumentar a pressão contra o governo de Daniel Ortega, com pedidos de aumento de sanções econômica contra funcionários da Nicarágua e o reforço do trabalho conjunto com a Organização dos Estados Americanos (OEA) para coordenar e fiscalizar uma rejeição multilateral ao ataque antidemocrático do governo nicaraguense (IMPORTANTES SENADORES DOS…, 2021).
Considerações finais
Conclui-se dessa forma que a postura de Daniel Ortega favorece apenas ele mesmo e seus aliados mais próximos, entretanto, isso só ocorrerá em um período de curto prazo. O rompimento claro e direto com o sandinismo, por prejudicar diretamente o povo nicaraguense, enfraquece o apoio popular ao governo, o que torna possível o aumento de manifestações e tensões com a população, que já vem se mostrando extremamente insatisfeita. A eleição que ocorrerá em novembro deste ano já se mostra fraudulenta e antidemocrática, visto que não há uma imprensa livre, garantia de liberdade de expressão e a grave situação da detenção de opositores. Dessa forma, todo esse contexto torna propício um quadro de crescente insatisfação, tensão social e política tanto no âmbito interno quanto externo do país.
Essa conjuntura desperta uma certa movimentação internacional, como exemplo, a Organização dos Estados Americanos, uma associação que tem como objetivo garantir a paz, a segurança e garantir a democracia no continente americano e que vem demonstrando preocupação com o quadro nicaraguense. Em 15 de junho foi realizada uma sessão virtual do Conselho Permanente da OEA para discutir um projeto de resolução da “Situação da Nicarágua”. Com 26 votos a favor, a organização aprovou a resolução que, entre diversos pontos, “condena inequivocamente a prisão, o assédio e as restrições arbitrárias impostas aos candidatos presidenciais, partidos políticos e meios de comunicação independentes” e exigindo a libertação imediata de todos os presos políticos. Nesse sentido, é evidente como a postura de Ortega pode prejudicar a presença e a integração da Nicarágua no sistema internacional, dificultando negociações e alianças não só do Estado em si como também de seus aliados, que se trata majoritariamente de grandes empresários e investidores, o que pode culminar também em um receio destes (ARGENTINA, BOLÍVIA E…, 2021).
É importante também ressaltar a postura essencial de países como a Argentina e o México, que, embora critiquem a ditadura de Ortega e condenem as violações aos direitos humanos cometidas por tal governo, se colocaram contra a intervenção internacional em assuntos internos da Nicarágua. Ambos os países, mesmo demonstrando preocupação com o país em questão, não apoiaram a resolução debatida na OEA. Os governos argentino e mexicano declararam, em conjunto, a insatisfação com o anseio de desrespeitar a soberania de qualquer Estado, criticando países que eles classificam como ináptos para apoiar o desenvolvimento das instituições democráticas (ARGENTINA, BOLÍVIA E…, 2021).
Assim, é importante relembrar o princípio assumido no sistema internacional de não-intervenção nos assuntos internos, que tem sido uma luta para os Estados centro e sul-americanos após tantos anos de intervenção, em especial estadunidense. Embora a intervenção da OEA em primeira instância pareça beneficiar o povo na Nicarágua, também pode camuflar uma interferência norte-americana em um território que em seu passado teve uma revolução justamente para reduzir o poder dos Estados Unidos na região. Nesse sentido, nos resta aguardar as atualizações acerca do cenário da Nicarágua, tanto em questões internas, que encaminham para um cenário conturbado, quanto internacionalmente em relação aos Estados insatisfeitos.
Referências Bibliográficas
ARGENTINA, BOLÍVIA E… (2021). Argentina, Bolívia e México não apoiam resolução contra prisão de opositores na Nicarágua. Gazeta do Povo. [S.l.], 16 jun. 2021. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/argentina-bolivia-e-mexico-nao-apoiam-resolucao-contra-prisao-de-opositores-na-nicaragua/>. Acesso em: 16 jun. 2021.
IMPORTANTES SENADORES DOS… (2021). Importantes senadores dos EUA pedem que Biden aumente a pressão sobre Ortega. Istoé. [S.l.], 14 jun. 2021. Disponível em: <https://istoe.com.br/importantes-senadores-dos-eua-pedem-que-biden-aumente-a-pressao-sobre-ortega/>. Acesso em: 15 jun. 2021.
NA NICARÁGUA, SETE… (2021). Na Nicarágua, sete líderes da oposição são presos em menos de uma semana. CNN. [S.l.], 10 jun. 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2021/06/10/na-nicaragua-sete-lideres-da-oposicao-sao-presos-em-menos-de-uma-semana>. Acesso em: 14 jun. 2021.
O GOLPE MAIS SIMBÓLICO… (2021). O golpe mais simbólico de Daniel Ortega na Nicarágua. El País. [S.l.], 15 jun. 2021. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-15/o-golpe-mais-simbolico-de-daniel-ortega-na-nicaragua.html>. Acesso em: 16 jun. 2021.
ORTEGA LANÇA PERSEGUIÇÃO… (2021). Ortega lança perseguição política feroz para se manter no poder na Nicarágua. El País. [S.l.], 14 jun. 2021. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-14/ortega-lanca-perseguicao-politica-feroz-para-se-manter-no-poder-na-nicaragua.html>. Acesso em: 15 jun. 2021.
REGIME DE ORTEGA… (2021). Regime de Ortega promove caçada a jornalistas sob pretexto de combater lavagem de dinheiro. El País. [S.l.], 25 mai. 2021. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-25/regime-de-ortega-promove-cacada-a-jornalistas-sob-pretexto-de-combater-lavagem-de-dinheiro.html>. Acesso em: 14 jun. 2021.
HÁ 40 ANOS… (2019). Há 40 anos, Revolução Sandinista derrotava a ditadura Somoza na Nicarágua. Brasil de Fato. [S.l.], 19 jul. 2019. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/07/19/ha-40-anos-revolucao-sandinista-triunfava-na-nicaragua-pondo-fim-a-ditadura-somoza/>. Acesso em: 15 jun. 2021.
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