O Ensaio Sobre a Cegueira e a Pandemia do Covid-19
- João Vitor de Souza Santos
- 14 de out. de 2021
- 4 min de leitura

Resumo
José Saramago foi um dos mais importantes escritores contemporâneos. Reconhecido ainda em vida, Saramago teve sua definitiva consagração ao ganhar o Prêmio Nobel de Literatura de 1998. Autor de uma vasta obra, com títulos mundialmente famosos como “Memorial do Convento”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, entre outros. Seus livros se destacaram sobretudo pela refinada crítica social e política que o escritor faz em suas histórias, com uma ironia muito particular e original. Umas das obras mais famosas e já aqui mencionada, chamada “Ensaio Sobre a Cegueira” é um romance para o nosso momento, pois trabalha a mais cruel das pandemias, que tomou proporções maiores com a pandemia do Coronavírus.
José Saramago
José Saramago nasceu em Azinhaga de Ribatejo, Portugal. Seus pais eram camponeses, pessoas de baixíssima renda que não poderiam sustentar um bom ensino para o filho. Saramago tem como maior nível de estudo formal, o curso técnico de serralheiro mecânico. Além de exercer a profissão de serralheiro, foi também jornalista, funcionário público, tradutor e editor antes de se dedicar por inteiro à literatura. Saramago foi um escritor ateu e comunista, isso vai refletir em suas obras, com duras críticas ao capitalismo e ao cristianismo, sobretudo ao catolicismo. Tais posições evidentemente causaram repulsa em diversos grupos da sociedade portuguesa, chegando ao ponto que para o José Saramago foi o limite, o veto do seu livro ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, que o Estado Português afastou do Prêmio Literário Europeu, com a justificativa que o livro “ofendia”. Depois do veto, Saramago mudou-se para a Espanha, país que viveu até sua morte, em 2010.
Ensaio Sobre a Cegueira e a Pandemia
O livro “Ensaio Sobre a Cegueira”, foi idealizado, segundo o próprio autor, quando José Saramago estava em um restaurante e pensou “E se todos nós fossemos cegos?”, a resposta já veio no mesmo tempo do questionamento “Mas nós já somos cegos”. É a cegueira frente às injustiças do mundo a que José Saramago se refere e é com base nela que o autor vai escrever sua história.
Um homem comum, no meio do trânsito passa a enxergar tudo branco, como se estivesse mergulhado em um mar de leite, no meio de buzinas de carros, curiosos vão ir até o homem para ver qual o motivo do carro não ter andado após o sinal ficar verde. Depois que algumas pessoas chegam próximas ao carro e uma abre a porta, o homem diz “Estou cego”. Após ir ao oftalmologista, o primeiro cego vai transmitir a cegueira para todos no consultório, inclusive o médico. No lugar que a história acontece, a única pessoa que não é acometida pela cegueira é a mulher do médico.
A epidemia que José Saramago descreve em seu romance, é semelhante a pandemia que estamos enfrentando há quase dois anos. A principal doença é a mesma, a cegueira em relação a dor do semelhante, o individualismo exacerbado, que não se importa em prejudicar, agredir ou colocar a vida de outra pessoa em risco, desde que nossas vontades sejam feitas. Se por um lado, os cegos do romance cometiam injustiças com o próximo, com a certeza que não eram vistos, na nossa realidade a cegueira é ainda pior, pois, diversos grupos tomaram atitudes egoístas as claras, como os organizadores e frequentadores de festas clandestinas, os muitos que optaram pelo não uso de máscaras e os que negaram e negam ainda hoje a vacina.
Como já mencionado, a única pessoa que não fica cega é a mulher do médico. Esse papel é cruel e difícil. Cruel por ter que ver tudo que está acontecendo ao seu redor - todas as atrocidades e todas as feridas - e difícil por ter a responsabilidade de enxergar quando outros não conseguem, de ver além do que as sensações permitem. A mulher do médico é a responsável por conduzir os outros cegos para o caminho seguro, para a proteção, para a vida. Justamente por ter o poder de ver, ela é responsável por diminuir o sofrimento do seu grupo. Mais uma vez Saramago faz um paralelo com nossa realidade, realidade essa que se encaixa perfeitamente no nosso momento. Em tempos de incertezas, de sofrimentos, de mortes vorazes e de grande insegurança, é dever dos nossos líderes enxergarem além e guiar nossos caminhos. Em grande parte do globo, incluindo a Europa, infelizmente não foi o que aconteceu. Poucos países enxergaram o tamanho do problema e tiveram a coragem e a empatia de tomar medidas radicais, visando a vida e o bem-estar da nação.
Conclusão
São muitas as semelhanças entre a ficção do José Saramago e a nossa realidade. A indiferença frente ao sofrimento do próximo. A pura maldade de muitos líderes que estão dentro dos governos de diversos países. E sobretudo, a cegueira quase geral que assola nossa sociedade, com poucos focos de luz, com poucas pessoas que são capazes de enxergar além, de guiar, de liderar verdadeiramente. Uma leitura profunda do livro “Ensaio Sobre a Cegueira” é fundamental para olharmos dentro de nós, dentro de nossa própria miséria e procurar não apenas ver, mas reparar e tomar atitudes frente às injustiças e indiferenças dos nossos tempos, sobretudo em tempos de pandemia, momento que a solidariedade e o respeito ao próximo são fundamentais para a superação dessa fase difícil.
Referências Bibliográficas
SARAMAGO, José. “Ensaio Sobre a Cegueira”. Editora Schwarcz. 2° edição. São Paulo. 2017.
VILELA, Joana. “O veto ao Evangelho de Saramago, 25 anos depois”. Observador. 25 de abril de 2017. Disponível em: < https://observador.pt/especiais/o-veto-ao-evangelho-de-saramago-25-anos-depois/>
RENNÓ, Joel. “Enxergando a COVID-19 através de José Saramago”. Estadão. 26 de junho de 2020. Disponível em: < https://emais.estadao.com.br/blogs/joel-renno/enxergando-a-covid-19-atraves-de-jose-saramago/>
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