Olimpíadas de Tóquio 2021: Pandemia e as Opiniões do Povo Japonês
- Matheus de Moura Neves
- 15 de jul. de 2021
- 6 min de leitura

Perawongmetha, Athit. 2021
Resumo: Devido ao avanço da pandemia do vírus Sars-Cov-2, popularmente conhecido como Covid-19, muitos eventos precisaram ser cancelados ou adiados. Dentre eles, os Jogos Olímpicos de Tóquio talvez seja o mais proeminente. Com a decisão de realizar os jogos mesmo durante a pandemia, muitos se perguntam se essa é realmente a escolha certa e se o governo japonês é capaz de manter protocolos de segurança eficazes para conter maior propagação do vírus.
Palavras-chave: Covid-19; Olimpíadas 2021; Pandemia
Introdução
Desde o início de 2020, o mundo vendo sendo assolado por uma pandemia de proporções caóticas e que já infectou mais de 175.000.000, levando mais de 3.800.000 de vidas até o momento. Nesse meio tempo, dentre os muitos eventos que tiveram de ser cancelados ou adiados, os Jogos Olímpicos de Tóquio talvez tenha sido o mais importante deles.
Inicialmente previsto para começar em meados de 2020, o evento havia sido cancelado até segunda ordem. Durante esse período, o Japão passou por uma grande onda de contaminação, atingindo seu pico no início de janeiro de 2021 e chegando a ter cerca de 7 mil novos casos por dia. Os números se estabilizaram e chegaram a aumentar novamente em meados de março, mas com o avanço da vacinação, a situação voltou a normalizar.
É nesse cenário de incertezas que os Jogos Olímpicos vão acontecer, a partir do dia 23 de julho, abrigando delegações e atletas do mundo todo. O governo japonês está trabalhando duro para manter protocolos de segurança, mas, mesmo assim, a situação não é das mais agradáveis. É esse contexto que será analisado neste artigo.
Cenário Atual e a Relação Japonesa com Vacinas
Os primeiros casos de Covid-19 no Japão datam de janeiro de 2020, sendo que a pandemia só se instalou de fato a partir de setembro, alcançando seus números mais altos em janeiro de 2021 (JHU CSSE COVID-19 Data, 2021). Hoje, faltando cerca de um mês para o início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, a curva de contaminação vem diminuindo: são registrados cerca de 1700 novos casos por dia (JHU CSSE COVID-19 Data, 2021), com tendência de diminuição à medida que a vacinação avança.
Porém, o problema maior reside na baixa adesão da população às vacinas: de acordo com dados da Our World in Data, apenas 19% dos habitantes tomaram a primeira dose da vacina, e 8,7% receberam as duas doses. Os números só retratam o histórico ruim que o país tem com vacinas em geral: durante a década de 70, duas crianças morreram ao receberem uma dose tripla contra difteria, tétano e coqueluche, o que causou pânico na população japonesa que, anos mais tarde, foi refletido na queda drástica na vacinação infantil (CNN Brasil, 2021).
Outro caso semelhante aconteceu no final dos anos 80, onde a vacinação tripla contra sarampo, caxumba e rubéola produzida no país teve um de seus componentes associados com o surgimento de meningite asséptica (CNN Brasil, 2021). Desde então, o Instituto Nacional de Ciências da Saúde suspendeu a dose tripla, tornando-a individual, e a vacinação no Japão se tornou voluntária.
Esses são apenas dois dentre inúmeros casos de ceticismo com vacinas, que também se refletem em como o governo japonês trata vacinas novas hoje em dia. Mesmo com a aprovação dada pela Organização Mundial da Saúde para a vacina da Pfizer-BioNTech em 31 de dezembro de 2020, o Japão levou mais seis semanas para conduzir um pequeno teste com 160 pessoas para só então aprovar a vacina. Mesmo com a demora, esse foi um caso excepcional: geralmente esse processo de aprovação leva de um a dois anos para terminar. De acordo com o Ministro responsável pelo lançamento da vacina Taro Kono, o ensaio foi necessário para dar confiança para a população (CNN Brasil, 2021).
O cenário de lentidão do processo de vacinação aliado ao ceticismo já característico da população e governo japonês pode acabar se provando um problema grande para todos. Com o intuito de evitar maiores aglomerações e contaminações mesmo neste cenário, algumas medidas de proteção e prevenção vem sendo adotas pelo comitê de segurança dos Jogos Olímpicos.
Protocolos de Segurança e as Preocupações da População
Para tentar minimizar qualquer surto de contaminação, o governo japonês adotou medidas preventivas e de proteção para serem seguidas durante o evento. Dentre as restrições estão o uso de até 50% da ocupação nos locais de competição, ou de até 10 mil pessoas, e temperatura corporal dos torcedores inferior a 37,5ºC, além da proibição de qualquer tipo de interação com os atletas, como aplaudir, pedir autógrafo ou ainda expressar apoio verbal. O uso de máscara é obrigatório e bebidas alcoólicas não serão vendidas nos locais de competição. Nenhum estrangeiro poderá estar presente nas torcidas, e nenhuma transmissão dos jogos será feita em local público (G1, 2021).
Essas medidas, apesar de bastante severas, tem causado controvérsias entre a população japonesa. Nos últimos meses uma grande parte dos japoneses tem demonstrado que não deseja que o evento aconteça normalmente: por exemplo, mais de 10 mil voluntários desistiram de participar da organização, centenas de cidades desistiram de receber atletas e suas delegações, e até mesmo uma petição para o cancelamento dos jogos foi criada, atualmente contando com quase 430 mil assinaturas (BBC News, 2021).
Mesmo assim, o governo revogou o estado de emergência para Tóquio e outras regiões próximas no dia 20 de junho (G1, 2021). Existem alguns pontos que podem, possivelmente, ser a razão do governo resistir tanto a mais um adiamento: o contrato feito com o Comitê Olímpico Internacional só permite que os jogos sejam cancelados por decisão do próprio comitê, e nunca do país-sede. Outro ponto a ser considerado são os Jogos de Inverno de 2022, que acontecerão na China, maior rival do Japão na Ásia. É de se esperar que o país queira fazer de tudo para que o evento ocorra dentro da normalidade, uma vez que os Jogos podem ser vistos como uma forma de demonstração de força, assim como aconteceu nas Olimpíadas de 1964, na época considerada vital para mostrar que o país tinha se recuperado da tragédia da Segunda Guerra Mundial.
Mas não é só a população japonesa que demonstra preocupação com a realização do evento. Alguns atletas – apesar de poucos – como a tenista Naomi Osaka, mostram certo receio em relação ao evento, porém sem ser incisivos em suas opiniões (BBC News, 2021). Até mesmo o próprio Imperador Naruhito mostrou preocupação através de uma impressão oficial onde diz que “dadas as preocupações do público, ele aparentemente está preocupado com a possibilidade de as Olimpíadas e as Paraolimpíadas, eventos que o imperador é o patrono honorário, façam com que as infecções aumentem.” (G1, 2021)
Porém, mesmo assim, não há sinais de que o Comitê Olímpico Internacional ou o próprio governo japonês estejam dispostos a mudar de ideia e adiar o evento mais uma vez.
Conclusão
Faltando pouquíssimo tempo para o início do evento, as coisas parecem caminhar para uma tragédia anunciada. Mesmo com os protocolos de segurança, não será o bastante se a população não estiver vacinada e protegida. Além disso, um evento da magnitude dos Jogos Olímpicos perde sua majestade quando existem tantas restrições de participação do público.
Diferente da Europa, por exemplo, onde as vacinações estão caminhando a passos largos e já existem eventos esportivos com torcida, o Japão está longe de ter a situação sob controle, principalmente pela falta de adesão à vacina por parte de sua população.
Assim como a Copa do Mundo, as Olimpíadas são para as pessoas, e realizar o evento em um momento onde as pessoas não podem participar sem colocar sua própria vida em risco não é uma decisão acertada. Não existem indícios de que a situação pode mudar, e definitivamente existe a chance do evento se tornar uma mancha na história.
Referências Bibliográficas
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ILLMER, Andreas. Tokyo Olympics: Why doesn't Japan cancel the Games? BBC News, mai 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-asia-57097853>
Imperador do Japão está preocupado com a Covid-19 durante Olimpíadas, diz administrador da casa imperial. G1, jun 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/24/imperador-do-japao-esta-preocupado-com-a-covid-19-durante-olimpiadas-diz-administrador-da-casa-imperial.ghtml>
OI, Mariko. Tokyo Olympics: Why people are afraid to show support for the Games. BBC News, jun 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-asia-57395010.amp>
Tóquio cancela locais de exibição pública da Olimpíada. Bandsports, jun 2021. Disponível em: <https://bandsports.band.uol.com.br/olimpiadas/noticias/toquio-cancela-locais-de-exibição-publica-da-olimpiada-16355374>
Tóquio sem festa: Olimpíada não terá gritos, abraços e venda de bebidas. G1, jun 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/notícia/2021/06/23/olimpiada-sem-festa-toquio-proibe-gritos-e-abracos-e-venda-de-bedidas.ghtml>
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