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Reconhecimento das Ofensivas Alemã e Francesa




Reconhecimento dos erros no passado

Após cinco anos de negociações, no dia 28 de maio de 2021, o Governo alemão através de seu ministro de relações exteriores, Heiko Maas, reconheceu o genocídio das etnias herero e nama entre os anos de 1904 à 1908 na Namíbia. Além disso, o governo se comprometeu a criar um fundo de investimento com valor de 1.1 bilhão de euros, que será investido ao longo de trinta anos, com o intuito de ajudar na reconstrução e no desenvolvimento do país. O Fundo tem como foco investimentos ligados à educação e energia, em áreas com grande concentração das etnias mais afetadas pela guerra. Representantes do governo namibiano disseram que este acordo foi “um primeiro passo na direção correta”, entretanto, a retratação não agradou a todos, os líderes das minorias étnicas exigem um pedido oficial e uma compensação. Os alemães fizeram questão de enfatizar que este fundo de investimento não se trata de uma reparação, de certa forma, impedindo que este acontecimento ofereça oportunidade para que outras ex-colônias busquem reparações.

Após décadas do genocídio em Ruanda, o Governo francês através de seu atual presidente, Emmanuel Macron, reconheceu o papel da França no genocídio apesar de não ter se envolvido diretamente. A declaração veio após a liberação de artigos patrocinados pelo governo ruandês e francês, por mais que pertençam a lados diferentes, ambos chegaram à conclusão de que a França possui responsabilidade pelo papel omisso que desempenhou durante o genocídio e também por permanecer aliado do governo Hutu, além de armar suas tropas e treiná-las. Entretanto, os artigos não encontraram evidências de participação direta de oficiais franceses no genocídio, a principal diferença entre os artigos é de que o artigo francês, por mais que tenha reconhecido que a França permaneceu aliada do governo e que não tomou nenhuma ação efetiva para evitar o genocídio, exime a França de qualquer nível de cumplicidade com a guerra civil ruandesa.

Genocídio das etnias herero e nama (1904 - 1908)

A Guerra do Império Alemão contra as etnias herero e nama aconteceu durante os anos de 1904-1908, é considerada como o primeiro genocídio do século XX. Essa guerra ocorreu nas colônias germânicas até então conhecidas como Sudoeste Africano Alemão, que hoje, corresponde ao território atual da Namíbia, que foi colônia germânica entre 1884 a 1915. Esse acontecimento não se difere de outras embates coloniais onde há um excessivo uso da força, por parte da metrópole, que resulta em um grande número de mortes, como exemplo podemos citar diversas atrocidades causadas pelas potências européias, França, Império Britânico e Bélgica, em território colonial no continente africano e asiático. A guerra foi travada entre os soldados germânicos, liderados pelo general Lothar von Trotha, e as etnias herero e nama que se rebelaram contra o controle colonial e tiveram sua população dizimada. Estima-se que 80% da população herero tenha morrido, o equivalente a oitenta mil pessoas, já em relação a etnia nama, estima-se que 50% de sua população foi morta, o equivalente a dez mil pessoas.


Genocídio de Ruanda (1994)

Ruanda vivia uma guerra civil desde os anos 1990, sendo travada pelo governo em vigor comandado pelo hutu Juvenal Habyarimana, enquanto a oposição fazia parte do grupo Frente Patriótica de Ruanda, liderada pelo atual presidente ruandês, Paul Kagame de etnia tutsi. O genocídio tutsi teve início no dia 7 de abril de 1994, um dia após a morte do então presidente ruandês Juvenal Habyarimana, cujo avião foi abatido enquanto ele voava próximo a capital do país, Kigali. Não há provas de que o genocídio tenha sido planejado previamente e nem há explicações sobre as causas que levaram a queda do avião, entretanto, esse evento serviu como fagulha para início do genocídio. Os ruandeses que pertenciam à etnia hutu passaram a se organizar para assassinar de forma brutal os seus compatriotas que pertenciam ou que eles achavam que pertenciam à etnia tutsi. Como podemos observar, os hutus utilizavam-se de características físicas para distinguir os seus “inimigos”:


“É preciso ter em mente que, durante o genocídio, o corpo serviu como substituto da carteira de identidade. O corpo podia ser lido, visto, examinado pelos assassinos que procuravam isolar as diferenças que lhes permitiria identificar os ‘inimigos’. Milícias iriam sondar cada parte do corpo em que características específicas ligadas a uma certa noção de ‘Tutsiship’ fossem supostamente encontradas.”

(KORMAN, Remy. 2014, p. 227, tradução nossa.)


As emissoras de Televisão e Rádio, ligadas ao governo, encorajaram os hutus a identificar e matar os tutsis através de suas características físicas específicas. Como podemos ver em:


“Esther Mujawayo, cofundadora de uma associação para viúvas do genocídio, Avega, lembra de ter ouvido um jornalista da RTLM transmitindo o seguinte discurso no rádio logo nos primeiros dias do genocídio"

Como você pode distinguir a barata de um Hutu? Você tem diversos métodos para escolher. A barata tem um espaçamento entre os dentes da frente. A barata tem pés estreitos. A barata tem oito pares de costelas. A barata tem estrias nas coxas próximo as nádegas. A barata tem um nariz fino. O cabelo da barata não é tão cacheado. O crânio da barata é longo na parte de trás e sua testa é inclinada. A barata é alta e há altivez em seus olhos. A barata tem um pomo de Adão pronunciado.” (KORMAN, Remy. 2014, p. 228)



Vale ressaltar, que os hutus que de alguma forma se opuseram ao massacre também foram mortos. Os governistas chamavam os tutsis de “baratas” e “traidores” e os culpavam pela situação do país. O resultado destas ações foram os aproximadamente um milhão de mortos entre tutsis e hutus moderados. O genocídio de Ruanda tomou tamanha proporção que gerou a criação de um Tribunal Penal Internacional ad hoc, esse foi o primeiro Tribunal Penal Internacional a penalizar pessoas físicas pelas violações humanitárias do direito internacional, além de ser o primeiro tribunal internacional a julgar um genocídio tendo como base a definição estabelecida na Convenção de Genebra de 1948. Desde de 1995, noventa e três pessoas foram indiciadas por terem envolvimento no genocídio. Os indiciados variam de membros do governo a militares de alta patente, assim como líderes políticos e religiosos, membros da mídia extremista e líderes da milícia.


Conclusão Retratar situações onde países do norte global intervêm em países do espectro periférico do mundo, levando em conta o sistema capitalista que o mundo está inserido, podem se tornar bem rotineiras.

Partindo do pressuposto ocidental, neste caso específico o europeu, a forma de organização e os objetivos almejados pela sociedade europeia são levados através das ações como se fosse um pensamento universal.

Em um século tão conturbado e cheio de mudanças, movimentos de independência começaram a surgir e confrontar os governos coloniais, como tratamos acima no caso alemão. Porém, após os processos de independência ou após o fim da guerra civil de Ruanda, cicatrizes desse período ficaram marcadas naquelas sociedades.

No caso alemão, pode-se dizer que a estrutura levada para a região, assim como a forma de administração de Estado moldaram o pensamento das sociedades seguintes (não levando em conta o conflito que aconteceu). No caso de Ruanda, o genocídio abalou as estruturas da região e por ser tão recente, olhando através de um espectro histórico, até hoje vivem na memória social do país. Portanto, este tipo de declaração representa mais um passo dos países europeus em confrontar o seu passado colonial, e adotam diversas medidas com intuito de compensar as atrocidades cometidas no passado. Algumas dessas atitudes se manifestam através da devolução de artefatos e artes africanas que foram saqueadas no período colonial e atualmente se encontram nos acervos de museus europeus e americanos. Assim, tentam mascarar a culpa, assumindo a culpa publicamente, mas ainda assim, mantendo uma influência quase que inconsciente na mentalidade das pessoas do sul global.


Referências Bibliográficas


“Alemanha reconhece ter cometido genocídio na Namíbia”. Deutsche Welle, 28 de maio de 2021. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/alemanha-reconhece-ter-cometido-genoc%C3%ADdio-na-nam%C3%ADbia/a-57698290> acessado em 29 de maio de 2021.


“Etnias da Namíbia rejeitam acordo com Alemanha por genocídio”. Deutsche Welle, 28 de maio de 2021. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/etnias-da-nam%C3%ADbia-rejeitam-acordo-com-alemanha-por-genoc%C3%ADdio/a-57709173> acessado em 29 de maio de 2021.


DAHIR, Abdi Latif. “France Enabled 1994 Rwanda Genocide, Report Says”. The New York Times, 19 de abril de 2021. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2021/04/19/world/africa/france-rwanda-genocide-report.html?action=click&module=RelatedLinks&pgtype=Article> acessado em 29 de maio de 2021.


ONISHI, Norimitsu. “France Has ‘Overwhelming’ Responsibility for Rwanda Genocide, Reports Says.” The New York Times, 26 de março de 2021. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2021/03/26/world/europe/france-rwanda-genocide.html> Acessado em 29 de maio de 2021.


Estes dados foram retirados da notícia do jornal americano The New York Times. EDDY, Melissa e ONISHI, Norimitsu. “A Forgotten Genocide: What Germany did in Namibia, And What it's Saying Now”. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2021/05/28/world/europe/germany-namibia-genocide.html> acessado em 29 de maio de 2021.


No original: “It must be borne in mind that, during the genocide, the body serverd as a pendant to the identity card. The body could be read, seen, scrutinized by the killers, who sought to isolate the differences which would allow them to locate the ‘enemy’. Militias would probe every part of the body in which features specific to a certain notion of ‘Tutsiship’ were supposedly to be found”. Korman, Rémi. “The Tutsi Body in the 1994 Genocide: Ideology, Physical Destruction, and Memory.” Destruction and Human Remains: Disposal and Concealment in Genocide and Mass Violence, edited by Élisabeth Anstett and Jean-Marc Dreyfus, Manchester University Press, Manchester, 2014, pp. 226–242. JSTOR, <www.jstor.org/stable/j.ctt1wn0s3n.14.> Accessed 30 May 2021.


No original: “Esther Mujawayo, co-founder of an association for widows of the genocide, Avega, recalls having heard an RTLM journalist broadcasting the following address on the radio in the very first days of the genocide: How can you distinguish the cockroach from the Hutu? You have several methods to choose from; The cockroach has a gap between his front teeth; The cockroach has narrow heels; The cockroach has eight pairs of ribs; The cockroach has stretch marks on his thighs near the buttocks; The cockroach has a thin nose; The cockroach’s hair is not so curly; The cockroach’s skull is long at the back, and his forehead is sloped; The cockroach is tall and there is haughtiness in his eyes; The cockroach has a pronounced Adam’s apple.” Korman, Rémi. “The Tutsi Body in the 1994 Genocide: Ideology, Physical Destruction, and Memory.” Destruction and Human Remains: Disposal and Concealment in Genocide and Mass Violence, editado por Élisabeth Anstett e Jean-Marc Dreyfus, Manchester University Press, Manchester, 2014, pp. 226–242. JSTOR, <www.jstor.org/stable/j.ctt1wn0s3n.14.> Acessado em 30 de maio de 2021.


Dados retirados do site Nações Unidas para resíduos de Tribunais Criminais. Disponível em: <https://unictr.irmct.org/en/genocide> acessado em 30 de maio de 2021.


Covenção Para Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. 9 de dezembro de 1948. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CrimeOfGenocide.aspx> Acessado em 30 de maio de 2021.


Tribunal Penal Internacional para Ruanda. Disponível em <https://unictr.irmct.org/en/tribunal> Acessado em 30 de maio de 2021.


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