A Política Externa Hollywoodiana
- Bruna Dutra Ribas e Maria Thais R. Medeiro
- 21 de jul. de 2021
- 7 min de leitura

Resumo: Este artigo analisa como os EUA utilizam suas produções cinematográficas em Hollywood para angariar apoio da população americana e até mesmo de outros povos para suas ações externas. Tudo isso através da indústria cultural e cultura de massas presentes em filmes da Disney e Marvel.
Palavras-chaves: Indústria Cultural, Hollywood, Cultura de massas, Soft Power, cinema, EUA.
Introdução
A cultura se expressa na sociedade de diferentes formas e está em constante mudança, variando sempre, com o cenário a qual está inserida. Diante disso, na sociedade contemporânea o cinema tem sido uma forte ferramenta de expressão cultural, todavia, também se mostrou uma ferramenta mercadológica, onde se possibilita o alcance de bilhões de espectadores, tornando o cinema especificamente um forte objeto de poder político para o mundo.
Nesse sentido, os EUA despontam como o principal produtor cinematográfico no mundo tornando-se referência em produções impecáveis de alcance mundial. Justamente por conseguir atingir um contingente grande de pessoas, as histórias Hollywoodianas passaram a integrar o cotidiano de muitas nações sem darem conta introduziram diversos valores da sociedade americana em suas vidas.
Esse fenômeno se dá através de produções bilionárias de estúdios consagrados como a Disney, atualmente também detentora da Marvel, que criaram diversos personagens e filmes para ganhar apoio da população em determinados contextos importantes para a política interna e externa americana. Em geral o foco é disseminar os ideais dominantes da sociedade capitalista liberal de forma que esses conceitos sejam tratados como naturais tanto para quem é americano quanto para quem não é, além é claro, de gerar uma receita poderosa na comercialização dessas produções.
De acordo com a escola de Frankfurt, responsável pelo desenvolvimento da chamada teoria crítica dentro da ciência política e filosofia, a cultura é estabelecida como um aspecto fundamental para a manutenção do status quo da sociedade capitalista burguesa. Segundo Hockaimer, a cultura serve como uma espécie de “argamassa espiritual” que mantém a sociedade unida e em coesão com a ordem imposta.
Dessa forma, a cultura é um forte instrumento utilizado para assegurar a dominação, podendo também servir para abalar as estruturas estabelecidas e gerar mudanças nas relações sociais. Entretanto, a chamada cultura de massa, ou também amplamente conhecida como cultura pop, é uma forma de arte que é produzida para a grande massa, ou seja, para aqueles que não ocupam o alto escalão da sociedade capitalista.
Apesar da produção artística ter como alvo as massas, todas essas produções, principalmente as cinematográficas, não são realmente elaboradas por essa parcela da população. Nesse sentido, a cultura de massa, nomenclatura que induz a interpretação de uma produção oriunda do povo, na realidade é algo feito pela elite para a grande massa com objetivo de propagar os valores dominantes para que sejam entendidos como valores naturalmente comuns.
Mais do que espalhar os ideais que favorecem a sociedade capitalista na manutenção do exercício do seu poder, a cultura de massa também criou um outro fenômeno, a indústria cultural. Os eventos e transformações do século passado, como a consolidação do capitalismo, trouxeram grandes mudanças em diversos setores e um dos atingidos é o artístico, principalmente na forma de apreciação e consumo das produções artísticas que transitaram de uma contemplação comparável a um ritual religioso para uma absorção imediata das informações passadas.
Com essa alteração na relação do consumo da arte na sua forma geral, a lógica de calma e apreciação perdem espaço para criação de uma verdadeira indústria de imediatismos. Esse novo tipo de produção é a receita principal de Hollywood, que passou a ser uma fábrica de entretenimento, e como toda fábrica,seu objetivo é a produção em larga escala visando alcançar o maior número de pessoas possíveis para que a obtenção dos lucros seja cada vez mais elevada.
É claro que essa mudança trouxe consequências em relação a qualidade do conteúdo que é produzido, porém, além da razão óbvia em relação a necessidade de criação rápida e imediata quase que de forma mecânica, existem também motivações propositais. Pois se as produções do cinema americano se pautaram na cultura de massa, significa que os filmes e tudo que envolva a produção audiovisual deve agradar e atingir esse público de forma igualitária para que todos aprovem o conteúdo.
É justamente essa necessidade de agradar o grande público que os filmes americanos passaram a repetir em quase todas produções as mesmas histórias, ou pelo menos o mesmo formato. Tudo isso, para garantir o sucesso e aceitação do público alvo, e por consequência um maior lucro, e claro, a disseminação dos valores passados nas histórias como naturais e universais, fazendo com que o público absorva a mensagem e replique nas suas ações cotidianas dentro da sociedade.
Nesse contexto, Hollywood entra em ascensão diante do mundo, passando a ser a cidade do cinema e se transformando numa espécie de modelo ideal social, a beleza da cidade com seu clima ensolarado e as luxuosas produções hollywoodianas se transformaram em objetos de desejo. O primeiro grande estúdio foi fundado em 1914, e se chama va “Famous Players Film Company”, contudo, atualmente é conhecida por Paramount Studios, a partir desse período muitos outros estudos foram criados e estão em atuação até hoje no mercado, um grande exemplo é a Marvel Studios que se tornou ferramenta para manutenção hegemônica Norte-americana segundo as análises feitas a respeito do termo "Indústria Cultural” de Adorno e de Horkheimer (1985).
Analisando especificamente alguns filmes e produtoras mundialmente conhecidas como a Disney e a própria Marvel é possível identificar nos seus trabalhos com criações de histórias e personagens que adotam características que favorecem os interesses norte-americanos. A política externa americana, desde a independência se baseava no isolacionismo em relação ao mundo, porém sua atuação muda quando assume o papel de protagonista durante a segunda guerra mundial, e é nesse momento de contenção nazista que a Disney produz um desenho do pato Donald chamado “A face do Füehrer”.
Esse episódio da animação da Disney tinha um propósito claro de expor ‘os horrores nazistas e fascistas’ para o público infantil e ainda conseguir apoio da população contra os mesmos durante a guerra que agora era de interesse da política americana. Outro exemplo de personagens criados para espalhar as visões negativas e angariar apoio contra o totalitarismo alemão, é o Capitão América, desenhado pela Marvel e tornando-se um dos seus personagens mais famosos.
Steve Rogers, não é somente um super soldado dotado de força, agilidade e capacidade de regeneração sobre humana, ele é um exemplo de bondade, altruísmo, e patriotismo, ou seja, ‘a cara da América’ que enfrenta seu maior rival o Caveira Vermelha, que ao contrário do Capitão possui um caráter duvidoso e uma aparência monstruosa destoando do padrão de beleza nórdica de Steve. Após a vitória dos aliados, os EUA passam a ocupar a posição de líder no sistema internacional, embora ao mesmo tempo iniciou-se uma disputa com a gigante socialista URSS que se contrapôs à ordem capitalista, liberal e democrática dos americanos.
Assim como no contexto anterior, o cinema americano teve um papel importante para garantir apoio da população contra a ameaça que os soviéticos apresentavam ao sistema capitalista devido a sua característica expansionista, podendo enfraquecer a influência e posição dos EUA no mundo. É possível dizer que várias produções hollywoodianas, como Rocky IV e Rambo trabalharam muito bem a criação de personagens antagonistas de origem russa com características negativas representando a ameaça para o protagonista americano que sempre vence seu oponente de forma triunfante.
Mais uma vez é desenvolvido um exercício no telespectador de identificar os “mocinhos” e “vilões” da história de uma forma muito simplista, trabalhando valores e comportamentos de maneira extremista. Pois enquanto o herói americano é o personagem que enfrenta os desafios, as dificuldades com base nos ideais corretos, o seu rival possui atitudes altamente reprováveis beirando ao sadismo sem nenhum tipo de humanidade passando ao público a impressão de que os soviéticos são a representação de um mal que não pode se espalhar e nesse sentido, os responsáveis pelo impedimento seriam os próprios americanos com seus valores sociais.
Apesar da indústria cultural de Hollywood especificamente nesses exemplos visarem o público interno do país, as produções cinematográficas américas ultrapassam as fronteiras e ganham o mundo. Dessa forma, muitos dos seus valores basilares como, a democracia e liberdade são repassados para diversos outros povos através das telas de cinema de uma forma leve e que é imperceptível pelo público, uma vez que são narrativas criadas para gerar identificação e posteriormente apoio ao protagonista.
Um personagem muito conhecido no Brasil, o Zé Carioca, mais uma produção da Disney, foi criado justamente para aproximar o telespectador brasileiro, pois o mesmo se enxergaria naquela produção que apresenta ao mundo os pontos turísticos e características brasileiras. O objetivo era agradar o Brasil num período que os americanos buscavam apoio da américa latina contra o nazismo durante a segunda guerra e miraram nas terras brasileiras para garantir esse amparo através da atuação de política de boa vizinhança para a região.
Tanto nas produções que trabalham os valores sociais americanos, quanto naquelas criadas propositalmente para atingir e agradar determinado público, Hollywood vira uma poderosa ferramenta do Soft Power americano. O termo cunhado por Joseph Nye, estabelece que além da capacidade de poder econômico e militar, um Estado com grande poder também deve dominar outros aspectos como os culturais, ideológicos e sociais, para que os ideais e objetivos sejam passados para outros povos e tratados como naturais e essenciais a todos.
O soft Power, garante então que as lutas travadas pelos EUA sempre serão apoiadas e consideradas justas pela comunidade internacional já que todos compartilham dos mesmos valores, basta os americanos apresentarem a motivação para determinada ação. Atualmente, é muito comum filmes que retratem o contexto da guerra ao terror travada após os ataques às torres gêmeas, representando alguns países de maneira negativa num caos social e político de extrema violência que necessita de uma “salvação”, que por sua vez só poderia surgir aos moldes americanos de resolução.
Conclusão
Com o nascimento da indústria cultural, no contexto de consolidação do sistema capitalista, a cultura e toda sua produção passou a ser usada como forma de lucrar e de estabelecer e disseminar valores. Esses valores, são estritamente construídos por uma elite dominante que repassa no mundo artístico através da cultura de massa seus ideais para serem encarados como naturais pela sociedade, visando a manutenção da ordem colocada.
Hollywood então, torna-se um símbolo da indústria cultural com suas narrativas e histórias repetitivas que trabalham as características do bem e do mal de forma extremista sempre retratando no antagonista tudo aquilo que gere repulsa no telespectador sempre representado pelo seu inimigo da vez, ou seja, as figuras ruins ou vilões mudam de acordo com o contexto e necessidade da política americana.
Além de ganhar apoio da população para suas ações, o cinema americano passou a ser um instrumento para a política externa dos EUA, pois seus valores agora podem ser disseminados para todos de uma forma simples num momento de lazer e distração dos indivíduos como forma de manter a ordem capitalista e sua posição de líder no sistema internacional.
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