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Boko Haram: A Metástase do Governo Nigeriano


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Penney, Joe. 2014


Resumo


A morte recente do líder terrorista Abubakar Shekau explicita a necessidade de atenção à situação nigeriana. Desta maneira, o presente artigo busca expor de forma sucinta acerca de um dos principais problemas no país mais populoso da África: a ascensão de grupos terroristas, a qual agrava amplamente as crises econômica, política e humanitária. Logo, urge também a necessidade de analisar a situação do país a partir de uma ótica mais realista, pois repousar a causa da ascensão de grupos terroristas apenas no fundamentalismo religioso é desconsiderar todas as contradições sociais e históricas que propiciaram um terreno fértil a esse extremismo, além disso, fica claro que entender o processo de expansão destes grupos, em especial o Boko Haram, pode ser visto como um dos principais passos para a superação deste e de outros problemas que assolam o país.

Palavras-chaves: Boko Haram; Terrorismo; Nigéria.



Referencial Teórico


Com mais de 200 milhões de pessoas, a Nigéria é o país mais populoso do continente, uma potência regional da África Subsaariana, além de referência na exportação de petróleo (BANCO MUNDIAL, 2019). Apesar disso, o país enfrenta uma grande crise econômica, política e humanitária, que os impede de promover um desenvolvimento igualitário. Esse cenário de consecutivos governos corruptos, desigualdade social, conflitos religiosos e étnicos geraram um ambiente propício à insurgência, ambiente este que engendrou o grupo terrorista Boko Haram.

Na primeira semana do mês de junho, diferentes veículos de informação, incluindo Reuters, The Wall Street Journal e AFP (Agence France-Presse), noticiaram a morte de Abubakar Shekau, o até então líder do grupo terrorista nigeriano Boko Haram, desde 2009. Levando em conta que, nos últimos anos, a morte de Shekau já foi noticiada erroneamente mais de 4 vezes, o clima que pairava tanto entre os jornalistas quanto entre analistas internacionais era o de desconfiança. Mas após algumas semanas de investigação, autoridades militares nigerianas confirmaram a morte do dissidente (Borgen, 2021; The Wall Street Journal, 2021), que teria se suicidado após um confronto com seus rivais do Estado Islâmico.

A informação foi interceptada primeiramente pela AFP, que recebeu mídias nas quais o líder do ISWAP (Islamic State West African Province) relatou o confronto entre os grupos, que não ocorreu por acaso, já que a disputa por territórios desde sua separação com o Boko Haram, em 2016, vem se acirrando de forma perigosa. No relato, Abubakar e alguns aliados fugiram floresta adentro logo após seus rivais invadirem o acampamento em Sambisa, no Estado de Borno, nordeste da Nigéria. A fuga durou aproximadamente 5 dias (DW, 2021) e, após cercados, o dissidente preferiu suicidar-se, detonando os explosivos amarrados ao seu corpo, à render-se aos seus rivais.

Apesar da morte de Abubakar não significar o fim do terrorismo para o país, é importante reconhecer a relevância que sua ausência neste cenário pode representar à população e governo nigeriano. Já que, desde seu surgimento, o grupo jihadista expandiu-se de forma alarmante, agindo não somente no Nordeste da Nigéria, mas também em Camarões, Níger e Chade. De acordo com a AFP, as vítimas de terrorismo nesses países aumentaram em média 157% após o aumento de suas zonas de influência, matando diretamente 35 mil pessoas, 314 mil indiretamente e causando uma crise migratória que afetou mais de 2 milhões de nigerianos (UNDP, 2021).

Vale ressaltar que a radicalização do grupo não foi embrionária. De início, o próprio governo nigeriano considerava-os inofensivos, logo quando surgiram em 2002, ainda sem se autodenominarem como Boko Haram. Neste período, eram tratados como uma comunidade separatista e fundamentalista religiosa que instalou-se no nordeste do país, no estado de Yobe. Uniram-se como maneira de expressar sua discordância com os rumos políticos do governo eleito na virada do milênio e construir uma sociedade que seguisse as leis do islã, a Sharia.

O nome Boko Haram significa, em tradução livre, “a educação ocidental é pecaminosa''. Sendo assim, além de utilizarem-se da religião e do sentimento antigoverno, o grupo se posiciona firmemente contra o avanço dos valores ocidentais na região - este sentimento antiocidental advém do passado colonial, ainda bastante recente da Nigéria, pois o país só consolidou sua independência formal em 1960 -, a corrupção desenfreada dos últimos governos e se opõem à qualquer tipo de educação ocidental formal, principalmente para as mulheres.

Como citado acima, o passado colonial recente do país, possui parcela de culpa na divisão territorial que propiciou os conflitos hoje existentes. Em linhas gerais, a divisão arbitrária dos territórios africanos a partir do Tratado de Berlim e, posteriormente, com o Tratado de Versalhes, colocou as populações que lá viviam para coexistirem sob os governos instituídos e financiados pelos colonizadores, desconsiderando suas antigas divisões e lideranças. Além disso, vale ressaltar que, o esforço contínuo na catequização e conversão dos diferentes povos impactou de maneira direta o imaginário e social dos indivíduos. Na Nigéria não foi diferente, o território que ficou sob a custódia do Reino Unido possuía diversas etnias, sendo os principais grupos os Igbos, Iorubás e Hauçás. Destes três, os Igbos, hoje de maioria cristã, situados no sul do país, passaram a constituir a elite nigeriana que mantinha relações comerciais e políticas com a Europa, já que situavam-se numa região de reservas de petróleo.

O fortalecimento e desenvolvimento da região, sem a devida distribuição e desenvolvimento das demais, instigou um sentimento de contraposição à unidade nacional. Sentimento esse que perdurou por décadas, ocasionando na sangrenta Guerra de Biafra, em 1967, após a independência nigeriana, que foi amplamente televisionada e vitimou mais de um milhão de pessoas.

Após isso, a política nigeriana passou por uma contínua fragmentação, consecutivos golpes de Estado e regimes militares. Todos esses acontecimentos atravessados pelas disputas regionais, étnicas e religiosas criaram o cenário que propiciou a formação e radicalização de grupos terroristas jihadistas, como o Boko Haram, que se organizaram buscando construir um “Estado dentro de um Estado”, atraindo a população com discursos contra o governo, oferecendo inicialmente ajuda, comida e abrigo (WALKER, 2012), provisões básicas de bem estar nas áreas mais negligenciadas, onde o sentimento de não pertencimento e esquecimento foram frutíferas às ideias extremistas.

Assim como esses grupos, o Boko Haram não iniciou-se como uma organização terrorista, o catalisador da radicalização foi a morte de Mohammed Yusuf, o predecessor de Mohammed Ali, enquanto estava sob custódia policial em 2009, além, também, da intensificação em grau de violência das ações policiais para erradicar o grupo. De certa maneira, as ações policiais foram lidas como contraproducentes, já que utilizam-se da execução extrajudicial à qualquer suspeito de integrar o Boko Haram, neste tipo de execução não ocorre qualquer julgamento ou aprovação processual. Além disso, a cooperação político-militar na operação, envolvendo beneficiamento de certos atores políticos, tortura e “desaparecimentos” (WALKER, 2012), os quais a polícia nega, inflamaram ainda mais os discursos antigoverno, alimentando o ódio local e a cooptação de membros ao grupo.

As preocupações cresceram à medida que suas áreas de influência iam se expandindo, os ataques tornando-se mais corriqueiros e organizados. Tal organização levantou a suspeita de que o grupo estivesse tendo ajuda externa, tanto para o treinamento quanto no fornecimento de armas e financiamento das operações. Suspeitas de envolvimento com a Al-Qaeda, grupo terrorista fundado por Osama Bin Laden, e com o Estado Islâmico. As suspeitas surgiram após o Conselho de Segurança da ONU observar um crescente movimento na região do Sahel, que hoje é dominada pelos diferentes grupos jihadistas, servindo de palco para conflitos, contrabando e treinamento de dissidentes (ONU NEWS, 2017).

A ação que mais repercutiu mundialmente foi o rapto de 276 garotas de uma escola em Chibok, em abril de 2014. Os terroristas gravaram vídeos em que ameaçavam usá-las como escravas, obrigando-as a se casarem com os membros do grupo. As famílias das vítimas tomaram as ruas em protesto, pedindo ao governo para recuperarem as estudantes. Nas redes sociais circulavam fotos dos protestos, levantando a hashtag #BringBackOurGirls. Somente pouco mais de 50 garotas conseguiram escapar, as outras permanecem desaparecidas, apesar dos esforços militares.

Consecutivos atos como este além de espalharem o terror entre os civis, resultam em crises migratórias e econômicas, pois a fuga das populações na região nordeste do país cresce de forma alarmante, como acompanhado pelo ACNUR. Até o momento atual, mais de 300 mil pessoas adentraram países vizinhos como refugiados, todos advindos da Nigéria. Enquanto no Níger, Chade e Camarões, o número de migrantes está chegando na casa dos 780 mil.

Desta maneira, a insatisfação popular com o governo cresce exponencialmente à essa perda do controle estatal nas regiões. Não há como falar sobre o desenvolvimento nigeriano sem antes lidar com o maior problema humanitário e de segurança no país, o qual desafia as capacidades institucionais enquanto propaga o caos e terror, aproveitando-se da situação de desigualdade social, educação precária e fragilidade das instituições políticas com seus consecutivos escândalos de corrupção. Vemos, portanto, um país rico em diversidade, riquezas naturais e potencial de desenvolvimento, porém, assolado pela insegurança e tensões políticas.



Considerações Finais


Apesar da incerteza quanto ao futuro do país e do Boko Haram após a morte de Abubakar, fica nítida a fragilidade da situação nigeriana, que além de enfrentar problemas de natureza política e econômica, ainda lidam com a forte presença do fundamentalismo religioso, através do fortalecimento de grupos terroristas como o Boko Haram. Além disso, a maneira como esses problemas se retroalimentam de forma reciproca, demonstra a necessidade de reformas que não visem somente o combate ao terrorismo, mas também que erradiquem os problemas que o propiciam, com o investimento em políticas públicas de distribuição de renda, formação educacional de qualidade e reestruturação econômica.

O auxílio internacional, como já ocorre, deve manter-se, mas de maneira sempre respeitosa à soberania nigeriana, somente assim o país conseguirá restabelecer e desenvolver-se de maneira segura e contínua.



Referências Bibliográficas


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