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Terrorismo na África: o Dilema do Continente Mais Pobre do Mundo

Atualizado: 19 de nov. de 2021



RESUMO

O objetivo do presente artigo é trazer uma breve conceitualização da emergência de grupos terroristas no território africano, além de abordar algumas interpretações do fenômeno e seus objetivos em um continente tão empobrecido e instável como a África. Dessa forma, irá se estruturar em trazer uma breve conceitualização do termo, além de pontuar alguns dos principais grupos extremistas, suas atuações e acontecimentos que marcaram a conjuntura internacional.


Palavras-chave: África; Terrorismo; Atentados Terroristas.


ABSTRACT

The objective of this article is to briefly conceptualize the emergence of terrorist groups in Africa, in addition to addressing some interpretations of the phenomenon and its objectives in a continent as impoverished and unstable as Africa. In this way, it will be structured in bringing a brief explanation of the term, in addition to punctuating some of the main extremist groups, their actions and events that have marked the international situation.


Key-words: Africa; Terrorism; Terrorist Attacks.


INTRODUÇÃO


De maneira geral, quando se pensa sobre terrorismo, remete-se aos casos altamente midiatizados, como o 11 de setembro e o caso de Charlie Hebdo. Porém, o continente africano constitui um foco terrorista e que ceifa vidas diariamente, de modo que é preciso estar atento à situação do continente. Com isso em mente, o presente artigo realiza uma breve contextualização do terrorismo no continente africano, indo desde raízes históricas até a atualidade.

Em suma, a própria existência do continente africano no sistema internacional mercantil estava condicionada à perpetuação do terrorismo em determinados territórios. Mais do que isso, até as independências dos países africanos no século XX, o continente africano foi marcado e construído em cima do contínuo terrorismo europeu. Após a independência, os países recém-formados enfrentaram uma crise de legitimidade do poder e uma condição sócio econômica pífia, abrindo espaço para o surgimento de inúmeros grupos terroristas no continente. No presente trabalho são analisados os seguintes grupos: Boko Haram no Norte da Nigéria, em Camarões, no Níger e no norte da República Centro-Africana, há a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM) agindo em Mali e Mauritânia, o Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental (MUJAO) e Janjaweed no Sudão do Sul.



DEFINIÇÃO CONCEITUAL E HISTÓRIA DO TERRORISMO NO CONTINENTE AFRICANO


Nkwi (2015) utiliza a definição de terrorismo adotada pela extinta Organização da Unidade Africana:


a) qualquer ato que seja uma violação às leis criminais do Estado e que ameace a vida, a integridade física ou a liberdade de, ou cause ferimentos graves, ou morte de, qualquer pessoa, número ou grupo de pessoas, ou que cause ou possa causar dano à propriedade pública ou privada, recursos naturais, heranças culturais ou ambientais e é calculado para ou tem intenção de: (i) intimidar, causar medo, forçar, coagir ou induzir qualquer governo, organismo ou instituição, o público geral ou qualquer segmento deste, a fazer ou abster-se de fazer qualquer ato ou a adotar ou abandonar uma posição particular ou a agir de acordo com certos princípios; ou (ii) interromper qualquer serviço público, o fornecimento de qualquer serviço essencial à população ou criar uma emergência pública, ou (iii) criar insurreição generalizada em um Estado. b) qualquer promoção, financiamento, contribuição, auxílio, encorajamento, incitamento, tentativa, ameaça, conspiração, ou organização com qualquer pessoa, com o intento de cometer qualquer ato referido no parágrafo (a) (i) a (iii). (OUA, 1999 apud NKWI, 2015, p.81)

Assim o terrorismo tem um amplo escopo de atuação e é preciso compreendê-lo a fim de aprofundar os conhecimentos sobre o continente africano. Nesse sentido, um ponto é notável: o terrorismo é um elemento formador e que insere a África no sistema internacional marcadamente mercantilista dos séculos XV e XVI (NKWI, 2015). Em suma, o tráfico de escravos era uma prática terrorista, pois intimidou, causou medo, forçou, coagiu, induziu governos, instituições e o público no geral a fazer, abster-se de fazer qualquer ato, adotar, abandonar uma posição particular ou a agir de acordo com certos princípios.

A mercantilização dos escravos é um ato essencialmente terrorista, retirando o direito de ser livre e de existir da maneira que lhe for mais conveniente, gerando medo, matando e subjugando milhões de pessoas por três séculos (NKWI, 2015). Com o fim do ciclo escravista, teve início o imperialismo (NKWI, 2015). Mais uma vez, os países africanos - uma definição ocidental - perderam o direito de decidir seu destino, sob a pena de morte em massa, desestruturando sociedades a fim de manter um padrão de crescimento injusto e com marcas que perduram por séculos.

No século XX, nos movimentos de autodeterminação e independência dos países do continente africano, pode-se afirmar que o terrorismo perpetrado pelos Estados imperialistas chegou ao seu fim, porém um novo tipo de terrorismo teve início: o extremismo islâmico. A religião islâmica, de acordo com Victoria (2015), está consolidada no continente desde o século VII, vinda, sobretudo, do Império Otomano. O referido islamismo é tido como clássico, em um sentido de que contém a essência e não foi corrompido por nenhuma influência, de modo que deve ser sempre um foco. Nesse sentido, os extremistas islâmicos, que visam o estabelecimento da Sharia, um regime em que a lei islâmica é a lei que rege a sociedade, agem no sentido de recuperar e implantar o islã clássico, corrompido pelo imperialismo ocidental. Assim, o terrorismo africano adquire uma roupagem internacional de tentativa de expulsar o invasor estrangeiro ocidental.

Com isso, é inevitável perceber que o imperialismo deixou marcas profundas. O trauma de um passado de subjugação, a criação de uma mentalidade de que o invasor precisa ser combatido e afastado para o mais longe possível, uma busca de ressignificação e construir um país que perdeu o direito de decidir seu próprio futuro (NKWI, 2015; VICTORIA, 2015). O terrorismo islâmico africano floresce em países que perderam o direito de existir por séculos e estão em busca de um significado para sua existência, depositando fichas no islã, mesmo que use do radicalismo para isso.

O terrorismo tende a surgir em países em que o Estado, em uma definição weberiana, não possui o monopólio do uso da força, isto é, não tem a última palavra do que acontece dentro das suas fronteiras, em uma crise de legitimidade e de ação (LIMA, 2006). Os Estados formados nas ondas de independência do século XX enfrentaram graves crises de legitimidade lidando com disputas tribais, grupos de interesses internacionais e um poder central extremamente limitado. Isso, por sua vez, abre espaço para que concorrentes ao poder do Estado surjam.

Outro fator são as condições econômicas. Contextos de pobreza profunda em grande parte da população, que marca uma estrutura econômica deficitária e ineficaz, são férteis para o surgimento de grupos que desafiam o poder do Estado. Tal foi o cenário dos países africanos pós independência: estruturas econômicas extremamente deficitárias, excludentes e com altíssimos níveis de pobreza, o que culmina nos menores índices de desenvolvimento humano (IDH) do mundo (LIMA, 2006). Em suma, o país não tem as capacidades físicas, de mão-de-obra e tecnológicas para se desenvolver (LIMA, 2006). Tudo isso foi tomado dos países africanos a fim de garantir tais elementos para os países europeus. Com isso, grupos extremistas surgem com propostas atraentes de reversão de uma realidade trágica.

Em suma, o Estado perde seu direito essencial de ser o decisor central do que acontece dentro do país, permitindo que outros atores despontem como influenciadores dos rumos da nação. A população, em uma dinâmica complexa de, simultaneamente, lidar com o passado de dominação ocidental e um presente de dominação e de riscos dos ataques de grupos terroristas islâmicos, encontra-se em um contexto em que o cerco vinha se fechando desde o século XX. A retórica de combate a uma influência ocidental, indubitavelmente, é atrativa para uma população arrasada pelo imperialismo, porém, dada a violência e a destruição causada pelos grupos terroristas, há um descolamento entre tais grupos e a população, que tem migrado em massa há décadas.

Os países do Magreb, que se tornaram o lar de algumas organizações terroristas no presente século, por exemplo, foram colônias durante o imperialismo europeu, de modo que sua estrutura social e econômica foi desolada, deixando países com um grande espaço para grupos que se sustentem na retórica anti-ocidente (LIMA, 2006). A Nigéria, que passou por conflitos terríveis herdados do colonialismo no país, enfrentou um dos piores cenários em termos de desenvolvimento humano no século XX (LIMA, 2006). Esse cenário foi muito recorrente nos países africanos e se trata de uma raiz que perdura e que destrói instituições e estruturas de um povo que luta pelo direito de se desenvolver, o que lhe foi tolhido há séculos.



TERRORISMO NO SÉCULO XXI: PRINCIPAIS GRUPOS E ACONTECIMENTOS


No que tange à presença, principalmente desde o início do século XXI, de grupos extremistas no território africano, estes se mostram ainda em muitas quantidades, entretanto possuem um objetivo majoritário. Em relação à estes grupos tem-se o Boko Haram no Norte da Nigéria, em Camarões, no Níger e no norte da República Centro-Africana, há a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM) agindo em Mali e Mauritânia, o Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental (MUJAO) e Janjaweed no Sudão do Sul, etc. O objetivo principal que se encontra dentro das estruturas e formação desses grupos é o desejo de afastar o Ocidente e suas civilizações, culturas e influência para fora do continente africano e os países ali inseridos, além de, segundo Nkwi (2013), instaurar novamente o Islão que tanto predominava na região por volta do século X. Dessa forma, o meio para que haja essa barreira é o ataque à essas civilizações através de bombardeamentos e, muitas vezes, ataques violentos. Acredita-se, de acordo com esses grupos, que as civilizações ocidentais tenham adulterado as raízes africanas.

Em uma breve análise sobre a relevância e prevalência dos grupos considerados terroristas, primeiramente, em relação ao Boko Haram, este se considera o meio para que haja a purificação do Islã que foi modificado. O grupo foi fundado por Mohammed Yusuf em 2002, e em língua hausa (advinda do norte da Nigéria) Boko Haram significa de forma literal que a educação ocidental ou aquelas não islâmicas são um pecado. Sua atuação é conhecida por ser muito violenta, especialmente no território nigeriano. Segundo a Deutsche Welle, até 2019 já se contabilizavam 30 mil mortos devido a ataques desse grupo.

Já em relação à AQIM, a Al Qaeda no Magrebe Islâmico, esta é uma organização salafista-jihadista que também prega o regresso às fontes tradicionais do Islã, em que há a necessidade de se viver tal qual Maomé e seus primeiros quatro sucessores, os califas: O salafismo é um dos objetivos, a jihad é um meio e o terrorismo é um meio específico, segundo Celso (2012). É uma organização baseada principalmente na Argélia e que se tornou afiliada à Al Qaeda ainda em 2006 com a liderança de Osama Bin Laden. Entretanto, antes mesmo de estar relacionada com a Al Qaeda, realizava ataques considerados terroristas, como em 1994 em que houve o sequestro de um voo da Air France e ataques com explosivos na França em 1995 (GROBBELAAR, 2015). Entretanto, há, segundo a Stanford University, evidências que o grupo também já atuou em países como o Afeganistão, Paquistão, Iraque, Iêmen, Somália, Chechênia e até a Palestina.

O Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental, o MUJAO, que juntamente com outros grupos tais quais o AQMI, e o Ansar Dine, ocupam principalmente o norte de Mali. O grupo é caracterizado por uma ruptura com a Al Qaeda no Magrebe Islâmico. É considerado que tenha se formado em 2011 através de sua primeira ação armada em um vídeo em que declarava como seu objetivo espalhar a jihad por uma considerável parte do território africano, mas suas ações ficam limitadas ao sul da Argélia e ao norte de Mali, principalmente. Entretanto, o grupo ficou conhecido na mídia internacional por diversos sequestros, além de diversos ataques violentos nos países em que concentram suas operações.

Por fim, o último grupo que a presente análise traz são os janjaweed, que atuam principalmente no Sudão. Para a própria Organização das Nações Unidos eles são considerados criminosos que muitas vezes se passam como árabes, mas são provenientes de tribos africanas nômades que têm o árabe como língua oficial. Como exemplo de seus violentos feitios está o seu papel fundamental no contexto do conflito de Darfur no país. O conflito armado ocorrido em Darfur, no oeste do Sudão, colocava em atrito os janjaweeds com os povos não árabes do território. Esse conflito teve início em fevereiro de 2003 e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 50 mil pessoas foram mortas. Contudo, ONGs que atuam no território estimam mais de 400 mil mortes, além de mais de 2 milhões de desabrigados. Esse ocorrido teve na mídia uma grande repercussão, ficando conhecido como um exemplo de limpeza étnica e de genocídio.

Em suma, ainda que o terrorismo não seja um fenômeno recente no continente africano, suas raízes se mostram muito mais profundas que as literaturas mostram, englobam diversos fatores que concepções mais tradicionais não conseguem explicar com concisão. O período contemporâneo é marcado pelo bombardeamento do World Trade Center nos Estados Unidos em 2001 e com a resposta da Guerra ao Terror por parte dos Estados Unidos. É nítida a necessidade de romper com o convencional para que se tenha maior entendimento do fenômeno e como ele implica diversas mudanças na conjuntura internacional. Já no que tange ao combate das atividades desses grupos considerados terroristas, principalmente na África Ocidental, há a atividade de organizações internacionais e de políticas de governos que objetivam a erradicação desses grupos, entre os órgãos que contribuem para essas ações estão a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a Comissão da Bacia do Lago Chade.



CONCLUSÃO


Dados os pontos expostos no decorrer do texto, nota-se que o terrorismo no continente africando possui raízes profundas. Mais do que isso, o terrorismo inseriu a África no sistema internacional mercantil das grandes navegações. Passado o ciclo escravista do sistema internacional, o imperialismo decretou a destruição social e econômica dos países africanos, em um contínuo terrorismo. Com o fim do imperialismo no continente, os países retomaram, de maneira incipiente, o direito de se auto determinarem, porém, o poder do Estado foi limitado pela destruição deixada pelo imperialismo, abrindo margem para a emergência de grupos terroristas.

O século XXI marcou o surgimento de vários grupos terroristas no continente africano. No presente trabalho são abordados o Boko Haram no Norte da Nigéria, em Camarões, no Níger e no norte da República Centro-Africana, há a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM) agindo em Mali e Mauritânia, o Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental (MUJAO) e Janjaweed no Sudão do Sul. Todos esses apresentam uma luta jihadista de combate ao mundo ocidental e de estabelecimento da lei islâmica.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CELSO, Anthony N. Project Muse. Acesso em 14. Nov. 2021. Disponível em:https://muse.jhu.edu/article/479378/pdf.


GROBBELAAR, Alta. The origins, ideology and development of Al-Qaeda in the Islamic Maghreb. Africa Review, 149-161.


NKWI, W.G. 2013. “One finger dip in palm oil soils the others: The activities and consequences of Boko Haram in Central and West Africa (Cameroon, Niger and Chad).” Affrican Journal for the Prevention and Combating Terrorism 4 (1): 41-63.


NKWI, W.G. TERRORISMO NA HISTÓRIA DA ÁFRICA OCIDENTAL: UMA AVALIAÇÃO DO SÉCULO XXI. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais v.4, n.8, Jul./Dez. 2015.


LIMA; Bernardo Pires de. Equilíbrios de Poder na África Subsariana: do Terrorismo Islâmico ao Falhanço de uma Região. Nação e Defesa, Verão 2006 N.º 114 - 3.ª Série pp. 75-97.


STANFORD UNIVERSITY. Stanford University. Acesso em 13 nov. 2021, disponível em::https://cisac.fsi.stanford.edu/mappingmilitants/profiles/aqim Al Qaeda in the Islamic Maghreb. 1º de julho de 2016.


VICTORIA, De La Torre. El origen de los nucleos terroristas africanos. UCSF Observatorio de Politica Internacional, Informe trimestral N°1: África.


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