O Combate à Pandemia na África e a distribuição desigual de vacinas no mundo
- Lara Diniz Araujo
- 21 de set. de 2021
- 8 min de leitura

UNICEF/Arlette Bashizi. Mulher recebe a vacina contra a Covid-19 na RD Congo
Resumo
Há alguns meses, a conjuntura pandêmica vem sendo gradualmente superada pelos países “desenvolvidos” e “em desenvolvimento” nos mais diversos âmbitos, como o econômico e o sanitário. No entanto, as nações mais pobres, em especial o continente africano, não vêm alcançando um êxito expressivo no combate à pandemia. Isso se deve primordialmente às limitações econômicas existentes nestes países carentes, resultando em grandes dificuldades na obtenção e aplicação de imunizantes. Consequentemente, este cenário gera uma distribuição completamente desigual de vacinas ao redor do mundo, principalmente na África.
Palavras-Chave: Pandemia. Vacinas. África
Introdução
O mundo vem enfrentando uma das crises sanitárias mais sérias em anos: a pandemia de Covid-19. Segundo dados do Worldometer, o número de infecções pelo vírus já ultrapassa os 224 milhões e 540 mil casos desde o início da doença, enquanto as mortes pelos contágios correspondem a mais de 4,63 milhões de pessoas em todo o globo. No entanto, diversos países vêm aos poucos se recuperando dos efeitos desastrosos causados por esta crise, tanto no próprio âmbito sanitário quanto no aspecto econômico. Um dos dados mais impressionantes em relação a esta recuperação, de acordo com o jornal “O Globo”, é que um terço da população mundial já está imunizada com ao menos uma dose da vacina contra a Covid-19.
A África, entretanto, vem enfrentando sérios problemas no tocante ao combate à pandemia de Covid-19. O continente possui atualmente o maior déficit vacinal quando comparado às outras regiões do mundo: segundo dados do Africa Centres for Disease Control and Prevention (CDC da África), apenas 3,18% da população total de 1,3 bilhão de africanos está completamente vacinada. Além disso, dentre os 30 países no mundo que menos vacinam suas populações contra o vírus Sars-CoV-2, 26 deles estão localizados na África (O Globo, 2021).
Diante deste cenário desastroso, este artigo irá abordar algumas das principais dificuldades enfrentadas no combate à pandemia da Covid-19, em especial as grandes diferenças quando se tratam de nações ricas e pobres, além de observar a atual conjuntura dos países africanos no âmbito da vacinação.
Desigualdade no combate à Pandemia: países “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”
O fato de o continente africano ser um ator passivo e quase completamente inerte no combate à pandemia de Covid-19 não é exatamente uma surpresa: a extrema importância do fator econômico na superação de crises sanitárias, tanto no âmbito doméstico quanto no plano internacional, está sendo bastante reiterada durante os últimos meses de pandemia. Ficou claro que as nações ricas detém uma facilidade muito maior em se recuperarem das consequências negativas geradas pela crise sanitária mundial, como a recessão global de 2020 e o contágio e morte de milhares de pessoas. Esta última vem sendo superada através de estruturas e logísticas organizadas de combate ao vírus, e também por meio da compra antecipada de vacinas. Um claro exemplo disso é os Estados Unidos, que acumulando desde o início da pandemia, efetuaram a compra de 500 milhões de imunizantes para a sua população, sendo que 200 milhões dessas doses eram extras (Folha de São Paulo, 2021).
Já as nações pobres, assim como alguns países “em desenvolvimento”, possuem poucos meios de promover ações e políticas efetivas de combate à Covid-19, em especial por conta de suas limitações econômicas. Logo, a disparidade econômica, tal qual o contraste de poder geopolítico entre as nações, têm provocado uma imensa desigualdade na compra e distribuição de vacinas ao redor do mundo, pois os países ricos adquiriram os imunizantes antecipadamente, e em quantidades demasiadas (Folha de São Paulo, 2021) enquanto as nações pobres precisaram esperar a fabricação de novos lotes, e muitas sequer efetivaram a compra por não possuírem recursos suficientes. O próprio diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, considerou esta situação de assimetria como um "apartheid das vacinas", e regularmente pede que os países ricos auxiliem aqueles que não podem comprar imunizantes, estimulando principalmente a doação de doses excedentes presentes nestes territórios “desenvolvidos”.
A África no combate à Pandemia de COVID-19
A partir da compreensão da existência de desigualdades entre nações ricas e pobres no combate à atual pandemia, pode-se analisar a situação dos países africanos em relação a este assunto. De acordo com o Index Mundi, no continente africano se encontram grande parte dos países com os níveis de pobreza mais elevados do mundo. Da mesma forma, também é nesta região onde se encontram as nações com menores taxas tanto de PIB per capita quanto de crescimento econômico. Infelizmente esta conjuntura não é recente, mas existe na região há séculos por razão, especialmente, de dominações coloniais e imperialistas que resultaram na exploração, saqueamento e desestruturação das sociedades africanas nas áreas sociais, políticas e econômicas (Calvete & Lopes, 2020).
Em função desta forte limitação econômica, o atual combate à pandemia nesta região está sendo bastante difícil, principalmente no tocante à vacinação, pois há uma escassez quase generalizada de imunizantes. Por conta disso, de acordo com o Our World in Data, pouco mais de 43 milhões de africanos estão completamente vacinados, um número extremamente baixo quando comparado à população total do continente. Segundo Augusto Paulo Silva, pesquisador do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, os dois empecilhos centrais enfrentados pelos países africanos nesta pandemia são: a dependência de empresas estrangeiras para o desenvolvimento e compra de vacinas; e os problemas logísticos para assegurar a distribuição correta das doses, por conta da frágil infraestrutura de transporte e saúde das nações.
Dado estas circunstâncias, organizações internacionais como a União Africana (UA) e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) têm buscado soluções para combater a escassez de vacinas no continente, bem como diminuir a desigualdade entre as nações ricas e pobres, incluindo os países africanos neste grupo, no tocante à vacinação. De acordo com o pesquisador citado anteriormente, as duas principais – e únicas – iniciativas de obtenção de imunizantes para a região são: o consórcio Covax, e os acordos e programas realizados pela UA. Assim, a União Africana vem exercendo um papel muito importante nas negociações com farmacêuticas e laboratórios para a compra de insumos e vacinas para a África. A Iniciativa Confiança de Aquisição da Vacina Africana (AVATT) é atualmente o principal projeto da organização relacionado à compra de imunizantes, e já conseguiu adquirir em torno de 400 milhões de doses.
Além disso, a própria UA foi a responsável por liderar a adesão de 43 dos 55 países africanos ao consórcio Covax, iniciativa criada em Abril de 2020 pela OMS e duas entidades privadas – a Aliança Global para as Vacinas (GAVI) e a Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI). O programa tem o intuito central de obter imunizantes contra a Covid-19 a preços mais baixos e distribuí-los às nações pobres, entre os quais os países africanos estão englobados, a fim de diminuir a assimetria na vacinação entre os países “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”. O acordo firmado entre a UA e a Covax prevê a aquisição de 600 milhões de doses através deste projeto, sendo que aproximadamente 82 milhões de vacinas já foram entregues.
Contudo, apesar destas iniciativas serem extremamente importantes para que haja o real alcance destes imunizantes às populações dos países africanos, ainda há vários obstáculos a serem enfrentados. Em relação ao consórcio Covax, mesmo que o acordo preveja a entrega de uma quantidade considerável de doses ao continente, este número ainda não é suficiente para imunizar a parcela de pessoas necessárias recomendada pela OMS. Ainda mais, no dia 08 de Setembro a OMS declarou que ocorrerá um atraso na entrega de vacinas pelo programa, pois a iniciativa não alcançará a meta prevista de distribuição de 2 bilhões de doses este ano (Organização Mundial da Saúde, 2021), o que certamente afetará o já demorado processo de vacinação nas nações africanas. Além disso, as doações feitas pelos países europeus, tanto de dinheiro quanto de vacinas excedentes, também são insuficientes para que haja uma evolução concreta na vacinação do continente, e até mesmo uma dificuldade em superar o atual estágio crítico de pandemia (SILVA, 2021).
No entanto, é interessante notar que não são todos os territórios africanos que estão plenamente desamparados quanto ao combate à pandemia, ou possuem acentuadas dificuldades em adquirir vacinas. Na realidade, alguns países da África vêm se destacando bastante, no âmbito regional, em relação à vacinação, como: o Marrocos – que atualmente possui uma média de pessoas integralmente vacinadas maior que a própria média global – a Tunísia, o Zimbábue e a África do Sul. Com base nos dados do Our World in Data, as porcentagens das populações completamente vacinadas destas nações são, respectivamente, 43,53%, 21,45%, 11,91% e 11,47%. Embora os dados desses países ainda não pareçam exatamente promissores, principalmente os dos três últimos, quando comparados com outros países do continente eles são sim considerados avançados. Por exemplo, o Sudão do Sul possui apenas 0,06% de sua população completamente vacinada, e a República Democrática do Congo somente 0,02%.
Conclusão
Diante disso, pode-se afirmar que apesar do surgimento e expansão da nova variante do Coronavírus – a delta – estar de certa forma atrapalhando a progressiva recuperação dos países ricos, é inegável que a situação pandêmica está bem mais controlada nestes locais do que nas nações pobres. Para mais, as taxas de vacinação nos países “desenvolvidos” são muito mais expressivas quando comparadas às dos “subdesenvolvidos”, e isso está diretamente ligado à fatores de limitação econômica, que impedem a compra de vacinas em quantidades necessárias, além de prejudicarem a aplicação e distribuição de imunizantes em áreas sem logísticas e estruturas de transporte e saúde adequadas.
Assim, a maioria das nações africanas encontra-se nesta condição instável e desfavorável, ainda que existam alguns países na região com um relativo sucesso no combate à pandemia, em especial se tratando da vacinação. Logo, é necessário que os países, principalmente os ricos, integrem mais ativamente os programas de combate a pandemia em áreas mais vulneráveis, pois de nada adianta combater o vírus, e suas variantes, em certos locais do mundo e negligenciar outras regiões por puro individualismo.
Dessa forma, a justificativa dada especialmente pelas nações ricas de que a aquisição excessiva de doses de vacinas são voltadas à "proteção de nossa população”, bem como a ideia de um certo self-help dos países em um ambiente internacional de competição – neste caso por vacinas – não devem ser mais aceitas. Isto porque em diversas nações “desenvolvidas” e “em desenvolvimento” já há aplicações extras de imunizantes em certos grupos da população. Esta prática de aplicação de terceiras doses em pessoas que não correm reais riscos de saúde, só ressalta a desigualdade vacinal já existente entre os países, prejudicando as possíveis recuperações em nível global desta pandemia.
Referências Bibliográficas
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