Rússia e Ucrânia: Crises e Movimento Separatista
- Matheus de Moura Neves
- 17 de jun. de 2021
- 8 min de leitura

AP. 2014
Introdução
As tensões na Ásia Ocidental entre Rússia e Ucrânia vem mantendo seu lugar nos noticiários na sessão internacional há mais de 7 anos com o conflito e consequente anexação da região da Criméia por parte dos russos. Desde então, já houveram a negociação de um acordo de cessar-fogo entre as partes, a quebra deste dito acordo por parte do governo russo com movimentação do exército nas fronteiras e ameaças de ataques, também feitas pelo governo russo. A história ucraniana e a identidade de sua população também tiveram um papel importante na construção do conflito, feita de forma gradual desde o fim da União Soviética em 1991. Para entender as origens e extensões deste conflito, precisamos então voltar para o ano de 2013.
Crise da Crimeia
O final do ano de 2013 na Ucrânia foi marcado pela decisão do então presidente Viktor Yanukovich de não assinar um tratado de livre-comércio com a União Europeia. Ao invés disso, o presidente preferiu estreitar as relações da Ucrânia com a Rússia, o que desencadeou diversos protestos no país e resultou na destituição de Yanukovich do cargo já em fevereiro de 2014. O parlamento da Crimeia, uma república autônoma localizada em uma península do Mar Negro e habitada majoritariamente por descendentes de russos, foi tomado por um grupo a favor da Rússia e nomeou Sergei Axionov como premiê da região. Mesmo sendo considerado ilegal pela Ucrânia, este novo governo declarou independência do governo ucraniano e aprovou sua adesão à Rússia com um referendo realizado em 16 de março de 2014. Então, apoiando o grupo separatista, o presidente russo Vladmir Putin pediu ao Parlamento que aprovasse o envio de tropas à região da Crimeia com o intuito de colocar ordem na situação. Na época, tropas sem identificação foram avistadas na região, apenas distinguíveis como russas por conta das placas de alguns veículos - de acordo com o governo da Ucrânia, 30 mil soldados haviam entrado em solo ucraniano (G1. Mar/2014). Atualmente, a península é administrada pela Federação Russa como duas entidades federais diferentes: a República da Crimeia e a Cidade Federal de Sebastopol. O governo Ucraniano continua afirmando a falta de legitimidade da Rússia sob o território, já tendo pedido auxílio para o Conselho de Segurança da ONU, mas sem obter sucesso.
Interesses russos
Em um nível mais pessoal de identificação, a região da Crimeia tem uma espécie de valor afetivo para os russos. Ainda durante a Guerra Fria, Nikita Khrushchov, líder do partido comunista entre 1958 e 1964 e responsável pela desestalinização da União Soviética, cedeu a região da Crimeia - até então território russo - para a Ucrânia. Por isso, mais de 60% da população da região tem ligação com a Rússia e inclusive falam o idioma de seus antepassados. Sebastopol é chamada de Cidade Heroica pelos russos, por ter sido sitiada pelo exército nazista durante a Segunda Guerra Mundial e resistido por quase um ano. No campo econômico e comercial, a região é uma rica produtora de grãos e vinhos, possuindo também uma indústria alimentícia avançada conhecida internacionalmente. Como exemplo, a Rússia anunciou em 2014 – logo após a anexação da Crimeia – que sua safra de grãos do primeiro trimestre da época aumentou em dois milhões de toneladas (Revista Globo Rural. Mar/2014). Os portos da Crimeia também são um fator econômico importante, uma vez que também eram responsáveis por uma parte do escoamento da produção agrícola - de acordo com o próprio governo Ucraniano, 7% dos produtos eram escoados por estes portos (Revista Globo Rural. Mar/2014). Além disso, a importação de gás natural russo também era feita por lá após um acordo firmado em 2010 entre os países onde, em troca da instalação de uma base militar em Sebastopol, o governo russo cedeu 40 milhões de dólares em gás natural para a Ucrânia. Portanto, pode-se concluir que a capacidade de escoação dos portos da região é considerável. Mas é provável que o ponto mais relevante e que despertou o interesse russo tenha sido a localização geográfica da região. A península é uma saída importante para o Mar Negro, sendo o único porto de águas quentes acessível para a Rússia. Controlar essa saída, além de significar controle sobre os fluxos comerciais da região, também significa ter uma rota estratégica importante para o ocidente que também pode ser usada para fins militares. No fim, é possível considerar o movimento de tomada da Crimeia por parte do governo russo como imperialista.
Identidade ucraniana e movimento separatista
Com o fim da União Soviética em 1991, Ucrânia e Rússia se tornaram países independentes. De acordo com Mikhail A. Molchanov em Political Culture and National Identity in Russian-Ukrainian Relations (2002), 11.35 milhões de russos viviam na Ucrânia e 4.33 milhões de ucranianos viviam na Rússia na época da dissolução do bloco comunista. Por ser um país recém formado por grupos culturalmente diversos, havia uma certa insegurança principalmente por parte da elite política: haviam tentativas de tomada de territórios por parte da Rússia e Romênia, além da possibilidade de Polônia, Hungria e Eslováquia reivindicarem partes do território ucraniano que tinham pertencido a esses países antes da Segunda Guerra Mundial. Além da ameaça externa, havia também o problema interno não só por parte das agora minorias étnicas como os russos, mas também por parte dos próprios ucranianos, que não sabiam se continuavam as tradições cultivadas por tanto tempo na União Soviética ou se rompiam completamente com a tradição e se abriam para o mundo capitalista ocidental. Por conta dessas dúvidas, duas visões nasceram: de um lado, haviam os admiradores da cultura eslávica e que defendiam a construção de alianças com os países vizinhos – estes estavam localizados nas regiões leste e sul do país (sul onde hoje é a Crimeia); já do outro lado havia uma visão oposta à Rússia e qualquer coisa que lembrasse os russos, defendendo uma ideia mais nacionalista e de construção de uma identidade nacional ucraniana – esse segundo grupo estava localizado no norte do país, particularmente na região da capital Kiev. Lutando com essas duas visões que pairavam no Parlamento, o governo ucraniano decidiu manter a Rússia por perto enquanto, ao mesmo tempo, tentou trabalhar políticas para a construção de uma identidade nacional própria. Com o passar do tempo, o nacionalismo ucraniano cresceu para se tornar, de acordo com Molchanov, um totalitarismo em seus próprios moldes, mantendo uma espécie de “russofobia” com os vizinhos enquanto ainda tinham relações comerciais importantes com eles. Essa “russofobia” se refletiu também nos ucranianos russofônicos (60% da população), que eram dados a opção de se chamarem de “vítimas da russificação” e, caso optassem por qualquer tipo de tentativa de validação do idioma russo no país, eram rechaçados. As campanhas anti-Rússia feitas pela mídia, cujas quais o governo ucraniano não interferiu, também contribuíram para o isolamento dos descendentes russos. As ações do lado do russo também não ajudaram em sua imagem com o governo ucraniano: haviam constantes tentativas de interferência nos assuntos internos da Ucrânia, assim como reivindicações de partes de território, o que incluía a região da Crimeia. Essas ações reforçavam essa “russofobia” por parte do governo ucraniano, o que também se refletia em mais políticas anti-Rússia. Por esses motivos e por não serem considerados ucranianos legítimos, ideais separatistas apareceriam em pouco tempo entre a parte da população que descendiam dos russos. Dado a oportunidade devido à instabilidade política e a construção de um cenário historicamente pró-Rússia na região da Crimeia, a tomada (ou retomada, de acordo com os russos) do território foi um resultado que pode ser considerado, no mínimo, esperado.
Conflito nos dias atuais e reações internacionais
Com o território da Crimeia já anexado há 7 anos, o embate entre os governos russo e ucraniano não parece próximo de ser resolvido. No início de maio de 2021, o presidente russo Vladmir Putin voltou a afirmar que a Ucrânia está se tornando um país “anti-Rússia” e que seu governo está pronto para agir caso a segurança do país seja ameaçada (G1. Mai/2021). A fala do presidente foi motivada pela prisão de Viktor Medvedchuk, político ucraniano pró-Rússia que foi preso acusado de traição. De acordo com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, ações foram tomadas para combater a tentativa de sufocação da liberdade ucraniana. Com conflitos no leste da Ucrânia feitos de formas não-declaradas, as tensões entre os países voltaram a aumentar quando a Ucrânia acusou a Rússia de manter 100 mil soldados nas fronteiras, não respeitando o acordo de cessar-fogo feito entre os dois países por pressão dos países ocidentais, em particular dos Estados Unidos (CNN Brasil. Mai/2021), que vem tomando uma maior posição de interesse no conflito desde a posse do presidente Joe Biden. O Secretário de Estado, Antony Blinken, esteve na Ucrânia também em maio para uma reunião com o presidente do país. Blinken afirmou que os Estados Unidos estão dispostos a ajudar a Ucrânia na manutenção de sua democracia e soberania. O Secretário também apelou para que o país fizesse reformas anticorrupção, com o intuito de fortalecer suas instituições políticas (Isto É Dinheiro. Mai/2021). Enxergando a Rússia como um possível adversário na soberania mundial e identificando suas pretensões imperialistas, é provável que o interesse dos Estados Unidos se resuma a conter o crescimento territorial russo, de preferência sem recorrer a meios extremos. Mais do que ser uma ameaça ao oeste asiático e leste europeu, Putin representa uma ameaça aos Estados Unidos, como podemos ver no telefonema feito pela Casa Branca: após chamar Putin de assassino, Biden recorreu a palavras para tentar encontrar uma solução junto ao Kremlin, onde sugeriu um encontro entre os dois líderes nos próximos meses (BBC News. Abr/2021). Já na Europa, o clima é de insegurança: apesar de tentar manter um equilíbrio entre os dois lados, a União Europeia já é acusada de favorecer o lado ucraniano – o representante permanente da Rússia na UE, Vladimir Chizov, disse que a organização continua apoiando a Ucrânia quando deveria trabalhar de forma igual para com seus parceiros (Sputinik. Mai/2021). É válido ressaltar que, assim como a Rússia enxerga o território ucraniano como estratégico para eventuais empreitadas militares, a UE trabalha no mesmo sentido e por isso se encontra em uma posição delicada, entrando em rota de colisão com o governo russo. Portanto, é possível concluir que o impasse é muito maior do que Ucrânia e Rússia e inclui todas as potências ocidentais – o que também explica o desejo de resolver o problema diplomaticamente, já que o potencial de escalada de conflito também é grande.
Conclusão
Apesar de relativamente recente, o conflito entre Rússia e Ucrânia data do final da União Soviética e é resultado da insistência russa em interferir nos assuntos internos ucranianos, e também das atitudes anti-Rússia por parte do governo ucraniano, assim como de uma parte de sua população. População essa que, no fim, é a que mais vem sofrendo com as investidas russas nas fronteiras: recentemente, a Caritas Europa, organização composta por 49 agências humanitárias católicas europeias, fez um apelo aos governos para que garantam acesso sem obstáculos das ajudas humanitárias que tentam chegar nas regiões dos embates (Donetsk e Luhansk) entre os dois exércitos após as violações do acordo de cessar-fogo (Vatican News. Mai/2021). A preocupação aumentou devido a pandemia do Covid-19, uma vez que as pessoas nos entornos das cidades atacadas deixam de ter acesso a higienização e possibilidade de distanciamento social, além dos diversos problemas causados pelo conflito, como falta de comida e água, e pessoas feridas. Os idosos são a parte da população mais afetada, já que os jovens escolheram deixar a região de conflitos por medo de uma escalada e deixaram os mais velhos para trás. No fim, apesar de esperada, a resolução do conflito não parece perto de acontecer: as pretensões imperialistas russas (existentes desde antes da Primeira Guerra Mundial) se mostram difíceis de serem dissuadidas, principalmente pelos países do Ocidente. Os Estados Unidos e a União Europeia se preocupam primeiro em manter suas soberanias sobre o mundo moderno e também não parecem estar dispostos a trabalhar concessões com a Rússia. Com o envolvimento dos países ocidentais, é possível que os próximos passos desse conflito possam ditar o rumo do mundo contemporâneo.
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