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A Crise de Refugiados Latino-Americano na Fronteira México-Estados Unidos





Resumo


A onda de refugiados vindos da América do Sul e Central em direção ao México vêm crescendo em números exorbitantes nos últimos anos. Porém, a maioria destes indivíduos não está completamente interessada em se estabelecer em território mexicano, mas sim nos Estados Unidos. Em vista disso, a crise na fronteira entre estes dois países tornou-se um problema a ser resolvido tanto domesticamente em ambos os territórios, quanto a nível internacional.


Palavras-Chave: Refugiados. México. Estados Unidos. Fronteira.


Abstract


The wave of refugees from South and Central America towards Mexico has been growing in exorbitant numbers in recent years. However, most of these individuals are not fully interested in settling in Mexican territory, but in the United States. As a result, the crisis on the border between these two countries has become a problem both domestically in both territories and internationally.


Key-Words: Refugees. Mexico. United States. Frontier.



INTRODUÇÃO


A circulação de imagens ligadas à ocorrência de violências na fronteira entre o México e os Estados Unidos – como a de agentes da Patrulha de Fronteira atacando refugiados com chicotes enquanto estavam montados a cavalos, bem como a de uma criança sendo abandonada por um “atravessador de imigrantes” no lado estadunidense do muro – tem causado turbulências nas últimas semanas. Esses eventos colocam em pauta a grave situação sofrida pelos refugiados, em sua maioria latino-americanos, na fronteira México-EUA. Várias dinâmicas existentes atualmente na América Latina vêm contribuindo para o aumento de buscas por refúgio, como: a violência, pobreza e efeitos das mudanças climáticas sofridas por hondurenhos, salvadorenhos, guatemaltecos e haitianos; as crises sanitárias, econômicas, políticas e humanitárias que impactam diretamente venezuelanos e cubanos em seus respectivos territórios; entre outras.

Dessa forma, o presente artigo irá abordar a conceitualização do termo “refugiado” e o motivo pelo qual se deve distinguir este sujeito de um migrante. Além disso, este texto apresentará as principais ondas de refúgio ocorridas no território mexicano e as conjunturas internas dos países americanos que mais exportam refugiados. Por fim, haverá uma análise das políticas domésticas de refúgio do México e dos Estados Unidos, observando seus principais mecanismos de proteção (ou desproteção) aos refugiados latino-americanos.


CONCEITOS: MIGRANTE E REFUGIADO


Antes de apresentar a situação dos refugiados latino-americanos na fronteira entre o México e os EUA, faz-se necessário explicitar o conceito de refúgio, além da diferença existente entre um refugiado e um migrante. Isso porque, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a utilização das nomenclaturas de maneira correta facilita o tratamento adequado às diferentes situações que um indivíduo está vivenciando. Dessa forma, o migrante é um indivíduo que espontaneamente decide se deslocar de seu país de origem e/ou residência, com o intuito principalmente de buscar melhores condições de vida nos mais diversos âmbitos, como educação e trabalho. Assim, nenhum migrante é forçado a se transferir por conta de ameaças de perseguição ou morte. Vale também ressaltar que cada país lida com migrantes à sua maneira, pois, todos os Estados possuem legislações específicas e particulares sobre migração. Por essa razão, se tais pessoas estiverem em situação irregular dentro do território para o qual migraram, elas podem ser deportadas e nenhum mecanismo internacional pode contestar esta decisão (EDWARDS, 2015).

No tocante ao refugiado, os dois principais instrumentos internacionais que atualmente regulam o instituto do refúgio são a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951) e o Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967) (JUBILUT, 2007). Assim, a partir destes dois mecanismos, o status de refugiado é conferido a qualquer pessoa que sofre perseguição em seu país de nacionalidade e/ou residência por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, e por isso, não pode, ou não quer, permanecer sob a proteção deste país (Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, 1951).

Nesse sentido, esses instrumentos esclarecem que quando os direitos mencionados acima não são respeitados, a comunidade internacional como um todo se torna responsável por oferecer a assistência humanitária necessária a esses indivíduos. Além disso, há o estabelecimento de princípios básicos, como a obrigatoriedade de atender solicitações de refúgio e a não devolução de refugiados aos seus países de origem, bem como de padrões mínimos de proteção que devem ser assegurados pelos Estados. Porém, na prática, a efetivação desta proteção se dá na legislação interna de cada país, que pode tanto prover o mínimo estabelecido, quanto aprimorar sua legislatura de refúgio para além do necessário (JUBILUT, 2007).

Por fim, é importante ressaltar que, com o decorrer do tempo, algumas mudanças e atualizações estão sendo feitas nos instrumentos de refúgio em vista do surgimento de novas necessidades e dificuldades. Um claro exemplo disso é a criação de novas categorias de refugiados, como o refugiado climático, decorrente dos desastres das mudanças climáticas que vêm ocorrendo nos últimos anos.



HISTÓRICO E CONJUNTURAS INTERNAS


A partir da compreensão do conceito de refugiado e dos princípios que estão presentes nos instrumentos internacionais de refúgio, pode-se entender melhor sobre o tema central deste artigo. Inicialmente, é importante ressaltar que a situação crítica encontrada atualmente na fronteira entre o México e os Estados Unidos, é uma onda tanto de imigração quanto de refugiados. No entanto, nesse artigo iremos focar especificamente na crise de refúgio, já que os números dessa emergência estão mais alarmantes a cada ano.

O México possui um extenso histórico de recepção de refugiados ao longo do século XX, vivenciando ao todo cinco grandes ondas de refúgio em seu território, sendo a quinta iniciada em 2018 e presente até os dias de hoje, com a migração de cidadãos provenientes da América do Sul e Central (CRISTERNA, 2021). De acordo com os últimos relatórios da Comisión Mexicana de Ayuda a Refugiados (COMAR), o número aproximado de refugiados presentes no México, acumulando desde 2013, é de 63.290. Somando-se às pessoas que recebem proteção complementar e os que ainda não são reconhecidos como refugiados, a quantidade aumenta para 96.123. Os cinco países que mais exportam estes refugiados são: Honduras, El Salvador, Venezuela, Cuba e Haiti. No entanto, quando se analisa os dados relativos às solicitações de refúgio durante os últimos oito anos, os números crescem em nível exorbitante: desde 2013, houve um total de 261.630 pedidos de refúgio no México, sendo 90.314 apenas no ano de 2021 – até o mês de setembro (COMAR, 2021).

De maneira geral, agrupam-se as principais causas que estão levando os cidadãos latino-americanos a procurarem refúgio em outros países, atualmente, em quatro eixos: os desastres ambientais causados pelas mudanças climáticas cada vez mais intensas; a violência interna existente nos países, que pode ser provocada tanto por organizações criminosas quanto pelos próprios governos através de repressão política; os fortes problemas socioeconômicos intensificados pela pandemia de Covid-19, que dentre as maiores consequências acarretam a elevação da pobreza; e a crise sanitária ocasionada pela pandemia (International Rescue Committee, 2021).

Assim, com relação a Honduras, o forte desemprego e o impacto da pobreza na população vem motivando a criação de caravanas de migrantes e refugiados hondurenhos em direção ao México. Além disso, as grandes ondas de violência também contribuem para que mais pessoas saiam do país. Acerca de El Salvador, a violência cometida por organizações criminosas, em especial pela Mara Salvatrucha, é um fator de peso para que os cidadãos salvadorenhos busquem refúgio no México. Para mais, o atual presidente do país Nayib Bukele comanda de maneira ditatorial o território salvadorenho, com o apoio da maioria absoluta do Congresso. A nascente administração autoritária de Bukele, que se autointitula como “ditador mais cool”, abre margem para que o processo, já intenso, de saída forçada do país pela população se intensifique (REGIME DITATORIAL NASCENTE… 2021).

No tocante a Venezuela, o país possui o segundo maior índice de deslocados e refugiados em todo o mundo, ficando atrás apenas da Síria, segundo dados do ACNUR (2015). Assim, a crise política vivenciada no país há anos, por razão do governo autoritário de Nicolás Maduro, impacta diretamente na intensificação dos problemas econômicos enfrentados no território, causando pobreza e extrema insegurança aos venezuelanos. A falta de serviços e itens básicos no país, como remédios e alimentos, torna este um dos piores casos dentre os vários aqui apresentados. Já no que se refere a Cuba, a forte crise econômica gerada principalmente por anos de bloqueio econômico estadunidense e as consequências dele na sociedade cubana, vem provocando a saída forçada de milhares de cidadãos do país, em especial no período da pandemia. Para mais, o número de cubanos que estão fugindo do território por conta de perseguições políticas feitas pelo governo vem aumentando a cada ano.

Por fim, no que diz respeito ao Haiti, a ocorrência de dois terremotos e um ciclone em agosto deste ano no território, provocou uma crise enorme no país, unindo-se aos diversos outros problemas enfrentados pelos haitianos. Os graves problemas políticos que perduram há décadas, inclusive a crise que resultou no assassinato do ex-presidente Jovenel Moïse em julho, as altas taxas de violência ocasionada por disputas entre organizações criminosas e as dificuldades de combate a pandemia, são todos fatores que influenciam diretamente na saída dos haitianos do país.



POLÍTICAS DOMÉSTICAS DE REFÚGIO


A partir da compreensão das conjunturas internas dos principais países que exportam refugiados em direção ao México para ao fim se deslocarem aos Estados Unidos, é importante também entender as políticas de refúgio adotadas pelos dois países, bem como a forma que estes Estados lidam domesticamente com os refugiados. Por razão de, historicamente, o México ser um local que recebe muitos refugiados, sua política de refúgio é constantemente atualizada para se adaptar – ou ao menos tentar se adaptar – aos problemas característicos advindos de cada onda de refugiados. Nesse sentido, a crise existente atualmente no país possui transtornos em dobro, já que ao norte do México existe um intenso fluxo de saída em direção aos EUA e ao sul do território mexicano há um acentuado fluxo de chegada vindo da América do Sul e Central.

Assim, de acordo com Sandra Patricia Quijas Cristerna (2021), a administração federal mexicana no quesito refúgio é muito mais “declaratória do que proativa”, no sentido de que as políticas de Estado possuem diversas contradições, em especial quando lidam com refugiados e migrantes vindos em caravanas (apud Torre y Yee, 2019 & Gandini, 2018). Além disso, Cristerna (2021) reafirma a existência deste contraste quando são abordadas questões de segurança humana e nacional, pois, o Plan Nacional de Desarrollo (PND) do atual presidente López Obrador faz menção tanto ao princípio de que o governo mexicano irá proteger os direitos destes refugiados, oferecendo-os hospitalidade e possibilidades de construírem uma nova vida no México, quanto ao princípio de criação de uma Guarda Nacional para atuar em regiões violentas no país, mas que na prática, foi responsável por conter a entrada de milhares de migrantes e solicitantes de refúgio no território.

Para mais, um dos mecanismos mexicanos mais benquistos pela comunidade internacional, inclusive pelo próprio ACNUR, é a Ley sobre Refugiados, Protección Complementaria y Asilo Político (LRPCAP), que estabelece procedimentos técnicos para reconhecer o status de refugiado no país. No entanto, diversas críticas podem ser feitas a esta legislação, como o prazo extremamente curto para que os indivíduos sujeitos à proteção internacional solicitem refúgio, a limitação imposta a essas pessoas quando querem se deslocar dentro do território mexicano, as entrevistas que julgam de forma discricionária se determinados sujeitos se enquadram ou não no status de refugiado, entre outras (CRISTERNA, 2021).

Já com relação aos Estados Unidos, nesse contexto de crise na fronteira, o país modificou vários itens nas políticas domésticas de refúgio em decorrência de mudanças ideológicas advindas do novo governo. Em função disso, teoricamente as duas políticas são vistas como sendo divergentes, em especial no quesito político, porém, na prática pode-se questionar se realmente há diferenças substanciais.

Assim, a política de refúgio do governo Donald Trump era pautada em apenas um dos dois princípios: a espera ou a recusa. Segundo dados do Departamento de Segurança Interna estadunidense, entre os anos de 2016 – o último ano da administração de Barack Obama – e 2018, houve uma diminuição de aproximadamente 75% do número de admissões de refugiados nos EUA. Na prática, isso representou uma queda de 84.988 permissões de entrada ao país para somente 22.405 (COMO TRUMP CONSEGUIU… 2021). No tocante à fronteira com o México, houve a criação de mecanismos que deliberadamente impediram a entrada de indivíduos estrangeiros através da fronteira e os expulsaram do país, como o Migrant Protection Protocols (MPP), popularmente conhecido como “Fique no México!”, e o Title 42. Para mais, as diversas violações de direitos humanos cometidos contra os refugiados que cruzaram a fronteira – como a separação de pais e filhos, colocando estes últimos em gaiolas nos centros de detenção – mostram que o governo Trump não só desprezou e ignorou completamente estas pessoas, como também cometeu crimes humanitários contra elas.

Já a política de refúgio da administração de Joe Biden possui um viés bastante diferente da anterior, ao menos em discurso. O atual governo encerrou o Migrant Protection Protocols (MPP), e promete pouco a pouco reverter a política de “tolerância zero” de Trump para com migrantes e refugiados. No entanto, o governo estadunidense pede que países como o Brasil aumente o rigor para conceder vistos humanitários aos refugiados e permanece utilizando o Title 42, que durante o estado de pandemia impede a entrada de estrangeiros migrantes e refugiados por via terrestre e as devolvem à fronteira caso estes indivíduos consigam entrar no país.

CONCLUSÃO


Logo, entende-se que a atual crise de refugiados presente na fronteira entre o México e os Estados Unidos não possui um encerramento a curto prazo. Baseando-se nos dados da COMAR (2021), a cada ano o número de refugiados e solicitantes de refúgio cresce no México, os quais buscam chegar aos Estados Unidos. No entanto, as políticas domésticas de ambos os países, em especial dos EUA, não possibilita que estes indivíduos necessitados de assistência tenham oportunidades dignas de sobrevivência. Ao contrário, em diversas ocasiões é perceptível a rejeição deliberada aos refugiados e a ocorrência de práticas institucionalizadas de violência contra eles, mesmo que os organismos e instrumentos internacionais voltados à proteção de refugiados exijam, por parte dos Estados, princípios mínimos de amparo a esta população.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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CRISE MIGRATÓRIA NOS… (2021). Crise migratória nos EUA motiva discussões sobre América Latina. Estadão, São Paulo, 01 out. 2021. Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/blogs/estadao-na-escola/2021/10/01/crise-migratoria-nos-eua-motiva-discussoes-sobre-america-latina/. Acesso em: 28 set. 2021.


CRISTERNA, Sandra. Contradicción en la política de refugio mexicana: entre la seguridad nacional y la seguridad humana de los refugiados. Nexos, 20 jan. 2021. Disponível em: https://migracion.nexos.com.mx/2021/01/contradiccion-en-la-politica-de-refugio-mexicana-entre-la-seguridad-nacional-y-la-seguridad-humana-de-los-refugiados/. Acesso em: 28 out. 2021.


EDWARDS, Adrian. Refugiado ou Migrante? O ACNUR incentiva a usar o termo correto. ACNUR, Genebra, 01 out. 2015. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2015/10/01/refugiado-ou-migrante-o-acnur-incentiva-a-usar-o-termo-correto/. Acesso em: 28 out. 2021.


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REGIME DITATORIAL NASCENTE… (2021). Regime ditatorial nascente em El Salvador é aliado aceitável para Bolsonaro. Folha de S. Paulo, São Paulo, 03 out. 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mathias-alencastro/2021/10/regime-ditatorial-nascente-em-el-salvador-e-aliado-aceitavel-para-bolsonaro.shtml Acesso em: 28 out. 2021.

JUBILUT, Liliana. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro. São Paulo: Método, 2007.



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