A Nova Zelândia e os Atentados de Christchurch: Um Caso de Islamofobia
- Larissa Tenório dos Santos e Paulo Gabriel Silva Santos
- 12 de jul. de 2021
- 9 min de leitura

Thain, V.2019
Introdução
A xenofobia tem sido um assunto em destaque no século XXI dada a sua recorrência e o seu crescimento exponencial a nível global, fenômeno que pode ser associado à ascensão de governos de extrema-direita, que compactuam com as crenças discriminatórias e viabilizam práticas de ódio contra minorias.
Na última década, a islamofobia, que é entendida como o preconceito contra a cultura muçulmana, foi fomentada em diversas regiões, particularmente na Europa, devido ao alto índice de imigração de refugiados oriundos do Oriente Médio. Para uma abordagem em escala local, o presente artigo aborda os atentados de Christchurch, que ocorreram na Nova Zelândia em março 2019 e foram considerados um alerta para o crescimento global da xenofobia.
Apesar da perseguição de segregações estar associada a governos de extrema-direita, a Nova Zelândia não se categoriza neste perfil. Desde 2017, quando Jacinda Ardern assumiu seu primeiro mandato como Primeira-ministra, a política do país se voltou para pautas modernas e inclusivas, de modo que o ataque à mesquita Al Noor e ao Centro Islâmico Linwood foi relacionado ao crescimento global do movimento de extrema-direita fundamentalista que vinha se proliferando desde 2015, não necessariamente ao governo neozelandês.
O artigo elucida os eventos por trás do atentado que provocou 51 mortes e feriu 40 pessoas, destacando a relação do atirador, Brenton Tarrant, com o extremismo fundamentalista e a islamofobia. Em conjuntura, pretende-se analisar a postura do governo neozelandês perante o caso e as políticas que foram implementadas para prevenir a incidência de futuros atentados na região.
Xenofobia e Islamofobia
A xenofobia é um problema social de extrema relevância, seja no contexto interno dos países ou no próprio cenário internacional, em especial no que tange aos povos de culturas que diferem do convencional padrão ocidental em termos de religião, costumes, características físicas, idioma, dentre outros aspectos que constroem a identidade de um povo, cultura ou mesmo indivíduo.
Esse tipo de preconceito não é algo que surgiu na modernidade, no entanto, na atualidade é possível observar um crescimento da xenofobia ao redor do globo, movimento que é impulsionado pela facilidade com que se pode difundir ideias na internet, seja via redes sociais ou através de fóruns menos sujeitos a censura na chamada deep web, assim, fica cada vez mais difícil para órgãos reguladores monitorar e combater a difusão dessas ideias xenofóbicas que podem ser a centelha com potencial para desencadear ataques e agressões contra determinados povos.
Outro fato relevante que influencia no crescimento e difusão dessas ideias pode ser personificado em pessoas públicas, em geral, candidatos a cargos públicos que justificam a existência de problemas complexos da sociedade como o desemprego, serviços públicos ineficientes, colapso de sistemas de saúde, dentre outros problemas sociais, que não necessariamente estão relacionados, à presença de imigrantes no país. Ao embasar seus discursos em declarações xenofóbicas sem apresentar dados que sustentem essas premissas, o intuito dessas figuras, nesse contexto específico, é ascender ao poder e mantê-lo a todo custo, o que acaba por desabonar a imagem de imigrantes presentes em seus países. Exemplos recentes de líderes políticos que ascenderam ao poder utilizando esse tipo de ideia distorcida são: Donald trump (EUA); Natanyahu (Israel); Órban (Hungria); Marine Le Pen (França) e Jair Bolsonaro (Brasil), candidatos que se caracterizam por forte viés ideológico.
Tratando mais especificamente da “Islamofobia”, existem três correntes críticas maiores, ou seja, que são mais comumente aceitas ou abordadas, além de outros segmentos, que fazem questionamentos quanto ao uso desse termo, trazidas por Lorente (2012, p. 170), sendo que as maiores são de razão racial, étnica e religiosa. Sobre essas 3 principais, Santos 2016 diz o seguinte:
A crítica racial coloca que a islamofobia seria um tipo de racismo proveniente em primeiro lugar das elites intelectuais, e destas foi se difundindo. Esse “novo racismo” é baseado no medo ao Islã [...] A crítica religiosa se resume em dois pontos principais. O primeiro diz respeito à apropriação por alguns muçulmanos do uso do termo “islamofobia” para tentar impedir qualquer crítica vinda de fora sobre a religião muçulmana, seria uma espécie de proteção para que ela não pudesse ser questionada. No segundo, propõe-se que associar a islamofobia ao medo, ódio ou preconceito ao Islã em sua forma religiosa é um erro, pois considera-se que os preconceitos racial, étnico e cultural, são muito maiores e mais notáveis que o religioso. A crítica étnica está relacionada também com a religião, mas no que concerne à formação de um grupo étnico. [...] (SANTOS, 2016)
Além disso, destaca-se que os muçulmanos, em especial, são vítimas de um tipo específico de preconceito além dos habituais que imigrantes de outras regiões ou religiões comumente sofrem, pois é comum que sejam associados com ações terroristas por conta de suas vestes e características físicas.
Os Atentados de Christchurch
Em 2019, a Nova Zelândia foi eleita pelo Global Peace Index como o segundo país mais seguro do mundo, devido ao seu baixo índice de violência armada e raros casos de extremismo. Entretanto, a partir de 2015, houve um aumento das taxas de governos eleitos com viés de extrema direita fundamentalistas no cenário internacional acompanhado da ascensão de diversos líderes políticos que se apropriaram do ódio contra determinado grupo como estopim eleitoral e manutenção de poder, como por exemplo, Donald Trump, eleito Presidente dos Estados Unidos, Netanyahu, eleito Primeiro-ministro de Israel, Orbán, eleito Primeiro-ministro da Hungria, Marine Le Pen, eleita como Deputada na França e Jair Bolsonaro, eleito Presidente do Brasil (MIGRAMUNDO, 2019).
A legitimação do preconceito através da política em escala global resultou na propagação da ideologia, mesmo em países cujo governo não compactuavam diretamente com a discriminação, como foi o caso da Nova Zelândia.
Os ataques de Christchurch aconteceram no dia 15 de março de 2019 e foram conduzidos por uma única pessoa, o atirador Brenton Tarrant. Segundo o inquérito policial, Tarrant se dirigiu à mesquita de Al Noor por volta das 13:40 da tarde, horário local, onde abriu fogo contra os fiéis que se reuniram para realizar a oração do meio-dia, segundo a cultura muçulmana. Os primeiros 17 minutos do ataque, incluindo a ida até o local e a fuga, foram transmitidos através de uma live no facebook filmada pelo próprio atirador que estava com uma câmera acoplada ao seu capacete.
Durante a live o atirador, que estava portando armas semiautomáticas, transmitiu músicas como “The British Grenadiers” (uma marcha militar britânica) e “Remove Kebab” (música anti-islâmica que faz alusão a uma “limpeza étnica muçulmana”) abrindo fogo indiscriminadamente e chegando a disparar diversas vezes contra uma mesma vítima. A polícia ressaltou que Tarrant estava equipado com diversos modelos de armas e luzes estroboscópicas acopladas para desorientar as vítimas com o disparo de flashes múltiplos.
Depois de realizar o primeiro ataque, o atirador se dirigiu ao Centro Islâmico Linwood, onde disparou contra os fiéis que estavam no local, cerca de 100 pessoas, até que um deles tivesse a chance de reagir e impedir os disparos quando Tarrant precisou trocar de arma. Às 13:59 da tarde, menos de 1 hora após o início do atentado, o atirador foi detido pela polícia, deixando 40 vítimas feridas e 51 pessoas mortas nos locais por onde passou.
A polícia apreendeu 6 armas, 7 mil cartuchos e 4 contêiners de gasolina no carro de Tarrant, deduzindo que o atirador pretendia continuar o ataque em outros locais e incendiar o Centro Islâmico, caso não fosse impedido a tempo.
Brenton Tarrant tinha 28 anos na data do crime, nasceu na Austrália e vivia na Nova Zelândia desde 2017, onde se filiou a um grupo de rifles e acumulou um arsenal de armamentos adquiridos, majoritariamente, através do site “Gun City”. As autoridades neozelandesas divulgaram que o criminoso entrou em contato com líderes fundamentalistas de extrema direita dois anos antes dos ataques e doou cerca de 1.500 euros para o Movimento Identitário Austríaco e 2.200 euros para o ramo francês do movimento.
Tarrant era fanático pela causa anti-islâmica, suas contas nas redes sociais eram repletas de discursos de ódio e, antes dos atentados, o mesmo publicou um manifesto de 74 páginas, intitulado “The Great Replacement” (A Grande Substituição), expressando ideais anti-imigrantes, discursos sobre a supremacia branca e símbolos neonazistas.
Medidas de Combate a Islamofobia na Nova Zelândia
Após o atentado que causou a morte de 50 pessoas nas duas mesquitas em Christchurch, o governo da Primeira-Ministra Jacinda Ardern tomou providências para tentar evitar que algo similar voltasse a acontecer, em especial no que tange a compra de armas, pois, como se sabe, o terrorista que atacou as mesquitas não teve grandes dificuldades em obter tal armamento.
Dentre as medidas voltadas ao desarmamento, em resposta ao atentado, o governo proibiu a venda de fuzis de assalto e armamentos semiautomáticos; os carregadores de grande capacidade e dos dispositivos que permitem realizar disparos mais rápidos, o que, na prática, representou a proibição de todas as armas que foram utilizadas pelo terrorista no atentado. Não se limitando a isso, considerando que o autor dos ataques é australiano e aparentemente não teve dificuldades em planejar todo o ataque sem ser percebido pelas autoridades, um inquérito foi aberto para apurar como os serviços de segurança não perceberam sua movimentação (EL PAÍS, 2019).
Além das medidas de desarmamento, o governo neozelandês também implementou um hijab desenvolvido pela própria Polícia em parceria com pesquisadores de design de roupas e professores da Escola de Design da Massey University em Wellington, como parte do uniforme de sua Polícia. (NEW ZEALAND POLICE, 2021). A policial Ali, nascida em Fiji e que decidiu se juntar a polícia após os ataques terroristas em Christchurch, foi a primeira recruta a solicitá-lo como parte de seu uniforme, ela afirma que além de estar satisfeita em sair e mostrar seu hijab, acredita que mais mulheres muçulmanas podem vir a querer se juntar a força (BBC NEWS, 2020).
Tanto as ações voltadas ao desarmamento quanto a ação relacionada ao uso do hijab demonstram que o governo neozelandês possuí um interesse genuíno em combater a xenofobia de forma estrutural, pois atitudes similares não são vistas frequentemente mesmo em países que passam por atentados similares.
Conclusão
Ao abordar os atentados de Christchurch o presente artigo buscou ressaltar o impacto da expansão do movimento de extrema direita e a ascensão de líderes políticos que compactuam com a causa no cenário internacional. Afinal, com o exemplo da Nova Zelândia, percebe-se que no mesmo ano que o país foi nomeado o segundo país mais seguro do mundo (2019) ocorreu o pior atentado a tiros da sua história. Evento atribuído ao aumento da xenofobia mundial e não especificamente ao governo neozelandês, que se caracteriza como moderno e inclusivo.
Compreende-se que o crescimento do ódio contra minorias legitimado por governos na última década contribui para a generalização do problema, como pode se observar em casos de atentados terroristas realizados por cidadãos cívis que obtiveram contato com Movimentos de extrema-direita responsáveis por propagar ideais violentos e viabilizar ações criminosas. É sabido que o acesso a grupos radicais ocorre principalmente pela internet, fator que contribui para a adesão dos jovens às ideologias fascistas e à disseminação do terror (MADE FOR MINDS, 2015).
De maneira geral, a islamofobia que se intensificou de 2015 em diante, principalmente na Europa, mostrou seus efeitos até em Estados onde a discriminação e o discurso de ódio são repudiados pelos líderes políticos, pois não basta que o Governo se abstenha de práticas xenofóbicas, demanda-se que haja políticas de combate ao preconceito e proteção das minorias vitimizadas. No caso da Nova Zelândia, após constatar que o atirador que conduziu os atentados adquiriu grande parte dos seus armamentos em um site neozelandês (Gun City), Jacinda Ardern promoveu políticas restritivas que proibiam a venda de armas de assalto semiautomáticas.
Além disso, o combate a violência direta não foi o único método adotado para conter a xenofobia na região, em 2020, o Governo neozelandês introduziu um projeto de implementação de hijab no uniforme policial que vinha sendo elaborado desde 2018, no intuito de incentivar mais mulheres muçulmanas a ingressarem na New Zealand Police. A iniciativa se destaca como um símbolo de representatividade islâmica e incentivo para a população não-islâmica alinhar-se com um modelo de acolhimento, que repudia a discriminação.
Referências Bibliográficas
BBC NEWS. New Zealand Police introduce hijab to uniform. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-asia-54983393. Acesso em: 12 jun. 2021.
CRIMES REAIS. Atentados de Christchurch. Disponível em: https://crimesreais.com/2020/09/18/atentados-de-christchurch/. Acesso em: 12 jun. 2021.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Países muçulmanos pedem "medidas concretas" contra a islamofobia. Disponível em: https://www.dn.pt/lusa/paises-muculmanos-pedem-medidas-concretas-contra-a-islamofobia--10711964.html. Acesso em: 12 jun. 2021.
EL PAÍS. Nova Zelândia proíbe venda de armas de assalto e semiautomáticas depois do atentado de Christchurch. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/21/internacional/1553134709_306129.html. Acesso em: 12 jun. 2021.
LORENTE, Javier Rosón. Discrepancias em torno al uso del término islamofobia. In: GROSFOGUEL, Ramón e MUÑOZ, Gema Martín (Eds.). La islamofobia a debate: La genealogia del miedo al islam y la construcción de los discursos antiislámicos. 1ª edição. Madrid: Casa Árabe-IEAM. 2012. pp. 167-189.
MADE FOR MINDS. Redes sociais como ferramenta do terrorismo. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/redes-sociais-como-ferramenta-do-terrorismo/a-18536734. Acesso em: 12 jun. 2021.
MIGRAMUNDO. Atentado na Nova Zelândia é novo alerta para crescimento global da xenofobia. Disponível em: https://migramundo.com/atentado-na-nova-zelandia-e-novo-alerta-para-crescimento-global-da-xenofobia/. Acesso em: 12 jun. 2021.
SANTOS, Priscila Silva dos. O Estudo da Islamofobia através dos meios de comunicação. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 14, n.1, p. 79-90,10 de nov. 2016. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 10 de nov. 2016.
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