Os Reflexos da Atualidade nos Mistérios que permeiam a Colonização da Polinésia
- Larissa Tenório
- 6 de set. de 2021
- 5 min de leitura

A Kon-Tiki em 1947. tahiti-infos
Resumo
O presente artigo aborda a teoria de Thor Heyerdahl sobre as ilhas do Pacífico que poderiam ter sido colonizadas a partir da América do Sul, antes da chegada dos europeus na Oceania, elucidando estudos contemporâneos que contribuem para a validação científica da tese e proporcionam uma quebra de paradigma na perspectiva histórica das grandes navegações.
Introdução
Assuntos como a colonização europeia costumam ser abordados pela perspectiva histórica, no entanto, os avanços tecnológicos proporcionados pela ciência nos últimos anos foram cruciais para comprovar uma teoria que vinha sendo debatida desde a década de 40: a formação dos povos polinésios.
Sabe-se que as embarcações europeias alcançaram o continente oceânico no século XVI, porém algumas características dos povos polinésios chamaram a atenção dos colonizadores e fomentaram teorias que buscavam justificar elementos que iam contra o senso-comum da época.
O fato de que povos de diferentes ilhas do Pacífico falavam o mesmo idioma, com variações de dialetos e de que a fisionomia deles possuíam traços étnicos semelhantes ao padrão europeu, como a pele branca, foram alguns dos elementos iniciais que chocaram os colonizadores e instigaram investigações que buscassem respostas para a situação.
Buscando elucidar os mistérios da formação do povo polinésio, o presente artigo aborda a teoria de Thor Heyerdahl, um ousado zoólogo norueguês, responsável por elaborar e realizar experimentos práticos capazes de comprovar que os povos sul-americanos tiveram contato com os polinésios muito antes dos europeus.
O artigo investiga as peculiaridades das ilhas do Pacífico que despertaram a curiosidade dos intelectuais e o raciocínio dos teóricos da época que usaram recursos limitados para comprovar suas abordagens heterodoxas, além de apontar como as análises genéticas propiciadas pelo século XXI foram cruciais na validação acadêmica desse marco histórico.
Os Mistérios da Colonização
O encontro da Oceania por parte dos europeus foi uma surpresa em diversos aspectos. O primeiro deles foi a perspectiva de que além do continente americano, que já era visto como um "Novo Mundo", havia também um "Novíssimo Mundo", separado dos demais por incontáveis quilômetros de distância, além de contar com um conjunto de ilhas que também eram distantes umas das outras.
Durante o século 20, o zoólogo Thor Heyerdahl se destacou entre os exploradores que ficaram intrigados com a Polinésia. O teórico vivia em Fatu Hiva, no Pacífico, com a sua esposa Liv, estudando zoologia e povos primitivos. O insight do teórico surgiu diante da perspectiva de que na direção Leste de onde se situava estava o litoral sul-americano e havia investigações apontando semelhanças entre hábitos dos povos dos mares do sul, evidenciando que até então não havia um acordo quanto a origem dos ilhéus do Pacífico (ESTADÃO, 2020).
Heyerdahl baseou seu argumento na possibilidade de as ilhas terem sido colonizadas a partir da América do Sul, especificamente pelos Incas ou seus ancestrais. O norueguês notou que, por diversas ilhas do Pacífico, havia representações colossais de Tiki (Deus cultuado pelos polinésios), muito semelhantes com os monólitos que eram relíquias de civilizações extintas da América do Sul.
Outra especulação era a respeito da linguagem, pois para Heyerdahl não fazia sentido que os polinésios vivessem dispersos sobre uma área do mar quatro vezes maior do que a Europa sem produzir línguas diferentes em cada ilha, a não ser que os povos primitivos mantivessem uma conexão marítima entre eles que possibilitasse a troca de dialetos.
“Há milhares de milhas, do Havaí ao norte à Nova Zelândia no Sul, de Samoa no Oeste à ilha de Páscoa no Leste, todas estas tribos isoladas falam dialetos de uma língua comum a que demos o nome de polinésio. E todos tinham o culto dos antepassados; veneravam seus chefes mortos a partir da época de Tiki, sendo este tido como o filho do Sol.” (ESTADAO, 2020)
O zoólogo realizou algumas pesquisas quanto à cultura do Peru, especificamente sobre a mitologia e a linguagem, onde descobriu mais uma semelhança. Thor Heyerdahl descobriu que "Virakocha" (Deus Sol da cultura Inca) era cultuado no Peru sob o nome Kon-Tiki ou Illa-Tiki e relacionou o mesmo com Tiki, Deus cultuado pelo povo Polinésio.
Na década de 40, quando os recursos tecnológicos eram escassos, as teses precisavam ser comprovadas através de evidências e estudos comparativos, portanto, Heyerdahl decidiu que para validar sua teoria iria navegar em uma jangada da América do Sul para a Polinésia. O norueguês estudou a construção naval da época, ventos e correntes e reuniu 6 companheiros para ajudá-lo a construir uma jangada de pau-balsa, com cordas de cânhamo e uma vela (ESTADÃO, 2020).
Heyerdahl e seus companheiros partiram do Peru e chegaram ao Taiti em 101 dias, proporcionando uma prova náutica de que era possível que ancestrais sul-americanos navegassem para as ilhas do Pacífico e as colonizassem. No entanto, controvérsias persistiram e alguns estudiosos invalidaram a navegação do zoólogo argumentando que o feito comprovava unicamente sua aptidão como marinheiro (GALILEU, 2020).
Os reflexos da atualidade na teoria de Thor Heyerdahl
Enquanto o passado assolava os exploradores com os recursos limitados para comprovarem suas teses, o presente propicia uma vertente científica capaz de preencher as lacunas históricas que a anos são estudadas.
Alguns anos atrás historiadores descobriram que em algumas partes da Oceania, incluindo a Polinésia, havia o cultivo de batata-doce muito antes da chegada dos europeus na região. O fato é inusitado porque a batata-doce é originalmente domesticada nas Américas do Sul e Central. Foi constatado também uma semelhança de linguagem em ambas as regiões quanto a nomenclatura dos legumes (ESTADÃO, 2020).
Essa descoberta levou os historiadores e arqueólogos a concluírem que a chegada da batata-doce na Polinésia era fruto de uma mistura dos dois povos e novas pesquisas foram propostas com o intuito de reconstruir as raízes ancestrais que formaram as Ilhas do Pacífico.
Em julho de 2020, a Revista Nature publicou os resultados de um estudo liderado pela Universidade de Stanford (EUA), que encontrou evidências científicas do contato entre os antigos polinésios e os nativos latino-americanos, na região da Colômbia, por volta de 1200 (GALILEU, 2020).
A pesquisa se baseou em uma análise genética de, em média, 800 habitantes da região da costa do México até o Chile e de 17 ilhas situadas na Polinésia Francesa. Os resultados revelaram a ancestralidade comum entre os dois povos. Através de segmentos hereditários de DNA, os cientistas puderam rastrear assinaturas genéticas de pessoas que viveram há séculos atrás (GALILEU, 2020).
Apesar das novas evidências, os estudos continuam e a tese de Heyerdahl não foi reconhecida pela totalidade dos acadêmicos envolvidos na temática, pois é levantada a hipótese de que os Polinésios é quem navegaram até a América do Sul e fizeram contato com os povos ancestrais, levando em seguida os elementos culturais decorrentes do encontro para suas terras.
Conclusão
Conclui-se que a investigação por parte dos exploradores no século 20 foi fundamental para fomentar os estudos que se estendem até os dias de hoje em busca de comprovações científicas que possam preencher as lacunas históricas por trás da formação de um povo cuja origem permanece sendo um mistério, os polinésios.
Além disso, a temática por trás da colonização da polinésia é um fator de relevância internacional, pois proporciona uma reviravolta na perspectiva histórica que a comunidade global entende como sustento da realidade. Afinal, se os povos primitivos polinésios e/ou sul-americanos possuíam meios navais que possibilitaram a longa travessia marítima entre o continente Americano e a Oceania, esse fato desmistifica o senso-comum de que os europeus eram a civilização mais avançada do período histórico em questão e invalidaria o argumento que foi propagado durante o período da colonização, defendendo que o povo europeu tinha o dever de doutrinar os povos nativos devido a sua superioridade civilizatória.
Referências Bibliográficas
ESTADAO. Colonização da Polinésia: DNA prova tese de Thor Heyerdahl. Disponível em: https://marsemfim.com.br/colonizacao-da-polinesia-dna-prova-tese-de-thor-heyerdahlt/. Acesso em: 30 ago. 2021.
ESTADAO. Polinésios e grandes navegações.. Disponível em: https://marsemfim.com.br/os-polinesios-e-grandes-navegacoes/. Acesso em: 30 ago. 2021.
GALILEU. Polinésios tiveram contato com povos sul-americanos antes dos europeus. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Historia/noticia/2020/07/polinesios-tiveram-contato-com-povos-sul-americanos-antes-dos-europeus.html. Acesso em: 30 ago. 2021.
VEJA. Um norueguês contra a história. Disponível em: https://veja.abril.com.br/ciencia/um-noruegues-contra-a-historia/. Acesso em: 30 ago. 2021.
WORLD HISTORY ENCYCLOPEDIA. Polynesian Navigation & Settlement of the Pacific. Disponível em: https://www.worldhistory.org/article/1586/polynesian-navigation--settlement-of-the-pacific/. Acesso em: 30 ago. 2021.
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