Moana: Relação com a Mitologia da Polinésia e a Teoria Verde das RI
- Larissa Tenório dos Santos e Paulo Gabriel Silva Santos
- 9 de ago. de 2021
- 8 min de leitura

Resumo
O presente artigo analisa o filme “Moana: Um mar de aventuras”, ressaltando sua relação cultural com a Mitologia da Polinésia, marcada por divindades que representam a Natureza e a energia da vida. Contextualiza-se o enredo do filme com a Teoria Verde das Relações Internacionais e a crítica quanto a relação dos seres humanos com a natureza, devido a atual crise socioambiental que assola o planeta.
Introdução
Quando se fala em Oceania, não é incomum associar a imagem deste continente apenas a seus maiores países, Austrália e Nova Zelândia, que possuem sua imagem difusa de forma ampla no Cenário Internacional e participação mais ativa em Organizações Internacionais ao redor do mundo. No entanto, a Oceania consiste em muito mais do que seus maiores países, pois o continente é formado por uma quantidade significativa de outras ilhas que são divididas em 3 grupos: Melanésia, Micronésia e Polinésia (Australia Centre, 2019).
Em especial, a Polinésia da Oceania engloba todas as ilhas que permeiam o triângulo polinésio, inclusive a Nova Zelândia em seus vértices, e possui quatro Estado independentes, sendo estes o Kiribati, Samoa, Tonga e Tuvalu, somados a outros 15 locais pertencentes a outros países, estes: Havaí, Samoa Americana, Baker, Howland, Jarvis, Johnston, Palmyra, Wallis e Futuna, Polinésia Francesa, Cook, Tokelau, Niue, Chatham, Pitcairn e Ilha de Páscoa (Australia Centre, 2019).
Apesar de não estarem entre os grandes players internacionais em termos políticos e de governança global, a região da polinésia possui uma cultura riquíssima e sua mitologia está intimamente ligada à natureza e sua preservação, com destaque especial para sua conexão com o mar, visto que se trata de uma região repleta de ilhas (Super Interessante, 2018).
Tal relação de proximidade do povo polinésio com a natureza e sua preservação, mostra que o apreço pelo equilíbrio da vida e do meio ambiente não é em sua totalidade um assunto contemporâneo, evidentemente dadas as suas devidas proporções e contexto histórico, algumas culturas já se mostravam engajadas em um contexto “sustentável” ou algo semelhante a isso, muito antes do assunto se tornar um tema relevante para a política dos Estados e para as Relações Internacionais (RI).
Nesse contexto, uma das formas pelas quais o tema ambiental se manifesta nas RI se dá através da Teoria Verde, que trata da relação entre o ambiente das coisas materiais em contraponto ao ambiente sociopolítico construído. Tendo isso em vista, é possível fazer uma correlação entre a Teoria Verde das RI e a mitologia polinésia, traçando paralelos também com sua representação difusa através do filme Moana - Um Mar de Aventuras (2016) dos Walt Disney Animation Studios, que embora tenha sofrido algumas críticas com relação a certas representações culturais, tentou se ater a aspectos importantes da cultura polinésia.
Moana e o Resgate à Mitologia da Polinésia
A Polinésia da Oceania é uma região composta por 19 territórios, conhecida por ser um vasto triângulo que se estende por todo o oceano pacífico. O local é famoso pelas suas características antropológicas e pela peculiaridade de sua origem, da qual pouco se tem registros históricos antes das grandes navegações.
Em 2016, a Disney destacou a região em questão ao lançar o filme “Moana: Um mar de aventuras”, cujo enredo se baseia profundamente na cultura das ilhas do Pacífico. A animação apresenta uma jovem de 16 anos, nativa da região polinésia que, acompanhada por Maui – figura lendária da mitologia local –, embarca em uma aventura buscando pelo coração de Te Fiti.
Buscando contextualizar o enredo, o filme recobra diversos elementos antropológicos ao referenciar as grandes navegações que caracterizaram os povos da região, os deuses que a cultura local cultua como seus ancestrais e até mesmo as tatuagens Maori, apresentadas por meio de Maui, que simbolizam histórias de vida.
Moana trouxe visibilidade para uma mitologia rica em diversidade. Caracterizada essencialmente pela analogia com elementos da Natureza, principalmente o Mar – afinal, a região é formada por ilhas e ilhotas – as lendas se baseiam em divindades que seriam seus ancestrais e em um poder sobrenatural chamado “mana”, que se encontra em pessoas, objetos naturais e lugares, atuando como uma espécie de energia sagrada.
Os antigos polinésios acreditavam no “abraço da criação”, ou seja, que os deuses supremos, Rangi, o “pai-céu” e Papa, a “mãe-terra” criaram o Mundo juntos unidos em um abraço e do espaço entre seus corpos surgiram todas as formas de Vida que conhecemos, além dos outros deuses. Esses aspectos foram abordados em Moana através de sincretismo, já que a Disney é um estúdio de animação ocidental, o que gerou críticas entre os povos do Pacífico.
Antes mesmo da estreia do filme, quando imagens do personagem Maui foram divulgadas, as críticas começaram a ser publicadas, acusando o estúdio americano de Saque Cultural e desrespeito através da exploração comercial de uma representação racista, devido ao lançamento de fantasias de Halloween que estereotipam a imagem do Deus polinésio, Maui. Além disso, a reprodução de tatuagens que são conhecidas por contarem uma história pessoal também foram vistas como um insulto dada a intimidade por trás do costume polinésio.
A Comissão de Direitos Humanos da Nova Zelândia se manifestou em meio à polêmica através do site de informações Stuff, declarando: “Esperamos que a Disney compreenda as opiniões das comunidades e dos povos que caracteriza no filme”. Pouco tempo depois, a Disney suspendeu a venda das fantasias e se desculpou. "A equipe de 'Moana' tomou muito cuidado na hora de respeitar as culturas das ilhas do Pacífico nas quais o filme se inspira e lamentamos que a fantasia de Maui tenha sido ofensiva. [...] Apresentamos nossas sinceras desculpas e retiramos a fantasia de nossas lojas", declarou a empresa.
Teoria Verde das RI e seus Paralelos com o Filme Moana e a Cultura Polinésia
Os problemas relacionados ao meio ambiente acabam sempre por permear o cenário internacional. Visto que os danos ambientais eventualmente causados por um Estado na América do Norte também pode afetar um Estado na Ásia ou em qualquer outro continente se faz necessário que os agentes do sistema internacional busquem soluções para os problemas estruturais dessa temática em conjunto. No entanto, apenas em 1972 os problemas ambientais passaram a receber um pouco mais de atenção por parte das entidades políticas mundiais, com a Publicação do Relatório de Roma, chamado de The limits to growth (Os limites para o crescimento), assim como, a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano nesse mesmo ano.
A evolução da relevância da pauta ambiental nas RI, que tradicionalmente concentrava seus esforços em assuntos de segurança internacional, mais relacionados a questões de guerra e paz, se deu no mesmo período no qual a pauta socioambiental tomou maior proporção, década de 1970, no entanto a sofisticação da lida com o tema através da criação de regimes internacionais e mais debates no que tange a temática, se deu nas décadas seguintes, 1980 e 1990 (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016).
Nesse contexto, a partir da década de 1990 a Teoria Verde das RI passa a ganhar força e surge com princípios bem definidos, estes: Ecocentrismo; Limites do crescimento como causa ambiental e Descentralização. Considerando a lacuna referente a questões ambientais que havia no estudo das RI e o desenvolvimento da teoria verde, Sant’Anna e Moreira (2016) argumentam o seguinte:
“[...]Trata-se de uma literatura crítica que vem questionando as premissas básicas, as unidades de estudo e estrutura de análise, bem como valores implícitos que constituem a disciplina das RI. Assim como outros discursos críticos, como o feminismo que demonstrou a cegueira das RI para as questões de gênero, e que se desenvolveram em outras áreas, a ecopolítica baseada no pensamento ecológico radical expõe a cegueira ambiental das teorias de RI (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016).”
No que se refere ao filme Moana, é possível traçar diversos paralelos entre a produção e a teoria verde, assim como, a cultura polinésia em si , pois segundo John Musker, um dos diretores do filme, parte da equipe viajou para ilhas como Fiji, Samoa e Tahiti, dentre outros lugares, justamente para emergir na cultura local de forma profunda (Capricho, 2016).
Quando observamos os pilares da Teoria Verde das RI e analisamos a história geral do filme, que em grande parte consiste em devolver um artefato de grande valor que fora roubado e poderia eventualmente gerar crescimento ou trazer riqueza a um pequeno grupo ou um indivíduo, com consequências ambientais que poderiam afetar toda uma comunidade ou o mundo, é possível traçar o paralelo de forma clara.
Quando exploramos indevidamente um recurso natural finito, o meio ambiente passa a apresentar sintomas de exaustão, o que pode ser observado no filme na falta de peixes em determinados locais e contaminação de frutos nativos das ilhas, fazendo referência aos efeitos da poluição e desequilíbrio gerado em áreas que são indevida e descontroladamente exploradas em benefício do “desenvolvimento” ou avanço industrial, sem levar em conta os possíveis danos estruturais ao equilíbrio ambiental que podem ser irreversíveis no médio e longo prazo, o que justifica a necessidade de moderar a exploração de recursos finitos.
Na conclusão do filme, é possível traçar outro paralelo quando analisamos que, apesar de contrariada por parte de seu povo e família no debate referente ao que se deve fazer para sanar o problema, a protagonista embarca em uma jornada para devolver o artefato e ao fazê-lo, restaura o equilíbrio que havia sido corrompido. A analogia aqui pode ser considerada, quando analisamos o debate desenvolvimento vs meio ambiente, onde às vezes se faz necessário uma adaptação ou exclusão de certas atividades, que possam ser lucrativas no curto prazo, mas que trazem consequências severas ao meio ambiente e podem comprometer gerações futuras trazendo danos estruturais irreversíveis.
Conclusão
Em via de regra, a menção ocidental a culturas populares de outros povos deve ser o mais ética possível ao retratar princípios morais, hábitos, costumes, histórias, manifestações religiosas, entre outros. Isto porque, o etnocentrismo – hábito de julgar inferior uma cultura diferente da sua própria cultura – pode ocorrer de maneira inconsciente e gerar impactos sociais que lesem o povo representado.
Baseado nisto, pode se dizer que o resgate cultural da mitologia da polinésia através do filme “Moana: Um mar de aventuras”, foi essencial para popularizar entre o público ocidental uma visão antropológica rica em diversidade e ensinamentos, respeitando as manifestações críticas por parte dos povos do Pacífico.
Um exemplo dos benefícios dessa abordagem para a Comunidade Internacional é a correlação entre o enredo do filme e a Teoria Verde das Relações Internacionais, que visa justamente repensar a relação dos seres humanos com o Meio Ambiente e conscientizar a sociedade em relação a preservação dos recursos naturais que são finitos e estão se deteriorando.
Através da representação de divindades que simbolizam a Natureza e lendas que elucidam a importância do equilíbrio ambiental e a preservação de recursos que são providos naturalmente pelo planeta, o filme provoca reflexão ao ilustrar o respeito e a busca por harmonia entre homem e meio ambiente. Mensagem que já repercutia entre os povos polinésios há séculos e pôde ser compartilhada com o Ocidente num momento crucial de mudanças climáticas e aquecimento global enfrentado pela sociedade contemporânea.
Referências Bibliográficas
CIUFFO, Claudia. Moana é um mergulho de cabeça na cultura polinésia. Capricho, 24 nov. 2016. Disponível em: <https://capricho.abril.com.br/diversao/moana-e-um-mergulho-de-cabeca-na-cultura-polinesia/>. Acesso em: 31 jul. 2021.
MACHADO, Bruno. Como é a mitologia polinésia?. Super Interessante, 17 nov. 2016. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-e-a-mitologia-polinesia/>. Acesso em: 31 jul. 2021.
PRESSE, France. ‘Moana‘, da Disney, causa polêmica no Pacífico por retratar ser lendário. G1, 23 set. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2016/09/moana-da-disney-causa-polemica-no-pacifico-por-retratar-ser-lendario.html>. Acesso em: 31 jul. 2021.
SANT’ANNA, Fernanda; MOREIRA, Helena. Ecologia política e relações internacionais: os desafios da Ecopolítica Crítica Internacional. Universidade de Brasília. Instituto de Ciência Política, 1 ago. 2016. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/bFVys88GRk9wm9cfLPvxMmq/?lang=pt>. Acesso em: 31 jul. 2021.
SILVA, Daniel Mitologia da Polinésia e seu Panteão. Mitografias, 21 jul. 2016. Disponível em: <https://www.mitografias.com.br/2016/07/mitologia-polinesia-e-seu-panteao/>. Acesso em: 31 jul. 2021.
7 curiosidades incríveis da Polinésia da Oceania. Australian Centre, 10 out. 2019. Disponível em: https://australiancentre.com.br/blog/7-curiosidades-incriveis-da-polinesia-da-oceania/. Acesso em: 31 jul. 2021.
Comments