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A Onda Terrorista na África Subsaariana durante a Década de 2010


Images, Getty.



Resumo


A África Subsaariana tem vivido crescentes casos de ataques terroristas nesta última década. A causa primária destes acontecimentos é a mudança do epicentro de atentados terrorista do Oriente Médio em direção aos países africanos, principalmente os subsaarianos. Em função disso, diversos grupos extremistas estão ganhando cada vez mais espaço nesta área, em especial na região do Sahel.


Palavras-Chave: Terrorismo. África Subsaariana. Década de 2010.



Introdução


No último dia 10 de Julho, a cidade de Mogadishu – capital da Somália – sofreu um ataque terrorista em que houve a explosão de um carro-bomba, objetivando atingir um comboio policial em que estava presente um importante chefe da polícia. Segundo fontes oficiais do governo, o atentado matou nove pessoas e deixou, pelo menos, nove feridas. O ato ocorreu poucos dias após um outro ataque, sendo este a explosão de uma loja que matou aproximadamente dez pessoas. A autoria de ambos os atentados foi do grupo extremista Al-Shabaab, que ultimamente vem dominando este território.

Esse evento não foi um acontecimento isolado ou exclusivo do país. A Somália, assim como diversos Estados da África, são o mais novo epicentro de ataques terroristas no mundo. Diversos estudos apontam que a quantidade destes atentados no continente africano, em especial na região subsaariana, vem aumentando exponencialmente desde os anos 2010. Segundo dados do Institute for Economics and Peace (IEP), o número de atos terroristas em 18 países da África cresceu de 288, em 2007, para 1.577, em 2019.

Desse modo, neste artigo será observada essencialmente a autoria desses atentados, destacando a existência tanto dos movimentos extremistas jihadistas quanto dos grupos terroristas locais. Além disso, também serão analisados os fatores que contribuem para que estes ataques venham ocorrendo durante os últimos anos na região, assim como as tentativas regionais e globais de combate a estes extremistas.



Referencial Teórico


A fim de compreender o crescimento dessa onda de terrorismo nos países africanos, deve-se entender primeiramente o que se configura como um ataque terrorista. Baseando-se na resolução 49/60 da Assembleia Geral da ONU instituída em 1995, o terrorismo pode ser caracterizado como “Atos criminosos pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral (...)”. Tão logo é interessante notar que este conceito é bastante abrangente, o que representa a histórica dificuldade de definição deste fenômeno de maneira precisa pela comunidade internacional, fato este que ocorre pelo caráter subjetivo pelo qual o conceito é adotado pelos países (COLOMBO, 2016).

Assim, essa indefinição torna difícil a realização de ações concretas e efetivas que possam combater os atos terroristas, pois o que realmente acontece é uma manipulação da definição deste fenômeno para fins políticos e interesses próprios por parte dos governos. Dessa forma, se cada Estado tem uma ideia ou perspectiva distinta sobre estes ocorridos, obviamente haverá dificuldades em encontrar pontos convergentes de auxílio mútuo para o combate do terrorismo e, consequentemente, impedimentos em solucionar este problema a nível global.

A partir disso, entender a intensificação deste fenômeno no continente africano é extremamente importante para que possíveis soluções possam ser tomadas a fim de cessar, ou ao menos diminuir, o número de atividades terroristas que vêm ocorrendo na África e no mundo. Baseado nisso, de acordo com o Global Terrorism Index 2020 (GTI), as guerras continuam sendo o principal fator motivador de ataques terroristas, sendo que em 2019 mais de 96% das mortes por terrorismo aconteceram em territórios em que existiam conflitos em andamento. Assim, o índice esclarece que sete dos dez países com o maior aumento de atividades terroristas estão localizados na África Subsaariana, sendo eles: Burkina Faso, Moçambique, República Democrática do Congo, Mali, Níger, Camarões e Etiópia.

Os três principais grupos extremistas responsáveis por estes ataques, além de serem os maiores causadores de mortes por terrorismo na região, são: o Boko Haram, que age principalmente na região norte da Nigéria; o Estado Islâmico (ISIS), que vem ganhando espaço em diversos países através de seus afiliados, como o Estado Islâmico no Grande Saara (ISGS); e a Al-Shabaab, que age essencialmente no sul da Somália. Além destes, também existem o Jamaat Nusrat al-Islam wal Muslimin, autor de ataques no Mali e em Burkina Faso, assim como o Ansar al-Sunna e o Estado Islâmico na África Central (ISCAP), os quais operam primordialmente em Moçambique.

De modo geral, esses grupos não possuem um caráter popular, ou seja, há certa rejeição por parte das populações locais a esses movimentos, o que acaba dificultando uma possível união ou coalizão desses grupos (GONZÁLEZ, 2020). Para mais, a maioria deles não utilizavam táticas terroristas no início de suas formações, mas sim faziam exigências sobre mudanças políticas, econômicas e sociais em suas comunidades aos governos locais (GONZÁLEZ, 2020). Dessa forma, a adoção de métodos terroristas só foi instituída tempos depois, quando apenas exigir não era suficiente para que houvesse mudanças. Além disso, é importante ressaltar que estes grupos terroristas não estão relacionados exclusivamente aos movimentos islamitas extremistas, como normalmente é destacado pelos governos e mídias ocidentais, mas também podem ser milícias e grupos insurgentes locais independentes (MROSZCZYK & ABRAHMS, 2021).

Dessa maneira, estes atentados vêm ocorrendo principalmente na região do Sahel, área que compreende os países localizados entre o Deserto do Saara e a savana. Isso porque, segundo estudos do Vision of Humanity, os grupos terroristas jihadistas perderam bastante espaço de atividade no Oriente Médio e na África Ocidental (MENA) durante os últimos anos, por razão da forte ação multilateral em combater estes movimentos extremistas em territórios como a Síria e o Iraque. Em vista disso, os extremistas se deslocaram principalmente em direção aos Estados subsaarianos, onde existem condições que contribuem significativamente para a expansão destes grupos radicais, como a deterioração política e socioeconômica dos países do Sahel.

Assim, a forte instabilidade política, as fronteiras porosas entre os países, os conflitos internos, os problemas econômicos que geram pobreza extrema, a má governança e o fraco controle dos Estados são alguns dos fatores que favorecem a ocorrência deste fenômeno na região (IDAEWOR, 2020 apud CHERGUI, 2019). Ademais, a expansão de grupos afiliados ao Al Qaeda e Estado Islâmico contribuiu para o fortalecimento da presença de grupos extremistas islâmicos na área, assim como o aumento considerável da influência de milícias e outros grupos terroristas no Sahel por meio da exploração de conflitos étnicos presentes nesses locais. Somado a isso, Galito (2013) revela que estes movimentos radicais na região podem estar atrelados a reivindicações políticas nacionalistas e separatistas, a um descontentamento ideológico, econômico ou cultural de determinados grupos sociais, ou até mesmo a interesses exploratórios e de controle de riquezas.

De todo modo, esta transferência de epicentro do terrorismo vem afetando intensamente países que dispunham de pouca ou praticamente nenhuma atividade terrorista no início da década de 2010, como Burkina Faso, Mali e Moçambique. Estes últimos citados em especial, pois Burkina Faso teve o maior aumento de atividades terroristas em seu território – por isso, a porcentagem de mortes no local vem subindo de 590% para 593% – e Moçambique, Congo e Mali possuem os maiores índices de mortes em ataques terroristas (GTI, 2020). Além disso, atualmente pode-se perceber de maneira clara como este fenômeno afeta a África Subsaariana, já que a região é a mais impactada economicamente por atividades terroristas no mundo: aproximadamente U$12.5 bilhões de dólares (GTI, 2020).

A partir disso, os movimentos globais de luta contra o terrorismo e “Guerra ao Terror” são constantemente apontados pelo Ocidente como uma “proteção” às áreas mais afetadas contra essas ações terroristas (IDAEWOR, 2020). Assim, existem diversas operações militares de combate ao terrorismo na região analisada, em especial lideradas pelos países ocidentais ricos que ainda possuem ligações coloniais-diplomáticas com os Estados subsaarianos, como a operação Barkhane comandada pela França, que foi recentemente anunciada sua conclusão para 2022. Ainda mais, várias medidas multilaterais e missões coordenadas pela ONU e pela União Africana (UA) também vêm sendo tomadas, como o projeto Preventing and Responding to Violent Extremism in Africa: A Development Approach, a Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali (MINUSMA) e a Força-Tarefa Conjunta Multinacional (MNJTF).

Todavia, esses supostos auxílios vindos principalmente de potências ocidentais não devem ser vistos plenamente como benévolos, pois na realidade estes governos não objetivam assistir as populações locais dos ataques extremistas, mas sim garantir seus próprios interesses políticos e estabilizar sua influência na região. Além disso, mesmo que estes grupos radicais tenham um caráter mais “inter-étnico” e que não tenham sido necessariamente financiados por governos locais ou Estados ocidentais (GONZÁLEZ, 2020), é bastante contraditório o fato dos países ricos discursarem contra atos terroristas e imporem tantos esforços a fim de combatê-los, sendo que em diversos momentos estes mesmos Estados financiaram grupos terroristas em outros locais do mundo, como no caso dos EUA e o Estado Islâmico.

Já a nível regional, o Grupo dos Cinco do Sahel (G5-Sahel) – formado em 2014 por Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger – tem como um de seus objetivos centrais a criação de políticas institucionais e multilaterais de combate a movimentos terroristas que atuam em seus territórios. Ainda mais, a coalizão procura agir a fim de recuperar áreas controladas pelos radicais, assim como aprimorar o monitoramento de suas fronteiras (SANTOS et al., 2018). Em vista disso, um dos principais projetos criados pelo grupo foi a Força Conjunta do G5 do Sahel (FC – G5S), um exército constituído de forças militares dos países-membros, responsável por colocar em prática ações antiterroristas e criando uma rede de informações sobre as atuações dos grupos extremistas entre os Estados participantes (SANTOS et al., 2018).



Conclusão


Apesar das diversas ações de combate ao terrorismo, as quais muitas delas foram mencionadas anteriormente, estes ataques terroristas continuam a acontecer fortemente, assim como os grupos radicais permanecem bastantes presentes em suas áreas de influência na África Subsaariana. Desse modo, as consequências destes atentados são as mais diversas e violentas possíveis. O número de mortes relacionadas ao terrorismo em 18 países do continente africano cresceu de maneira exorbitante: de 1,328, em 2007, para 5,522, em 2019 (GTI, 2020). Além disso, a quantidade de refugiados gerados pelos contínuos e agressivos atos terroristas é extremamente elevada, causando desequilíbrios sociais graves na região.

Ademais, é importante ressaltar aspectos analíticos importantes em relação aos motivos do crescimento desse fenômeno na África Subsaariana. Ainda que as condições deterioradas e frágeis da política, economia e sociedade subsaariana sejam sim fatores catalisadores da expansão destes grupos terroristas na região, não se pode exatamente responsabilizá-las por existirem e “causarem terrorismo”. A atual situação vulnerável e debilitada em que se encontram estes países é majoritariamente de responsabilidade dos países imperialistas e coloniais, que até poucas décadas atrás ocupavam e exploravam esses territórios de maneira violenta e cruel.

Portanto, é óbvio que não se deve defender nenhum destes movimentos extremistas, independentemente de sua origem ou objetivos a serem alcançados, já que eles causam destruição e mortes de inocentes por onde passam. Mas é inegável o caráter distinto, ao menos em seus processos iniciais de formação, com que grande parte destes grupos buscava seus interesses e faziam reivindicações. Além disso, não se deve esquecer que se hoje a África Subsaariana está “falida” e por esse motivo o epicentro dos atentados terroristas se moveu em direção a essa região, alguns dos principais responsáveis são as potências ocidentais imperialistas e ricas, que culpam única e somente os jihadistas por todos os males do mundo, incluindo o terrorismo.



Referências Bibliográficas


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IDAEWOR, Osiomheyalo O. O Domínio do Terrorismo: aspectos dos desafios sociopolíticos na áfrica ocidental pós-independência: Nigéria, Burkina Faso e Mali. Revista Brasileira de Estudos Africanos, Porto Alegre, 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbea/article/view/96189. Acesso em: 16 jul. 2021.


MROSZCZYK, Joseph; ABRAHMS, Max. Terrorism in Africa: Explaining the Rise of Extremist Violence Against Civilians. E-International Relations, 2021. Disponível em: https://www.e-ir.info/2021/04/09/terrorism-in-africa-explaining-the-rise-of-extremist-violence-against-civilians/. Acesso em: 16 jul. 2021.

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SANTOS, Jéssica Tauane dos. et al. O Conflituoso Cinturão do Sahel. Série Conflitos Internacionais do Observatório de Conflitos Internacionais, Marília, 2018. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/v.-5-n.-3-jun.-2018---o-conflituoso-cinturao-do-sahel.pdf. Acesso em: 16 jul. 2021.

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