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Afeganistão: A Guerra dos 20 anos


Combatentes do Talibã retomaram a capital Cabul e o controle do Afeganistão 20 anos após a invasão americana.| Foto: EFE/EPA/STRINGER


Resumo


Este artigo visa analisar o papel da Guerra Fria e da guerra ao terror, ambas protagonizadas pelos EUA, na atual crise afegã. Além disso, evidenciar as origens da crise política e social, juntamente com as razões pela qual os americanos fracassaram.



Introdução


O grupo Talibã, oriundo do Afeganistão e Paquistão, retornou recentemente ao poder no território afegão, após a saída dos EUA do país. A repercussão acerca das conquistas do grupo extremista foram grandes e preocupantes, porém, não se sabe ao certo quais as razões para a existência do mesmo, pelo menos para o grande público, assim como, quais serão os próximos passos.

Contudo, é possível dizer, que a formação do Talibã se deve a diversos fatores, como a falta de uma liderança política, as disputas da guerra fria, e o vácuo de poder que se instalou após a retirada da União Soviética. Com a ocupação americana no Afeganistão, devido a guerra ao terror, travada após o onze de setembro, o grupo radical é dispersado, e então os EUA, além de visar a captura de Bin Laden, passam a adotar medidas de reconstrução do país.

Apesar dos vinte anos de ocupação, com operações que objetivavam destruir ameaças terroristas, e posteriormente reerguer o Estado afegão, os americanos não tem êxito. Sendo assim, devido aos altos custos sem nenhum resultado efetivo, os EUA anunciam sua retirada progressiva que terminará em setembro de 2021, o que não impediu o Talibã de rapidamente controlar novamente o país.



O Talibã e a Guerra ao Terror


Nas últimas semanas o mundo viu de forma extremamente rápida e repentina, a volta do grupo extremista ao poder no Afeganistão, o Talibã, após pouco menos de uma semana da retirada definitiva de bases militares norte-americanas no país. A situação tornou-se alvo das notícias e preocupações da comunidade internacional, devido à característica de profunda violência, misoginia, e do fundamentalismo religioso. Isso apresenta uma situação de altíssima vulnerabilidade para a população como um todo, porém, especialmente para as mulheres, o cenário se torna ainda pior com a recorrente violação de Direitos Humanos básicos.

O encerramento das operações militares dos EUA no Afeganistão, representa o fim de uma era da política externa americana, que desde o início dos anos 2000 se pautou em intervenções em países do Oriente Médio. A guerra ao terror, promovida no governo Bush, teve amplo apoio popular, uma vez que, os ataques terroristas do onze de setembro abalaram a população americana profundamente, despertando assim o desejo pela retaliação e punição dos responsáveis pelos atentados mais conhecidos e repercutidos da história.

É justamente nesse contexto de instabilidade e sensação de insegurança jamais antes experimentada pelos EUA, pois até aquele momento, os americanos nunca tiveram seu território atacado, mesmo com as participações em diversos conflitos. Dessa forma, os atentados terroristas abre espaço para um declaração de guerra, não a um país ou grupo específico, mas a uma ideia de combater aqueles que propagam o terror, como no caso da Al-Qaeda. Com a autoria dos ataques assumida por Bin Laden, líder da organização terrorista, os EUA decidem então iniciar buscas para punir o principal responsável pela destruição das torres gêmeas em Nova Iorque.

Embora os EUA tivessem diretrizes claras em relação a promoção e implementação da guerra ao terror, era preciso saber o paradeiro de Bin Laden, que por sua vez, se encontrava escondido e protegido por outra organização extremista. O Talibã, até então esquecido pelos americanos desde a década de oitenta, retorna ao centro das atenções com os holofotes novamente virados para si. Mas agora numa perspectiva diferente, pois o Talibã é visto como aliado dos terroristas que amedrontou a população norte-americana. Sendo assim, não foi muito difícil conseguir apoio para a invasão militar no território afegão, já que o país abrigava o terrorista mais procurado pelo governo americano.

Apesar da intervenção militar ter o objetivo de encontrar Bin Laden, a morte do líder da Al-Qaeda só aconteceu onze anos depois do início das operações. No primeiro momento os EUA queriam desestabilizar o Talibã e retirá-los do poder, e claro, punir o responsável pelos ataques, mas após entrarem no Afeganistão, foi iniciado uma operação de rebuilding do Estado afegão. Ou seja, além dos pontos iniciais, os americanos passaram a se preocupar com a reconstrução do país que se encontrava numa situação delicada em meio a escombros e baixo nível de desenvolvimento humano.



Império Afegão: O Cemitério de Impérios


Após anos de ocupação e de operações para a dissolução do grupo extremista, o financiamento para as ações passou a ficar cada vez mais alto, principalmente nos últimos anos desde o governo Obama. Além dos custos humanos e orçamentário, os EUA, enfrentavam diversas dificuldades em relação ao combate dos integrantes do Talibã, que mesmo não sendo o governo oficial do país controlavam diversas áreas mais afastadas de Cabul, principalmente, as regiões interioranas. Junto a isso, o conhecimento do território e das estratégias de defesa dos afegãos eram superiores às táticas americanas, mesmo com ferramentas de alta tecnologia.

A dificuldade encontrada pelo EUA no Afeganistão, não é algo exclusivo dos americanos, pois em vários momento em que o território foi alvo de disputa o invasor foi mal sucedido. Não é por acaso que o antigo Império Afegão era conhecido como, o “cemitério de Impérios”, onde todos que tentaram dominar a região acabaram perdendo a guerra, como no caso do Império britânico e Império Russo, resultando na independência do país em 1919. Por fim, a União Soviética, vendo algumas movimentações no Oriente Médio, como a revolução iraniana, voltaram suas atenções ao Afeganistão que se encontrava num cenário de tensão e disputa política.

Após a ascensão de um governo democrático no Estado, o partido PDPA, encontrava-se em oposição ao governo de Daoud khan que tinha apoio da URSS mesmo que de maneira sútil. Depois da organização dos Mujahideen, guerrilheiros que atuavam no interior do país, os EUA passaram a apoiar financeiramente e belicamente para que o grupo enfrentasse a URSS, afastando assim a influência comunista da região. Diante disso, é visível o papel da Guerra Fria nesse contexto, mesmo que fora do território americano e soviético, a vitória dos EUA se concretizou quando as tropas da URSS se retiraram do Afeganistão.



A Proxy War e o Controle Talibã


Se antes a guerra se concentrava dentro do território dos oponentes, no período da disputa entre os EUA e URSS, o campo de batalha se dava de forma indireta. Isso significa, que os locais de guerra propriamente dita se concentrava nas regiões de influência dessas duas potências do sistema internacional, fazendo com que seus respectivos territórios permanecessem intactos. Um dos conceitos da geopolítica ajuda a explicar esse fenômeno, nesse caso, as chamadas proxy wars, que seria uma espécie de “terceirização” da guerra tem um papel fundamental na Guerra Fria, principalmente, nos conflitos do Afeganistão.

Com a saída derrotada da URSS que influenciava a região desde a época da monarquia, o vácuo de poder deixado pelos soviéticos, fez com que o grupo anteriormente financiado e apoiado pelos EUA ascendesse ao poder. Embora o grupo tenha se unido de primeiro momento, parte dele recebeu influência de outro grupo que pregava um fundamentalismo islâmico sunita oriundo do sul do Afeganistão. O embate dentro do próprio movimento fez com que houvesse uma separação entre os membros, divididos em Mujahideen e Talibãs que passaram a tomar e controlar diversas cidades resultando numa guerra civil.

Devido a sua característica teocrática, a aproximação com a Al-Qaeda era muito provável, considerando que, muitos dos valores e ideais defendidos pelos membros do grupo de Osama Bin Laden, são compartilhados no Talibã como a lei da Sharia. As interpretações do grupo é tão extremista e violenta, que somente três países reconheciam seu governo, o Paquistão, Arábia Saudita e os Emirados Árabes, mesmo com 90% do território afegão controlado pelo Talibã.

Mesmo com a atuação violenta que infringe Direitos Humanos diariamente, principalmente em relação às mulheres, que não possuem voz e são privadas de decidir sobre sua vestimenta, educação, e trabalho, não havia nenhum tipo de ação para combater os crimes e abusos do Talibã. Entretanto, o cenário muda, quando os EUA são atacados pela Al-Qaeda e promovem a guerra ao terror que inicialmente invadiu o Afeganistão controlado pelos Talibãs em busca de Bin Laden.



Conclusão


Os conflitos enfrentados atualmente no Afeganistão, tem suas raízes num contexto de bipolaridade do sistema internacional. Apesar da disputa ter se concentrado em duas superpotências, o modelo de guerra tradicional, o embate direto já não era mais viável, devido à destruição mútua assegurada. Isso quer dizer, que com o desenvolvimento das bombas atômicas, conflitos armados diretos se tornaram extremamente perigoso num grau muito mais elevado de destruição.

Com a alta tensão entre os EUA e a URSS, a maior preocupação da comunidade internacional, e até mesmo, de ambos os atores era travar um conflito direto. Porém, mesmo com o receio de mais uma guerra estourar, não houve embate direto, mas disputas e conflitos em territórios de interesses e dos seus aliados, como no caso do Afeganistão. Além disso, se hoje os olhos do mundo se voltam para o Talibã e seu extremismo, boa parte do seu poder armamentístico é de responsabilidade americana, que financiou e apoiou o grupo para vencer a URSS.

Após a desocupação soviética e a guerra civil que colocou no poder o Talibã, o grupo não possuía nenhum reconhecimento internacional devido a suas atrocidades, mas nunca houve nenhuma atuação externa para frear suas ações. Contudo, o cenário se modifica, quando os americanos invadem o país para encontrar seu primeiro e principal alvo contra a guerra ao terror, Bin Laden. Mesmo depois de capturado e morto, somente em 2011, os EUA passaram a atuar de forma a promover a dissolução do Talibã e a reconstrução do Afeganistão.

Mesmo depois de vinte anos os americanos e as forças aliadas que ajudaram na ocupação, não conseguiram reerguer o Estado afegão, e muito menos afastar o Talibã. A retirada das tropas americanas representa a grande derrota dos EUA desde a guerra do Vietnã, evidencia também, os novos rumos da política externa americana, que deixa em segundo plano intervenções custosas como essa. Enquanto Joe Biden colhe os frutos negativos da derrota, o povo afegão sofre nas mãos de fundamentalistas religiosos, que já possuem “apoio” de outros países como China e Rússia devido a região estratégica, ignorando os riscos e caos que a população enfrenta.



Referências Bibliográficas


ANÁLISE: Ocidente fechou os olhos para a realidade no Afeganistão. Deutsche Welle. Brasil, 2016. Disponível em< https://www.dw.com/pt-br/an%C3%A1lise-ocidente-fechou-os-olhos-para-a-realidade-no-afeganist%C3%A3o/a-58912537>

PROXY wars ou guerra por procuração. Diário das nações,2020. Disponível em< https://diariodasnacoes.wordpress.com/2020/01/15/dicionario-das-nacoes-proxy-wars-ou-guerras-por-procuracao/>

TALIBÃ, é fruto do vácuo de poder após anos de conflito no Afeganistão. G1 Portal de notícias da Globo. São Paulo, 2009. Disponível em< http://g1.globo.com/Sites/Especiais/Noticias/0,,MUL1233340-16107,00-TALIBA+E+FRUTO+DE+VACUO+DE+PODER+APOS+ANOS+DE+CONFLITO+NO+AFEGANISTAO.html>


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