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A Angola Contra a Igreja Universal do Reino de Deus



Nascimento, Gilberto. Governo da Angola oficializa afastamento de Brasileiros da Igreja Universal no país. 2020



Resumo

Desde 2019, podemos observar um movimento do governo angolano para a retirada de missionários da Igreja Universal do Reino de Deus do país, em virtude de denúncias realizadas por líderes religiosos locais, aos quais indicam que as ações da administração da igreja (comandada por brasileiros) ultrapassam irregularidades financeiras, já que promovem discriminação racial, xenofobia, corrupção ativa e passiva, e o pior, vasectomia forçada, atribuída para pastores angolanos que pretendem progredir na carreira.

A saída obrigatória desses bispos e pastores brasileiros da entidade com sede em Angola - realizada esse ano -, fez com que Edir Macedo (líder da Universal) se pronunciasse afirmando ser este, um movimento arbitrário do governo angolano. É importante destacar que esses conflitos entre religiosos, acabou por influenciar na relação entre a igreja e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, uma vez que nenhuma medida resolutiva eficiente foi proposta pelo governo brasileiro. Com efeito, é possível perceber certo estranhamento entre a igreja e a presidência, sinalizando a possibilidade de rompimento. Caso isso ocorra, não será difícil afirmar que veremos mudanças nas eleições presidenciais de 2022, dado que a base eleitoral de Bolsonaro é, em sua maioria, composta por evangélicos.


Igreja Universal e Governo angolano

O projeto de expansão mundial da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), regida por Edir Macedo, o também dono da emissora Record, começou a ser realizada no começo da década de 1980; assim, além de construir um império religioso no Brasil, o líder religioso conseguiu conquistar milhões de fiéis espalhados em mais de 180 países ao redor do mundo. Uma vez inserido fora do Brasil, os pastores designados para um dado país, será responsável pelo evangelismo, além da implantação do templo local. Na maior parte das vezes, esses líderes missionários são acompanhados de suas esposas e filhos, para que estes possam também ser responsáveis pelas atividades propostas. Logo, é natural que essas mulheres também ocupem posições de liderança na organização de obras sociais (ROSAS, 2016, p. 19).

No entanto, em Angola, desde 2019, podemos observar um movimento do governo para a retirada de missionários da IURD do país, fazendo com que tal problema acarrete certo estranhamento diplomático entre o Brasil e Angola. A saída obrigatória desses bispos e pastores brasileiros da entidade com sede em Angola, fez com que Macedo se pronunciasse afirmando ser este, um movimento arbitrário do governo angolano (BATISTA, 2020; NASCIMENTO 2021).

Diante desse cenário, a IURD recorreu ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na tentativa de reverter tal situação. Até o momento nada foi resolvido, mas em julho do ano passado, Bolsonaro enviou uma carta para João Lourenço, presidente de Angola, apresentando certa preocupação diante dos conflitos entre os religiosos no país, junto ao pedido de proteção dos brasileiros. É importante evidenciar que esse movimento de Bolsonaro faz referência ao enorme apoio que teve/tem da bancada evangélica, tanto durante o período de sua campanha, como do governo em si. No entanto, para que possamos entender melhor todo contexto que suplantou tais ações, se faz necessário realizar uma análise do país africano, frente suas relações com a Igreja Universal (BATISTA, 2020; NASCIMENTO 2021).

Desde 1987, todas as práticas e instituições religiosas existentes no território angolano, precisam ser reconhecidas pelo Estado para obter sua legitimidade jurídica, essa é a condição vigente para a atuação religiosa e é o que está prescrito na Constituição e na Lei 2/2004 sobre o Exercício da Liberdade de Consciência, Culto e Religião. Nesse contexto, dentre todas as atuações religiosas que passaram a ser legitimadas a partir da década de 1990, a que mais se destacou foi a Igreja Universal. Assim, apesar de chegar a Angola em 1991, com a guerra civil, o começo das atividades não foram fáceis, e isso refletiu no seu crescimento que ficou relativamente estagnado durante esse período. Mas esse não foi um empecilho para que nos anos seguintes a Igreja se destacasse. Parte disso se deve pela similaridade do idioma, já que a língua oficial do país também é o português, facilitando o acesso de pastores e bispos (ROSAS, 2016, p. 22).

Vale ressaltar que o destaque e popularidade da IURD em Angola, também está relacionado com o predomínio cristão no país; no último Censo foi demonstrado que 79,2% da população se considera cristã, seguido de pequenas porcentagens de mulçumanos e judaicos. Assim, em virtude da relação histórica do cristianismo ao colonialismo, não é de se espantar que esse índice de pessoas cristãs seja demasiado alto (SAMPAIO, 2020).

Logo, é possível notar na Angola - colonizada por Portugal a partir de fins do século XV, e independente apenas no ano de 1975 -, assim como em diversos outros territórios colonizados, a grande influência de Portugal sob a inserção de atividades religiosas no país, das quais permeiam até a atualidade. Digo isso pois, apesar de, inicialmente, o cristianismo ser introduzido pela elite vigente (detentores do poder), as práticas da lógica cristã, bem como a exclusão e apagamento das atividades religiosas preexistentes, construíram um saber e ser, aos quais acabam por influir na inserção e popularidade da IURD. Desse modo, o campo religioso angolano, vivência, progressivamente, a implantação de uma gama de igrejas pentecostais, igrejas de característica profética, mágica, anímica e igrejas africanas independentes – em sua maioria, de matriz cristã (SILVA; ROSA, 2017, p. 236).

Além disso, inserido nesse território estratégico, a IURD, que a princípio se fundamenta em Luanda (capital da Angola), pôde expandir por todo o continente africano, dado seu investimento na transmissão da Rede Record Internacional. Nesse sentido, junto aos elementos expostos acima, também podemos perceber o impacto da rede televisiva para a expansão da igreja, uma vez que em 2004, apenas em Angola, a IURD já havia alcançado 18 províncias, bem como a instituição de 124 templos por todo país, chegando em 2017, à marca de 217 templos. Com esses dados é possível perceber a dimensão dessa instituição religiosa em Angola, bem como sua influência na população. É nesse contexto, nesse conjunto de elementos, que podemos entender a expansão da IURD no território angolano (SAMPAIO, 2020).

Porém, para a IURD, o modo como se inseriu no país, está ligada à promoção de ações sociais por meio da Associação Beneficente Cristã (ABC), ao seu trabalho social enquanto entidade religiosa, afirmando ser este, um veículo de fomento em direção à mudança. Vale ressaltar que a ABC, apesar de ter atuado no Brasil, está fechada, em virtude de denúncias ao Ministério Público Federal em São Paulo (JUSBRASIL, 2010; ROSAS, 2016, p. 22).

A denúncia foi realizada contra dez pessoas que, por sua vez, foram acusadas de envolvimento com a Máfia de Sanguessugas. Fundada em 1994 no Brasil, a ABC, estava ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, e esta teria fraudulento a aquisição de sete unidades de móveis de saúde, elaborando, portanto, procedimento licitatório. Segundo o MPF (Ministério Público Federal), a ABC teria apresentado falsas informações para o Ministério da Saúde, promovendo o direcionamento das compras para as empresas ligadas à Máfia de Sanguessugas. Quatro ex-deputados federais da bancada evangélica – todos ligados à IURD – possibilitaram as emendas orçamentárias para as ações ilícitas que, ao todo, superam R$ 2,1 milhões de prejuízo aos cofres públicos. Em suma, com a Operação Sanguessuga, pudemos observar uma enorme movimentação de fraudes e licitações no Ministério da Saúde, colocando em pauta a funcionalidade da ABC, enquanto órgão de ações sociais (JUSBRASIL, 2010).

Diante desse cenário, mesmo fechada no Brasil, a ABC atua ativamente na Angola, organizando projetos como a Comunidade Vida feliz (atua distribuindo alimentos a pessoas necessitadas), a S.O.S Cunane (atua socorrendo vítimas de desastres naturais e catástrofes) e Ler e Escrever (atua na alfabetização da população local). Além disso, os voluntários da associação também atuam na destruição de folhetos informando sobre a prevenção contra AIDS, cólera e malária (ROSAS, 2016, p. 22).

A associação também apresenta um Centro Profissional Acadêmico com atividades profissionalizantes, como cursos de corte e costura, informática, pastelaria, panificação e decoração; os projetos são diversos. Isso porque, segundo os pastores locais, a Universal faz parte da sociedade, logo é natural que eles se sensibilizem com situações difíceis. Com isso, para que as atividades possam ser postas em prática, parcerias com os ministérios angolanos são realizadas, constantemente. Por exemplo, junto ao Ministério da Família e Promoção da Mulher, foram desenvolvidos projetos a fim de alertar as mulheres contra a violência doméstica, uma vez que as mulheres são predominantes nas Igrejas espalhadas pelo país. Portanto, é notória a movimentação da IURD para a promoção de parcerias com o governo angolano, com as instâncias do governo; para que assim, estes possam contribuir na elaboração de projetos de associações e organizações comunitárias (ROSAS, 2016, p. 22).

Apesar de não ficar claro o impacto dessas ações, observa-se que o vínculo entre igreja, setor público, missionários e voluntários, são fundamentais para que a IURD se insira na cultura angolana, legitimando sua inserção e se autopromovendo, enquanto organização religiosa preocupada com o bem-estar social. Para cada região, a Igreja Universal irá adaptar o discurso e prática, para que dessa forma, seja possível atrair o máximo de fiéis e, possivelmente, o máximo de dízimos [1]. A relação do dízimo e da IURD pode ser compreendida com o seguinte trecho (ROSAS, 2016, p. 22):

“Dízimos e ofertas não tratava-se de frutos da terra nem de dinheiro. Refletiam o caráter espiritual do dizimista e ofertante. Significavam e continuam significando honra, respeito e, sobretudo, a submissão à soberania do Senhor dos Exércitos. A desconsideração dos povos pagãos a esse respeito era até compreensiva, dada sua ignorância. Mas isso não era de forma alguma admissível ao povo que tinha tido experiências extraordinárias com Deus e o Seu poder”. (MACEDO, 2012)

Diversos relatos feitos pelo bispo Macedo, em relação ao dízimo, fazem referência à necessidade de se contribuir para igreja, para que os fiéis sejam bem-sucedidos, para que a honra e o caráter espiritual dos dizimistas seja resguardada, na Angola essa prática não é diferente. Nesse sentido, diante de toda discussão exposta acima, fica claro que as ações de ajuda são instrumentalizadas visando o enraizamento da igreja no país, auxiliando não só nos processos jurídico-institucionais, como também, para promoção de uma “boa imagem” da igreja na comunidade a qual está inserida. A Universal é, sobretudo, a exacerbação da nova fase do cristianismo global; nela, se encontra terreno fértil para afinidades culturais, pluralismo, liberdade religiosa etc., para que assim, a igreja possa se inserir em larga escala, em diversos países estratégicos (ROSAS, 2016, p. 24-25).

A partir desse cenário, podemos entender as consequências negativas ligadas com a expulsão de líderes religiosos da IURD de Angola, da direção administrativa brasileira. Esses conflitos entre religiosos, que crescem desde 2019, tem origem na discriminação de bispos e pastores brasileiros, com outros pastores angolanos, uma vez que apesar de ser realizado um trabalho intenso no país, não é dado tanta margem à ação dos líderes nativos. Os líderes angolanos indicam que as ações da administração da igreja (comandada por brasileiros) ultrapassam irregularidades financeiras, já que promovem discriminação racial, xenofobia, corrupção ativa e passiva, e o pior, vasectomia forçada, inferida para pastores angolanos que pretendem progredir na carreira. Os angolanos apontam que a principal figura de discriminação dos bispos e pastores, é Honorilton Gonçalves – representante de Edir Macedo em Angola (ROSAS, 2016, p. 22; SANTOS, 2020; SIBI, 2020).

Logo, em decorrência desses episódios, os angolanos assinaram uma petição e denunciaram tais práticas à Procuradoria Geral da República (PGR) que, por sua vez, instaurou um processo-crime. Com efeito, temos a retirada imediata dos líderes brasileiros de Angola. Esse movimento conferiu, sobretudo, a demonstração de que o governo angolano não agiria com neutralidade acerca de tratamentos desiguais, não agiria com descaso ao seu povo (SANTOS, 2020).

É importante evidenciar que com o processo de globalização iurdiana, estabelecida em Angola, principalmente pela ABC, a expulsão de brasileiros do país, pode significar a desconstrução da "boa imagem” da igreja, bem como a diminuição da arrecadação de dinheiro, oriundos dos dízimos. Assim, diante de tamanhas consequências, a comunidade evangélica do Brasil e Edir Macedo, tem condenado a ausência de um posicionamento do governo brasileiro, com isso, estão pressionando autoridades políticas para que o algo seja feito, sob ameaças de suspensão de apoio à Jair Bolsonaro (SILVA; ROSA, 2017, p. 238).



Considerações Finais

Isto posto, perante a falta de ações efetivas de Jair Bolsonaro, a IURD sinaliza romper com o político brasileiro, acabando com uma parceria que começou em 2018, com o apoio da Igreja nas eleições presidenciais. Esse movimento é demasiado importante para o cenário brasileiro, uma vez que a bancada evangélica é a principal base eleitoral de Bolsonaro. Com o rompimento, possivelmente, veremos mudanças nas eleições presidenciais de 2022. Ainda, o cenário da IURD na Angola se faz incerto, com a direção brasileira expulsa do país, os novos dirigentes irão promover uma reestruturação da direção de forma a colocar os líderes religiosos nativos na administração da igreja, algo que ainda não havia sido feito, apesar da sede ser em Angola.



Referências Bibliográficas


BATISTA, João Jr. A revolta contra Edir Macedo na África. Revista Veja, 26 jun. 2020. Seção Cultura. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/blog/veja-gente/a-revolta-contra-edir-macedo-na-africa/>. Acesso em: 18 mai. 2021.


JUSBRASIL. Entidade ligada à Igreja Universal é denunciada por fraudes em licitações de ambulâncias. 2010. Disponível em: <https://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/2364849/entidade-ligada-a-igreja-universal-e-denunciada-por-fraudes-em-licitacoes-de-ambulancias>. Acesso em: 20 mai. 2021.


MACEDO, Bispo. Dízimo e Dizimista. Universal, 28 ago. 2012. Disponível em: <https://www.universal.org/bispo-macedo/post/dizimo-e-dizimista/>. Acesso em: 21 mai. 2021.


NASCIMENTO, Gilberto. A disputa por trás da saída de bispos e pastores brasileiros da Universal em Angola. BBC News Brasil, São Paulo, 13 de abr. 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56740870>. Acesso em: 18 mai. 2021.

ROSAS, Nina. A Igreja Universal do Reino de Deus: ação social além-fronteiras. Ciências Sociais Unisinos, v. 52, n. 1, p. 17-26, 2016. Disponível em: < https://www.redalyc.org/pdf/938/93845798003.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2021.


SAMPAIO, Camila AM. A Igreja Universal do Reino de Deus na “Reconstrução Nacional” de Angola. Religião & Sociedade, v. 40, n. 2, p. 123-146, 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010085872020000200123&script=sci_arttext>. Acesso em: 18 mai. 2021.


SANTOS, António Dias dos. IURD: Angolanos denunciam difamação. Portal de Angola, 21 jul. 2020. Disponível em: <https://www.portaldeangola.com/2020/07/21/iurd-angolanos-denunciam-difamacao/>. Acesso em: 21 mai. 2021.


SIBI, André. Felner Batalha: “A reforma da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é uma realidade irreversível”. Jornal de Angola, 28 jul. 2020. Disponível em: <https://jornaldeangola.ao/ao/noticias/felner-batalha-a-reforma-da-igreja-universal-do-reino-de-deus-em-angola-e-uma-realidade-irreversivel/. Acesso em: 22 mai. 2021.


SILVA, Anaxsuell Fernando; ROSA, Karen Susan Silva Pititinga. A Igreja Universal do Reino de Deus em Angola: faces da nova cartografia religiosa global. Ciências Sociais Unisinos, v. 53, n. 2, p. 234-241, 2017. Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/csu.2017.53.2.07/6225>. Acesso em: 18 mai. 2021.





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