Com o retorno de Talibã, os EUA podem afirmar o fim do domínio terrorista na região?
- Maria Thais R. Medeiros
- 15 de set. de 2021
- 9 min de leitura

Resumo
O artigo tem o objetivo de questionar a decisão de Biden em retirar as tropas do Afeganistão diante da iminente volta do Talibã, sem qualquer garantia do fim do domínio de terroristas na região, mesmo após vinte anos de guerra. Além de questionar, também, os interesses individuais dos Estados e a falta de transparência com os cidadãos afegãos que tiveram suas vidas transformadas da noite para o dia.
Introdução
Os atos terroristas têm sido registrados na história da humanidade desde o início do século I d. C., quando grupos judeus radicais chamados de "Sicários'' (Homens de punhal), atacavam cidadãos judeus e não judeus que eram considerados a favor do domínio romano. Outro índice que comprova a origem remota do terrorismo foi a existência de uma seita mulçumana que atuou no Oriente Médio no fim do século XI d. C.
Já na Grécia Antiga, os registros apontam que as ações terroristas visavam apenas a queda do seu oponente, por isso poupavam as vidas dos inocentes. Como ocorreu no Império Russo, quando radicais tiveram que cancelar as ações contra o governo do czar Alexandre II, para evitar a morte de milhares de inocentes. Todavia, as ações terroristas no mundo contemporâneo causam uma maior comoção para a comunidade internacional, que antes não tinham o tema como pauta em sua agenda.
Dentro disso, o artigo questiona se a decisão de Biden em retirar as tropas do Afeganistão foi sensata, diante ao iminente retorno do Talibã, que apoiou o líder dos atentados do 11 de setembro. Quando 12 piratas aéreos da rede terrorista Al Qaeda, desviaram quatro aviões comerciais para atirá-los contra símbolos do governo Norte Americano. Dois desses aviões foram atirados contra o World Trade Center, em Nova York, o terceiro contra o Pentágono, perto de Washington DC e o quarto, acabou caindo antes de chegar ao seu alvo, após intervenção dos próprios passageiros.
Análises apontam ainda, que o quarto avião tinha como alvo a sede do Congresso, ou até mesmo a Casa Branca. Diante de todos esses acontecimentos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, por meio da resolução 1368 de 2001, admitiu a aplicação de forças contra os responsáveis pela morte de mais de três mil pessoas nos atentados do 11 de Setembro.
Além de permitir também a invasão dos EUA no Afeganistão, que estava servindo de abrigo aos terroristas da al-Qaeda. Atuando dentro do conceito de “jihad” (ideia de guerra santa que faz parte da religião islâmica e que é explorada pelos grupos fundamentalistas.) Ainda em 2001, a resolução 1373 criou o Comitê de Antiterrorismo (CAT), que prevê a colaboração dos Estados acerca de medidas antiterroristas. Por esse motivo as decisões recentes do governo Norte Americano em retirar as tropas do território Afegão se tornaram pauta para a comunidade internacional, principalmente com a volta do Talibã e com o que ele representa.
A respeito dessa temática, o Ex-Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, afirmou que o terrorismo representa uma ameaça global sem presedentes para a comunidade internacional, afetanto os aspectos da Paz Mundial e dos Direitos Humanos.
“[...] Por sua natureza, o terrorismo é um assalto aos Princípios Fundamentais da Lei, ordem, Direitos Humanos, e o estabelecimento pacífico de disputas sobre as quais as Nações Unidas estão estabelecidas [...]” ( Kofi Annan,2012).
O desgaste de uma guerra sem fim
Após 20 anos do 11 de Setembro, a pressão dos cidadãos Norte-americanos em oposição ao embate sem fim traçado contra o Afeganistão tornou- se insustentável. As famílias Norte Americanas almejam o retorno de entes-queridos, sustentando o discurso de que o Afeganistão deveria resolver seus próprios problemas como uma nação independente e que o modelo de democracia liberal adotado pelo governo dos Estados Unidos não era um produto exportável que pudesse ser prescrito.
Nas eleições de 2016, esse discurso passou a ganhar força, por ser apoiado por Trump, que posteriormente acabou ganhando as eleições. O republicano utilizou em seu discurso de campanha o cansaço e o desgaste econômico que a guerra representava ao país. Nas palavras de Trump essa “guerra sem fim” representava para os Estados Unidos um desperdício de verba. De acordo com uma recente pesquisa da Universidade de Brown, os EUA gastaram cerca de US $300 milhões por dia, nas duas décadas que precederam a guerra.
Esses números incluem mais de US $800 bilhões em custos de direitos de combates, US $85 bilhões para o treinamento dos soldados afegãos, que se encontravam em colapso desde o fechamento da Base Aérea de Bagram que auxiliava no avanço do grupo fudamentalista. Além disso, o governo dos EUA também arcou com a maior parte da folha de pagamentos dos soldados afegãos. A mesma pesquisa da Universidade Brown estima que o custo dos gastos total da guerra podem passar de US $2,26 trilhões.
Em termos de vidas perdidas, a situação é ainda mais lamentável. Mais de 2.500 militares Americano morreram no Afeganistão e quase quatro mil civis que prestavam serviço no país. Por esse motivo, é correto afirmar que, se o patriota Donald Trump tivesse ganhado novamente as eleições, a atual situação do Afeganistão não seria muito diferente. Já que em seu discurso na reunião da Assembleia Geral da ONU de 2019, Trump, deixou claro sua opinião arcaica quando falou que o "futuro pertencia aos patriotas e não aos globalistas."
Entretanto, não é difícil de se perceber que, em termos políticos, a decisão mais pragmática seria manter as tropas americanas no Afeganistão, até que a região se tornasse, de fato, segura. Mas a pergunta feita por Hilel, o Ancião, atormentou a mente do atual presidente dos Estados Unidos, "Se não for agora, quando?” se questionou Biden, que em 2009, no governo de Obama, já demonstrava sua opinião ao aconselhá-lo a não enviar mais tropas ao Afeganistão.
O interesse dos Estados no território afegão para além do combate ao terrorismo
Durante duas décadas os Estados Unidos deixaram bem claro seu interesse em manter o Afeganistão longe de intervenções de grupos radicais, principalmente por terem sentido na própria “pele” o perigo que eles representavam ao mundo. Por outro lado, apesar de Washington concentrar-se em manter o Ocidente longe de influências extremistas, também procurou limitar as intervenções russa, chinesa e iraniana no país.
Dentro desse contexto, a teoria neorrealista, reformulada a partir de doutrinas estadunidenses, vai dizer que a natureza da estrutura internacional é definida pelo princípio de uma ordem anárquica, onde a existência de um Estado soberano é impossível e por isso suas ações são voltadas para seu interesse próprio, mesmo dentro de acordos. Por esse motivo John Mearsheimer afirma que
“Dada a dificuldade de determinar o quanto de poder é necessário para hoje e amanhã, as grandes potências reconhecem que a melhor maneira de garantir a sua segurança é conseguir a hegemonia agora, eliminando assim qualquer possibilidade de ser desafiada por outra grande potência. Somente um Estado sem capacidade deixaria passar uma oportunidade de ser o poder hegemônico do sistema, pois havia presumido que já possuía poder suficiente para sobreviver.” (MEARSHEIMER, 2001).
Ainda analisando os interesses individuais dos Estados para com o Afeganistão, a Rússia afirma que sua ânsia na região é unicamente voltada para a garantia da segurança das fronteiras dos seus aliados na Ásia Central. Todavia, o Kremlin, organizou nos últimos anos algumas rodadas de negociação com Talibã e com outras forças de oposição ao governo de Ashraf Ghani e, mesmo afirmando sua repudiação às ações terroristas, o cientista político Seth Jones (2021), afirmou à BBC Mundo que a Rússia tem auxiliado o Talibã como forma de se contrapor a soberania dos Estados Unidos em regiões que considera parte da sua esfera de influência em seu chamado “quintal”.
A China, no entanto, deixa claro seu interesse econômico no Afeganistão, e na esperança de extrair o cobre da região do Mes Aynak. Pequim, também teme as ações do grupo Islamico que atua em Xinjiang, oeste da China. Quando a sua hostil relação com os EUA, é inquestionável o seu interesse em fazer um contra peso como os estadunidenses.
Quanto ao Irã, que mantém sua presença clandestina no Afeganistão durante anos oferecendo passagem em sua fronteira para migrantes, transporte de drogas, e no auxílio de grupos extremistas, como o Talibã, sua postura é sustentada no discurso de enfraquecer a influência de potências Ocidentais, como os Estados Unidos e o Reino Unido, que atuam fortemente na região, é a melhor forma de garantir a soberania da região. Em 2016, esse laço se tornou mais sólido quando o líder talibã Mullah Akhtar Mansour foi morto em um ataque de drones Norte Americanos enquanto voltava do Irã.
O retorno de talibã, 20 anos perdidos? Uma segunda guerra iminente?
Como dito anteriormente, as ações extremistas orquestradas no 11 de setembro redefiniu a forma que o terrorismo era tratado ao redor do mundo, porque segundo Derian (2009), não era uma questão que cedia facilmente a teses filosóficas, políticas ou sociais. Principalmente, por se tratar de ações que não eram, necessariamente, administradas por um Estado Nação. A organização fundamentalista AI Qaeda, que atua desde 1988, de forma independente ao redor do mundo, é um exemplo disto.
No entanto, recebendo apoio de algumas nações, como foi o caso do Afeganistão, que era governado pelo Talibã, movimento, também, fundamentalista e nacionalista islâmico. Por esse motivo eliminar a força que o Talibã representava com seu discurso o “Jihad” (guerra islâmica contra o Ocidente) era a única forma de manter tanto o Ocidente, quanto o Oriente seguro do terror que essa força representa.
Contudo, após anos de guerras, o governo Norte Americano decidiu-se por retirar suas tropas do solo afegão, sem garantias de uma verdadeira mudança para a população. já que em menos de dois meses o Afeganistão deixou de ser uma democracia e voltou a ser dominado pelo Talibã, que logo declarou o retorno oficial do nome do Afeganistão para “Emirado Islâmico do Afeganistão” adotado em seu domínio anterior.
Mesmo diante aos péssimos resultados que a retirada das tropas significou para o Afeganistão, o presidente Joe Biden sustentou sua decisão assumindo a culpa do retorno do Talibã. O presidente ainda justificou que esse retorno teria acontecido antes do previsto, abrindo espaço para o mundo se questionar, se os EUA sabia que ocorreria um retorno iminente, porque não tentou evitar? O professor de Relações Internacionais da Universidade de Porto Alegre, Roberto Uebel afirma que, possivelmente, haviam cálculos estratégicos de que o Talibã retornaria ao Afeganistão assim que os EUA retirassem as tropas, em suas palavras “o discurso de Biden após a queda de Cabul confirmava essa teoria”.
Para a parlamentar Farzana Kochia, a falta de transparência dos Estados Unidos e dos aliados ocidentais que estiveram no centro desse jogo de poder são diretamente responsáveis pela queda de Cabul. Enquanto Biden atribui a responsabilidade ao próprio governo Afeão, que segundo ele teriam gerenciado mal toda a situação ao se exilar.
Enquanto isso, o mundo presenciou imagens de pessoas desesperadas pegando aviões em movimento tentando fugir do retorno do Talibã e do que isso significaria ao Afeganistão. Em menos de sete dias foram registradas mais vinte mortes no aeroporto de Cabul e nos arredores da cidade. O Ministério da Defesa Britânica, registrou que, além das mortes no aeroporto, outros civis teriam sido baleados por membros do talibã no meio da rua.
A organização do Estado Islamico Khorasan, também representa uma ameaça para os Estados Unidos, além de ser um inimigo comum Talebã, essencialmente após as explosões do dia vinte e cinco de Agosto. O governo americano confirmou a morte de 12 militares que estavam tentando deixar o Afeganistão, 60 civis também morreram e pelo menos 140 pessoas ficaram feridas, incluindo membros do Talibã.
Após a primeira explosão, a embaixada dos EUA, emitiu uma recomendação para que os cidadãos do país evitassem aglomerações em locais próximos ao ataque para segurança, já que o risco de ocorrer outros ataques é grande. O Reino Unido afirmou que se reuniria com os EUA e com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para que pudessem traçar um plano operacional na resposta imediata ao incidente.
Conclusão
A investida Norte Americana no Afeganistão após o 11 de Setembro, gerou aos EUA um desgaste inquestionável, contudo, sua retirada sem qualquer garantia de um fim absoluto do domínio terrorista na região tem deixando a comunidade internacional em alerta. Principalmente com o retorno de Talibã e com o que ele representa ao mundo, nos levando a questionar se o governo americano agiu de forma diplomática ou puramente em benefício próprio.
Por outro lado, a preocupação não se restringe apenas ao sistema autoritarista de Talibã, mas também com intervenções de outros grupos radicais que atuam na região, que se aproveitam da instabilidade do governo recente estabelecido . Os dois últimos atentados no aeroporto de Acabul esclarece essa questão.
Os interesses individuais de alguns Estados, também é outro fator importante a ser observado na região. Estabelecer um sistema de governo sólido no meio dessa disputa de poder se tornou mais difícil para o governo estadunidense, embora o mais prejudicado seja o Afeganistão, que lutou durante vinte anos por um sistema democrático.
Referências Bibliográficas
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[REF. 01] MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Great Power Politics. W. W. Norton & Company; New York, 2001.
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