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EUA X CHINA: O Século XXI terá uma Guerra do Peloponeso para chamar de sua?


Zhang, Lintao. 2013


Resumo


Este artigo visa correlacionar a Guerra do Peloponeso com a guerra travada entre os Estados Unidos e a China pelo domínio da tecnologia do 5G e como isso se reflete no Ocidente, que detém a hegemonia da política mundial. A partir disso, a Huawei, que se encontra no centro dessa guerra, sofre com sanções do governo norte- americano, já que ficou evidente que, qualquer empresa ou país que possua o controle da tecnologia do 5G terá vantagens sobre os outros ambientes tecnológicos e econômicos do mundo.


Palavras-chaves: Guerra do Peloponeso, guerra tecnológica, 5G, Estados Unidos, China, Huawei, Tucídides.



Introdução


A guerra sempre esteve presente na sociedade e, segundo o filósofo Thomas Hobbes esse fator está ligado à natureza primitiva do homem que é ambiciosa e egoísta (1651), e por isso está constantemente num processo de disputa de interesses individuais. Contudo, na contemporaneidade o cenário não ficou muito diferente já que os conflitos entre os Estados ainda são constantes, embora os interesses estejam no controle de seus recursos naturais.

Entretanto, nos últimos anos a comunidade internacional tem sido palco para a guerra de interesses de duas grandes potências mundiais, que estão deslocando seus interesses cada vez mais na busca do domínio do ciberespaço e das novas tecnologias de transmissão de dados. Já que ficou claro, que quem detiver a supremacia sobre a matriz tecnológica do 5G vai, provavelmente, ditar o curso da economia e política global no futuro.

Visto que, vivemos em um mundo no qual a tecnologia da computação é a chave para a competitividade econômica de um Estado, assim como ajuda a garantir a sua segurança. Dessa forma, a disputa econômica entre os dois Estados traz consigo a rivalidade do 5G, que servirá de ferramenta para o aumento de seu poder político, diplomático e militar perante o mundo.

Dentro desse contexto, o artigo busca analisar os pensamentos que o cientista político Graham Allison desenvolveu no seu livro “Destined For War:Can American and China Avoid the Thucydides trap? (2020),” a respeito da tendência inexorável da guerra quando uma potência emergente ameaça uma potência já consolidada dentro do sistema internacional e a semelhança da dinâmica estabelecida na antiga Grécia na relação de Esparta e Atenas, que segundo Alisson, não é muito diferente da realidade de Washington e Pequim.

Ademais, o artigo analisa também a teoria do jornalista e escritor indiano radicado nos EUA Fareed Zacarias, de que o século XIX pode reviver a Guerra do Peloponeso descrita por Tucídides, só que agora, impulsionada pela disputa tecnológica, tendo os Estados Unidos como representante de uma ordem já estabelecida e a China, como uma nação em ascensão desafiante. Além disso, o artigo descreve sobre as semelhanças do conflito EUA-China com a Guerra Fria e como isso se reflete nos dias atuais.



O Prelúdio e a Armadilha de Tucídides


O primeiro historiador grego, Tucídides, escreveu sobre a Guerra do Peloponeso que colocou duas potências da época (século V a.C.) em conflito, essas eram Esparta e Atenas, que segundo o escritor Norte-americano, Fareed Zakaria, entram em conflito por dois fatores, o poder ascendente e o medo dominante. De um lado Atenas desenvolvia o seu império marítimo e aumentava sua influência na região, do outro lado Esparta sentia sua hegemonia ameaçada.

A guerra, portanto, se tornou inevitável fazendo com que todos os Estados gregos se envolvessem de uma forma surpreendente, nunca vista antes.Anteriormente as batalhas não eram constituídas por grandes estratégias, no entanto, a guerra do Peloponeso redefiniu a dinâmica de disputa de controle econômico, militar e político no mundo. Após 27 anos de guerra, Atenas sucumbe a Esparta, deixando a região em que se estabelecia as duas nações em ruínas, o que acabou deixando o império grego fraco perante aos outros impérios.

Desse modo, assim como Zakaria, relaciona a transição da China como um país emergente e o medo crescente dos Estados Unidos, com a relação de Atenas e Esparta na Guerra do Peloponeso.

"O poder ascendente de Esparta, e o medo do dominante, Atenas. Isso acontece com frequência na história humana. A transição está acontecendo agora, com os chineses participando da nova ordem global, o que gera medo nos EUA” ( ZAKARIA,Fareed. 2020).

O cientista político Graham Allison vai questionar se as duas potências estão fadadas a se entrelaçam na armadilha de Tucídides, já que, ao analisar 500 anos de histórias, Allison identificou que dezesseis potências emergente entram em conflitos com potências já estabelecidas e, em doze dos casos estudados, correm guerras.

Um dos exemplos analisados por Allison ocorreu no fim do século XIX e início do XX, onde o crescimento comercial foi extremamente acelerado, resultando na Alemanha desafiando a soberania da Grã-Bretanha, fator que acabou influenciando na Grande Guerra (1914–1918). Hoje, potencialmente a ascensão chinesa desafia a hegemonia dos Estados Unidos. Allison, também analisa as nações que optaram por um não conflito armado e os seus ajustes nas ações contra seus rivais, que algumas vezes significou seu enfraquecimento.

Assim percebe-se que a Armadilha de Tucídides não é de total fatalista, de modo que as potências podem optar por seguir um caminho que não os leve à guerra armada. Em “História da Guerra do Peloponeso” (1987, Universidade de Brasília), Tucídides concentrou-se em demonstrar, de forma clássica, as consequências de uma guerra e a mudança de equilíbrio de poder gerada no que hoje chamamos de sistema internacional.

[...] para o auditório o caráter não fabuloso dos fatos narrados parecerá talvez menos atraente; mas se todos quantos querem examinar o que há de claro nos acontecimentos passados e nos que um dia, dado o seu caráter humano, virão a ser semelhantes ou análogos, virem sua utilidade, será o bastante. Constituem mais uma aquisição para sempre que uma peça para um auditório do momento[...]. (TUCÍDIDES, I: 22).

Por outro lado, sabemos que para Thomas Hobbes, o homem é mau por natureza, de modo que na natureza do homem encontramos as três principais causas que o levam a guerra: competição, desconfiança e a busca pela glória. A primeira leva o homem a entrar em conflito com o outro, a segunda o ajuda a garantir a sua segurança e a terceira é a sua reputação. A partir disso, Hobbes sustenta a sua teoria para a guerra no Leviatã com base na sua tradução de Tucídides (Hobbes, 1978).

Kenneth Waltz, em “Man, the State end war” (1959), busca compreender as causas que levam um Estado a entrar em guerra, a partir dos estudos do Realismo clássico e do Realismo moderno, que se relaciona ao emprego da força do Estado. Em sua análise, as causas mais importantes das guerras são a natureza e o comportamento humano e como isso transcende no efeito da guerra, a organização interna dos Estados e suas instituições que formam cooperações ideológicas, onde apenas alguns grupos específicos com interesses comuns se beneficiam e, por fim, Waltz sustenta a ideia de que a maior causa da guerra está no sistema internacional, que é anárquico.


“Com tantos soberanos, sem um sistema jurídico que possa ser imposto a eles, com cada Estado julgando suas próprias queixas e ambições segundo os dilemas de sua própria razão ou de seu próprio desejo, o conflito, que por vezes leva a guerra, está fadado a ocorrer.”(WALTZ. PG,197. 2001).

Sendo assim, o sociólogo Max Weber, vai dizer que o Estado como qualquer associação política existente no mundo é liderada por homens e portanto


“É uma relação de dominação de homens sobre homens, apoiada no meio da coação legítima, quer dizer considerada legítima)” ( 1999: 526).

E, tendo em vista o poder que o domínio da tecnologia do 5g oferece para uma sociedade que utiliza da mesma como elemento facilitador de suas vidas, a disputa pela matriz tecnológica entre a maior potência internacional, os Estados Unidos das Américas e, uma uma potências em ascensão, a República Popular da China, tem se tornado inevitável.



A Hegemonia Tecnológica e a Disputa do 5G


Em 1989, quando o muro de Berlim, símbolo da Guerra Fria, foi derrubado o capitalismo se expandiu e o Ocidente, que antes só conhecia o mercado do Japão, das Coréias e de Taiwan no Oriente passa a ser impactado pela globalização, que por meio de um pacto tácito acabou sendo liderada pelos Estados Unidos. Resultando em sua liderança na corrida tecnológica.

A partir disso, os EUA potencializou sua base tecnológica com a construção do Vale do Silício e utilização do modelo empresarial, cluster produtivo. Nesse modelo , o Departamento de Defesa americano estabeleceu metas e forneceu financiamento para que as empresas pudessem competir uma contra a outra, suas inovações tecnológicas, o que gerou alta produtividade de dados da rede para os EUA.

Por outro lado, Fareed (2020), vai dizer que, apesar dos Estados Unidos deter mais da maior parte das empresas do ramo tecnológico do mundo, é quase impossível garantir o controle contínuo da tecnologia. Dessa forma, a mesma globalização que ascendeu os EUA, também permitiu o avanço da China no mercado global.

Seguindo essa lógica, a China analisou os pontos fracos das grandes potências mundiais, em destaque os EUA, para poder se estabelecer como a segunda maior economia do mundo. Para somente assim, entrar em uma disputa aberta contra a hegemonia norte-americana. Disputa essa que não é puramente comercial, é também tecnológica e, é representada pela busca do controle do 5G, que é equivalente a quarta geração da tecnologia de rede do mundo, com maior velocidade e inteligência que a sua antecessora, o 4G, além disso, ela é também a tecnologia de rede que causa menos impacto no meio ambiente.

Diante disso, a China concentrou seus investimentos no desenvolvimento da tecnologia como nenhum outro país fez, principalmente, por ter sido dependente das tecnologias de redes anteriores desenvolvidas pelos Estados Unidos. Isso obviamente desagradou a hegemonia norte-americana, que tem o objetivo de manter a sua soberania sobre as demais nações.

Em resposta a postura desafiante da China, o governo norte-americano responde com a inclusão da Huawei, empresa que lidera a tecnologia do 5G na china, em sua lista de ”pena de morte” do Departamento de Comércio. Em outras palavras, significa que as empresas americanas foram proibidas de fornecer matéria-prima para a gigante chinesa.



Uma Segunda Guerra Fria?


A Guerra Fria (1947 - 1991), como dito anteriormente, foi um marco histórico que influenciou na soberania do sistema capitalista no mundo. No entanto, apesar dela ter sido uma guerra de interesses ideológicos, ela também resultou em uma série de conflitos armados ao redor do mundo, mas nunca diretamente entre os Estados Unidos e a União Soviética. Isso porque, a URSS não significava uma ameaça econômica para os EUA.

Diferente da atual relação da China- EUA, que não oferece apenas ameaças bélicas, mas oferece também, risco para soberania ocidental e seu modelo econômico administrado pelos Estados Unidos. E com base no resultado que a China vem tendo nos últimos anos, é notável seu interesse em avançar sua influência no mundo, tal como afastar os americanos de seu território.

Porém, quando se fala em uma segunda Guerra Fria, a questão da Huawei fica no centro do conflito, principalmente com as últimas atitudes do governo americano para com a “gigante chinesa”. O governo americano, além de bloquear o fornecimento de matéria prima, processou a empresa com acusações de espionagem e utilizou da sua influência no Canadá para que a diretora e filha do fundador da Huawei fosse presa em dezembro de 2018.

Desse modo, as batalhas travadas contra a Huawei mostram a importância que a disputa tecnológica tem nessa nova Guerra Fria, onde o roubo de dados é tão destrutivo para um Estado como uma bomba nuclear. No entanto, o ex-diplomata norte-americano, Carlos Pascual, afirmou ao jornal francês "France-Presse", que na disputa pelo controle do ciberespaço a Huawei é apenas um símbolo do “grande confronto sino-americano que está por vir. (France Presse,2020).



Considerações Finais


Por fim, de acordo com os pontos abordados anteriormente, é possível perceber o temor do Ocidente quanto à ascensão chinesa e sua possível dominação tecnológica, que além de ser a chave para garantir a hegemonia dos EUA, é também, intimamente ligada à economia e a política global. Por esse motivo, Allison, vai dizer que dependerá das ações da relação EUA-China para a redefinição de uma nova ordem mundial e, se isso levará o século XXI, para uma nova guerra do peloponeso.

Já que, segundo ele, a rivalidade entre Washington e Pequim é a definição das Relações Internacionais atuais e futuras. Por esse motivo, se questionar sobre uma possível guerra do peloponeso no século XXI, é mais que uma questão acadêmica, é se preocupar com o futuro. Futuro que será definido pelas decisões de uma Esparta e de Atenas moderna, como afirma Fareed, “O embate entre os dois sistemas vai definir o mundo de vocês e dos seus filhos também.” (Dez lições para o mundo pós-pandemia. Fareed Zakaria,2020).



Referências Bibliográficas


ALLISON, Graham. “Destined For War:Can American and China Avoid the Thucydides trap?”.Editora Houghton Mifflin, 1ª edição. Boston, 2017.


ZAKARIA, Fareed Rafiq. “Des lições para o mundo pós-pandemia” Tradução: Alexandre Raposo. Editora Intrínseca, 1ª edição. Rio de Janeiro, 2021.


TUCÍDIDES. “A História da Guerra do Peloponeso” COLEÇÃO CLÁSSICOS IPRI. Prefácio: Hélio Jaguaribe. Editora Universidade de Brasília, 1987. Hobbes T (1978) O Leviatã. Abril Cultural. São Paulo, Brasil. 230 pp.


Weber M (1999) Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Universidade de Brasília Brasília / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Brasil. 586 pp.


PORTER, Michael; Competição: Estratégias Competitivas Essenciais, 9ª edição, Rio de Janeiro, 1999 .


WALTZ, Kenneth Neal. Man, the state, and war: a theoretical analysis. New York: Columbia University Press, 2001.


MARCOS, Jonathan. BBC News Brasil. “O historiador da Grécia Antiga que ‘previu guerra inevitável‘ entre EUA e China”. Rio de Janeiro, 2019. Acessado em 29 de julho de 2020. disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47792909>.


CORACCINI, Raphael. Whow Empreendedorismo. “China e EUA podem travar a nova Guerra do Peloponeso na tecnologia?” São Paulo, 2019. Acessado em 29 de julho de 2020. disponível em:

<https://www.whow.com.br/tecnologia/china-e-eua-podem-travar-a-nova-guerra-do-pel oponeso-na-tecnologia/>


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France Presse. Globo, G1. Em Davos, o espectro de uma guerra fria tecnológica entre China e EUA.2020. Acessado em 30 de julho de 2020. disponível em: <https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/01/23/em-davos-o-espectro-de-uma-guerra-fria-tecnologica-entre-china-e-eua.ghtml>.


Gazeta do Povo e Washington Post, 2019. Guerra Fria Tecnológica: EUA e China estão travando uma guerra pelo controle tecnológico mundial. Acessado em 30 de julho de 2020. disponível em <https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/eua-e-china-estao-travando-uma-guerra-pelo-controle-tecnologico-mundial/>.


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