FIVE EYES: Governo Chinês Polariza Opiniões entre Austrália e Nova Zelândia
- Larissa Tenório dos Santos e Paulo Gabriel Silva Santos
- 26 de jul. de 2021
- 7 min de leitura

Harris, Duncan. 2014
Resumo
A Austrália e a Nova Zelândia integram os Five Eyes e compartilham um histórico diplomático amistoso com a China. O presente artigo analisa eventos da atualidade que afastaram Camberra de Pequim e levaram o governo neozelandês a priorizar sua relação bilateral com a China.
Introdução
As relações bilaterais entre países ao redor do mundo tendem a ocupar lugar de destaque dentro do campo das Relações Internacionais (RI) e mesmo quando tratamos da relação entre dois países, cujo histórico em termos de cooperação em prol não apenas do desenvolvimento mas da criação de laços que transcendem as áreas de cooperação tradicionais, podemos encontrar divergências e desacordos, o que é esperado nas RI, no entanto, não deixa de ter grande relevância, em especial quando as divergências estão relacionadas a opiniões sobre grandes atores.
Em meio a esse contexto, apesar de serem grandes parceiros com visões convergentes na mais ampla gama de setores a exemplo do social, militar e econômico, Nova Zelândia e Austrália tem tido algumas divergências de opiniões e posturas no que tange a diversas temáticas concernentes à China, dentre as quais se destaca a questão da minoria muçulmana uigure, na província de Xinjiang; sendo que, no cerne das discussões, a Austrália tende a adotar uma postura extremamente crítica e acusatória, enquanto a Nova Zelândia segue por uma via mais diplomática e conciliadora.
Outro ator relevante em meio a essa discussão e que também participou das recentes acusações contra a China, é o grupo conhecido como Five Eyes (Cinco Olhos), do qual Austrália e Nova Zelândia fazem parte ao lado dos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Apesar de ter surgido em outro contexto, o grupo tem recentemente voltado seus “cinco olhos” para a China, embora neste caso possamos considerar como “quatro olhos”, pois a Nova Zelândia tem se mostrado contrária a alguns posicionamentos da organização, em especial no que tange a China.
O artigo elucida, portanto, o histórico da relação bilateral entre Austrália e Nova Zelândia, em diversos setores além do diplomático, assim como, traz para a discussão a dinâmica de discordância entre os dois países, que embora sejam aliados históricos, transitam pelo desalinhamento de opiniões no que tange as “hostilidades” da Austrália em conjunto com os três outros membros do Five Eyes ao acusar a China de violar os Direitos Humanos.
Relação Bilateral Austrália e Nova Zelândia
Considerando que Austrália e Nova Zelândia são as maiores economias da Oceania, compartilham o mesmo idioma (inglês) e que ambos foram colonizados pelos britânicos, dentre outras similaridades culturais e sociais, é natural que os países tenham desenvolvido uma forte relação diplomática e de cooperação, o senso familiar Trans-Tasman, em referência ao acordo Trans-Tasman Travel Arrangements (TTTA), datado de 1973, permite a livre circulação de australianos e neozelandeses entre os dois países, além de não impor restrições para que os habitantes de um dos países viva ou trabalhe no outro. A estimativa mais recente de neozelandeses vivendo na Austrália é de 670.000 e de australianos vivendo na Nova Zelândia é de 70.000, o que reforça a profundidade dos laços entre os dois Estados (DFAT, 2021).
Ainda, embora em 1901, a Nova Zelândia tenha decidido por não fazer parte da federação australiana, os países mantêm forte cooperação também no campo da política e de governança global e regional, sendo que o relacionamento de governo para governo é considerado o de maior abrangência pelo governo australiano dentre todas as suas relações bilaterais ao redor do mundo (DFAT, 2021).
Além do fato de que os primeiros-ministros de ambos os países manterem uma comunicação constante durante todo o ano, envolvendo igualmente Ministros e funcionários do governo que fazem visitas formais frequentes uns aos outros, Nova Zelândia e Austrália também possuem um histórico bem consolidado de cooperação no quesito de fóruns globais e regionais, a exemplo das Nações Unidas, Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, Cúpula do Leste Asiático e o Fórum Regional da Associação de Nações do Sudeste Asiático e o Fórum das Ilhas do Pacífico. Os dois Estados também prezam por manter um bom relacionamento com seus países parceiros nas ilhas do Pacífico por meio das políticas Pacific Step-up da Austrália e da Nova Zelândia Pacific Reset, (DFAT, 2021).
Já no que se refere à cooperação no campo militar, os países possuem um histórico bem consolidado de implementações conjuntas envolvendo o Corpo do Exército da Austrália e da Nova Zelândia em Gallipoli, além de operações relevantes recentemente realizadas no Timor-Leste, Ilhas Salomão, Iraque e Afeganistão. Outros aspectos da relevância dessas parcerias no âmbito militar e de segurança podem ser vistos no Pacto de Camberra, de 1944, e no Tratado Austrália, Nova Zelândia e Segurança dos Estados Unidos (ANZUS), de 1951, assim como, no Acordo de Relações de Defesa mais estreitas (CDR), de 1991, tendo recebido uma atualização em 2018, este último acordo prevê uma ampla estrutura estratégica para a relação de defesa bilateral (DFAT, 2021).
Por fim, no campo econômico, a cooperação não fica atrás em termos de profundidade quando comparada com os outros setores, pois o Acordo Comercial de Relações Econômicas Mais Fechadas, em inglês, Australia‑New Zealand Closer Economic Relations Trade Agreement (ANZCERTA ou CER), representa um dos acordos mais abertos e com resultados mais positivos do mundo, tendo entrado em vigor em 1º de janeiro de 2010. Não se limitando a este acordo, os países também buscam a cooperação visando atingir seus objetivos econômicos em conjunto, o que tem trazido bons resultados para ambos os lados (DFAT, 2021).
FIVE EYES
Recentemente, o grupo mundialmente conhecido como Five Eyes (Cinco Olhos), tem sido mencionado pela mídia devido às tensões geradas com o governo chinês, entretanto, sua origem não é hodierna.
Em março de 1946, os Estados Unidos e o Reino Unido assinaram o Tratado de Segurança que formalizou a Carta do Atlântico, elaborada em 1941, antecedendo a entrada estadunidense na segunda guerra mundial, e estabelecendo uma parceria na decodificação de mensagens japonesas e alemãs e o compartilhamento de informações secretas entre os Estados Unidos e o Reino Unido.
Posteriormente, o acordo agregou o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, formando os Five Eyes ou Cinco Olhos, grupo que se declarou unido pela língua inglesa e pelo objetivo em comum de prognosticar as ações dos inimigos. Os países membros são representados por suas organizações de inteligência e comandados: Os Estados Unidos são representados pela NSA (National Security Agency), o Reino Unido através do GCHQ (Government Communications Headquarters), o Canadá através do CSEC (Communications Security Establishment Canada), a Austrália através do ASD (Australian Signals Directorate) e a Nova Zelândia através do GCSB (Government Communications Security Bureau). Em complemento, as organizações criaram o Echelon, uma rede de vigilância global e de espionagem.
Apesar de não existirem abundantes evidências a respeito da atuação dos Five Eyes, apenas algumas intervenções pontuais como a que foi investigada pelo Parlamento Europeu em 2001, quando o Echelon agiu pelos Estados Unidos ao colaborar com a empresa americana Raytheon para sobrepor a concorrência apresentada pelo governo brasileiro por serviços e equipamentos para o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), levando os estadunidenses a vencerem a disputa. O presidente da Cloud Security Alliance Brasil (CSA Brasil), Paulo Pagliusi, durante a CPI da Espionagem, declarou que os Five Eyes monitoram chamadas telefônicas e de fax, transmissões de rádio e os acessos à internet em todo o mundo (SENADO FEDERAL, 2014).
Nova Zelândia e Austrália: Divergência de Posicionamento contra a China
Em abril de 2021, o tema que chamou a atenção do Sistema Internacional foi a decisão de quatro membros dos Five Eyes que condenaram a China por desrespeito aos Direitos Humanos devido as alegações sobre a erosão das liberdades democráticas em Hong Kong e trabalhos forçados e genocídio da minoria muçulmana uigure na província de Xinjiang. Nessa denúncia, a Nova Zelândia foi o único membro dos Cinco Olhos que se absteve de confrontar o governo chinês (BBC NEWS, 2021).
A Primeira-Ministra, Jacinda Ardern, foi amplamente criticada pela abstenção, já que seu governo se orgulha de respeitar e defender os Direitos Humanos. A respeito do posicionamento, a Ministra das Relações Exteriores, Nanaia Mahuta, declarou que a Nova Zelândia se recusou a aderir a acusação ocidental contra Pequim, pois embora houvesse diferenças difíceis de conciliar com a China, pressionar o país seria desconfortável e o governo neozelandês optaria por buscar suas próprias relações bilaterais (BBC NEWS, 2021).
Apesar da pressão imposta pela decisão neozelandesa, ressalta-se que ambos os países pertencentes a Oceania, Austrália e Nova Zelândia, possuem um longo histórico diplomático e relações bilaterais concretas com a China. De forma que, o posicionamento cauteloso neozelandês ao se recusar a acusar um parceiro político, comercial e diplomático de longa data pode ser considerado moderado. Em relação a Austrália, que partilha um histórico bilateral consistente com o governo chinês, sua adesão à crítica proposta por parte dos Five Eyes é previsível, visto que, a política do Primeiro-Ministro, Scott Morrison, tem distanciado cada vez mais Camberra de Pequim e alinhado os interesses australianos com a política externa estadunidense.
A tensão entre Austrália e China não se limita à recente acusação grupal, se estende para a relação bilateral, uma vez que, em 2020, Morrison publicou 14 tópicos de divergências que o afastaram do governo chinês e chegou a solicitar uma investigação quanto à origem do novo coronavírus, ação de caráter agressivo e que culminou em declarações afrontosas por parte de ambos (Folha de São Paulo, 2021).
Conclusão
Sucintamente, compreende-se que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China influenciou o cenário internacional em diversos aspectos, como na política externa australiana que optou por priorizar seus interesses com o governo estadunidense em contrapartida a sua parceria de longa data com Pequim.
Abordar a perspectiva de dois países que integram um mesmo grupo (os Five Eyes) e pertencem à mesma região continental permite uma análise ampla da política externa atual, pois proporciona a observação do desenvolvimento de posicionamentos antagônicos numa disputa bipolar acirrada, afinal, os Primeiros-ministros de seus respectivos países optaram pelo alinhamento político com nações que estão competindo entre si pela hegemonia global.
Além disso, destaca-se o comprometimento do governo neozelandês ao manter a tradicional relação amistosa com o governo chinês e a ousadia do governo australiano de investir em uma aliança estadunidense que ofende a China com graves acusações de conduta.
Referências Bibliográficas
AUSTRALIAN GOVERNMENT. New Zealand country brief. Disponível em: https://www.dfat.gov.au/geo/new-zealand/new-zealand-country-brief. Acesso em: 3 jul. 2021.
BBC NEWS. Five Eyes: Is the alliance in trouble over China?. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-56970640. Acesso em: 3 jul. 2021.
THE SYDNEY MORNING HERALD. Five Eyes split demands Australia reset with New Zealand. Disponível em: https://www.smh.com.au/national/five-eyes-split-demands-australia-reset-with-new-zealand-20210423-p57lsw.html. Acesso em: 3 jul. 2021.
THE STRAITS TIME. Australia, New Zealand disagree over role of Five Eyes intelligence pact as China tensions grow. Disponível em: https://www.straitstimes.com/asia/australianz/australia-new-zealand-disagree-over-role-of-five-eyes-intelligence-pact-as-china. Acesso em: 3 jul. 2021.
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