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O Aumento da Caça de Animais Selvagens Frente à COVID-19


Conservation, Great Plains.2020



A caça ilegal de rinocerontes e elefantes no continente africano está crescendo de forma exponencial, colando em evidência um mercado que gerencia a circulação de milhões de dólares, exacerbando a corrupção nos portos, alfândegas e as forças de segurança africanas. Com efeito, temos o aumento da oferta de novas receitas a grupos de rebeldes e redes criminosas em todo território. Nesse sentido, não estamos tratando de narcóticos, de armas de pequeno porte – ou qualquer outro produto comumente traficado –, e sim, da caça clandestina desses animais, como centro desse comércio ilícito. Essa realidade está diretamente ligada ao aumento dos preços do marfim, bem como dos chifres de rinocerontes, à escala mundial (ANDERSON; JOOSTE, p. 1).

O marfim provém dos dentes de marfim do elefante africano, este é transportado para fora do país por aeroportos, portos etc. Por exemplo, em janeiro de 2011, no porto de Pemba, foram apreendidos 126 pontos de marfim, algo que equivale a cerca de 63 elefantes, aos quais foram abatidos ilegalmente; em sua maioria, tinham como destino o mercado na Ásia, majoritariamente na China. Não naturalmente, esse país aparece com destaque, pois é um dos países que mais realizam o comércio ilegal de marfim. Em última instância, podemos afirmar que o aumento dos níveis explosivos da caça ilegal, é resultante, principalmente, do aumento da demanda por esses “produtos” no mercado, esse é o fator motor dessa prática (COUTO, 2014, p. 4-6).

Junto a isso, é necessário dar destaque ao aumento ainda mais proeminente, diante da incidência do Covid-19. Isso porque, apesar dos animais selvagens não serem apresentados como seres suscetíveis aos novo coronavírus, estes ficaram vulneráveis aos efeitos colaterais da pandemia. Visto que, na África do Sul, por exemplo, parques públicos, ao diminuírem suas patrulhas e reservas privadas, além do corte de pessoas, acabaram facilitando a caça proibida. Logo, observa-se uma situação de causa e consequência, já que, em decorrência da drástica redução de turistas – nota-se que grande parte das receitas vêm do turismo – muitas populações foram prejudicadas direta ou indiretamente, pelo declínio da economia (GIANNINI, 2021).

Nesse sentido, por conta das medidas restritivas, o ecoturismo na África, mundialmente conhecido, sofreu um forte impacto que pôde ser explicado com os seguintes dados: 90% dos operadores mencionaram haver uma queda de 75% nas vendas de viagens. Esses dados são interessantes de serem analisados, uma vez que é perceptível que, de certa forma, a presença de turistas, inibiam a atividades ilegais; isso provocou também, a diminuição da arrecadação para que fosse pago a vigilância de parques (GIANNINI, 2021).

Antes da pandemia, o turismo concedia um faturamento anual de 29,5 bilhões de dólares e empregava 3,6 milhões de pessoas – nisso, também fora incluído a força de trabalho que cuidava da proteção das reservas. Além disso, todo esse impacto refletiu para o abandono das comunidades pobres, as quais sobreviviam da conservação. Com isso, muitas pessoas foram alicerçadas pelos caçadores, tendo em vista seu conhecimento dos caminhos para se chegar aos animais, “Elas precisam sobreviver e não têm alternativa”, explica o colombiano Jorge Ríos, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (GIANNINI, 2021).

Assim, apesar de haver, por um tempo, certa diminuição dessa prática ilícita, tal tópico voltou a assombrar a existência dessas espécies. Consequentemente, o risco de extinção de espécies como rinocerontes-negros (Diceros bicornis) e brancos (Ceratotherium simum), elefantes-africanos, até mesmo, leopardos e outras espécies nativas, aumentou exacerbadamente. Em Moçambique, por exemplo, lugar em que possuíam essas espécies até os anos de 1970, já não possuem nenhum; a caça ilegal levou à extinção de rinocerontes pretos e brancos no território nacional (COUTO, 2014, p. 4; GIANNINI, 2021).

Dito isso, áreas como o Parque Nacional Kruger, na África do Sul, acabam por serem os principais locais para realização dessa prática. Na Zâmbia, os guardas florestais do Parque Nacional Kafue – proeminente em mais de 22.000 quilômetros quadrados – afirmaram que os números de armadilhas para pegar antílopes e felinos, quase triplicaram. O Parque Nacional do Baixo Zambeze, que, por sua vez, compreende um espaço menor, registrou um aumento de 200% da caça, isso avaliando dados do ano passado para este. É necessário evidenciar que grande parte dessas ocorrências são dadas nas periferias da reserva, em virtude do corte de patrulhas mais proeminentes. Na Nigéria, por exemplo, lugar em que observa-se ampla saída ao Oceano Atlântico, foi interceptado um carregamento no valor de 2,5 milhões de dólares, correspondente a quase 9 toneladas de marfim, ossos de diversas espécies ameaçadas de extinção, e escamas de pangolim (COUTO, 2014, p. 4; GIANNINI, 2021).

Nesse sentido, assim como qualquer outra organização criminosa, é possível entender as operações de caça clandestina como bem organizadas e estruturadas, com alto nível de complexidades; isso levando em consideração os exorbitantes valores monetários identificados, facilitando, com efeito, a corrupção e o aliciamento de jovens desempregados da região, envolvendo-os em práticas ilegais de redes criminosas. À exemplo da ampliação da criminalidade ligada a essa prática, podemos expor a ocorrência do aumento no número de armas apreendidas pelo Parque Nacional do Limpopo para o uso na caça. No entanto, a origem destas, causa muita preocupação, já que estão ligadas a instituições de segurança e proteção, realçando a gravidade da situação, bem como sua complexidade (COUTO, 2014, p. 4-5).

Ainda, as Nações Unidas estimam que o faturamento da caça ilegal desses animais selvagens, bem como sua comercialização, chega a 213 bilhões de dólares ao ano, isso a nível global. No entanto, essa é apenas uma estimativa, dado o caráter escasso de informações e dados. Existe uma enorme dificuldade em quantificar e valorar todo que esse processo envolve, mas o que se consegue analisar, nota-se o cenário desolador (GIANNINI, 2021).

Para tanto, foram estabelecidas várias convenções, acordos e programas, a fim de firmar parcerias entre os países, com o objetivo central de travar o tráfico ilegal e a caça ilegal de elefantes e rinocerontes. Nesse sentido, os Direitos dos Animais vêm sendo um tema recorrente no debate, entre políticos, ativistas etc. No que tange a vida selvagem no continente africano, foram implementadas várias regulamentações de caça; tema internacionalizado desde o final do século XIX, durante a “Partilha da África”, resultando na International Conference for the Preservation of the Wild Animals, Birds and Fishes in Africa (Londres, 1900). Houve conferências durante o século XX também, mas limitadas ao contexto da Conferência de Berlim. O recorte geográfico, bem como o debate acerca dessas práticas, era problemático; isso porque, a referência central envolvia os impérios coloniais, dando destaque à África Subsaariana (1884/1885). Realizado esse contexto dos Direitos dos Animais, podemos entender, nos dias atuais, a ineficácia no que se refere às práticas de caça clandestina e o comércio ilegal (COUTO, 2014, p. 7; MÜTZENBERG, 2015, p. 13).

Dito isso, no início do mês, o governo da África do Sul informou que realizaria mudanças nas políticas de conservação ambiental. Isso implicará na provável mudança do regulamento de 2016, ou seja, irá tornar proibido, novamente, o comércio de rinocerontes e de presas de elefante. Além disso, a tolerância à criação de leões em cativeiro, eventualmente, será revisada. Uma vez que, segundo a organização não-governamental WildAid, entre 8000 a 12000 leões sul-africanos, encontram-se em cativeiro - essa prática está relacionada com o suposto uso medicinal de seus ossos, na Ásia, bem como para a indústria de troféus de caça. De forma geral, é possível afirmar que o afrouxamento da vigilância resultou em problemáticas que dificilmente podem ser expressas, ao meio-ambiente (GIANNINI, 2021).



Considerações finais


Em linhas gerais, esperava-se que com as restrições sanitárias, houvesse um afastamento dos caçadores, mas como pudemos notar, isso não foi um problema. Apenas o lucro foi considerado. O aumento dessas práticas está diretamente ligado com a forte redução do turismo nos países africanos, sendo este uma importante fonte de receita em moeda estrangeira. Com efeito, assim que as atividades turísticas voltarem a sua normalidade, os visitantes encontrarão menos animais e maiores níveis de criminalidade. O tráfico da vida selvagem ameaça, gravemente, a conservação e a biodiversidade, colocando em questão, anos de trabalho para manutenção do meio-ambiente. Ameaça, igualmente, o desaparecimento dos símbolos tradicionais mais antigos do continente africano (ANDERSON; JOOSTE, p. 2; GIANNINI, 2021).



Referências Bibliográficas


ANDERSON, BRADLEY; JOOSTE, JOHAN. RESUMO DE SEGURANÇA EM ÁFRICA. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/pdf/resrep26846.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2021.


COUTO, Madyo. Abordagem estratégica para o combate ao tráfico ilegal de fauna e caça furtiva de elefantes e rinocerontes. MOÇAMBIQUE, W. W. F. 2014. Disponível em: <http://awsassets.wwfmz.panda.org/downloads/relatorio_wwf___caca_furtiva___abordagem_estrategica___versao_final_25_junho.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2021.


GIANNINI, Alessandro. A pandemia fomenta a caça ilegal de animais na África. Revista Veja, 7 mai. 2021. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/a-caca-ilegal-de-animais-aumenta-nas-reservas-africanas/>. Acesso em: 27 jun. 2021.


MÜTZENBERG, Bruno Vinícius et al. O emergente preservacionismo transimperial durante o colonialismo na África: a Conferência Internacional para a Proteção da Vida Selvagem (Londres, 1900). 2015. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/156539/336123.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 27 jun. 2021.


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