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O Governo Neozelandês e o Enfrentamento da Pandemia de Covid-19


Hopkins, Hagen. 2020




Como a Nova Zelândia tornou-se uma Referência no controle da Pandemia da COVID-19


Com o surgimento da pandemia do COVID-19, em meados de dezembro de 2019, o mundo mergulhou em um período extremamente desafiador e complexo, o que demandou o máximo de cuidado por parte dos líderes estatais ao lidar com a situação.

No contexto desse fenômeno global, que proporcionou muitas vertentes de análise no Sistema Internacional, chamou atenção, particularmente, a maneira como um mesmo vírus apresentou níveis variados de intensidade em cada país. Foi notável o impacto da postura governamental no enfrentamento do problema das nações, pois a relevância e a elaboração imediata de medidas de contenção foram os fatores determinantes para moderar a impacção na saúde pública, economia, infraestrutura, educação e relações exteriores.

Em contrapartida ao imediatismo na contenção pandêmica, reconhece-se que os países que tardaram a assumir a proporção da situação sofreram com o alto índice de mortes pela doença e com os impactos decorrentes das medidas restritivas de isolamento social que não foram acompanhadas de um suporte governamental adequado para auxiliar na adesão populacional.

Esse contexto, é necessário observar casos mais específicos, como o da Nova Zelândia, pois elucida o cenário caótico do qual o governo neozelandês conseguiu desvincular-se ao enfrentar o problema de saúde pública com seriedade e ética, reconhecendo que o enfrentamento do caso era mais estratégico do que o negacionismo que cegou tantas outras nações, como os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil, na fase inicial da proliferação da doença.


Medidas adotadas pela Nova Zelândia


São diversos os questionamentos feitos quanto a eficácia das medidas adotadas por diferentes governos ao redor do mundo objetivando a contenção do avanço da pandemia em seus territórios. Enquanto os líderes de alguns países insistiram em negar a gravidade da crise, a exemplo de Estados Unidos e Brasil, que implicou em uma imersão profunda na pandemia, números de mortos sem precedentes e maior extensão da crise, países como a Nova Zelândia reconheceram rapidamente o potencial destrutivo do vírus, o que levou seus governantes a tomarem providências mais enérgicas objetivando a contenção da pandemia em um curto espaço de tempo e conter os possíveis danos para a saúde de seus habitantes e para a produtividade econômica nacional.

Evidentemente, quando comparamos países com dimensões continentais como Brasil e EUA com países consideravelmente menores, tanto em número de habitantes quanto em termos de extensão territorial, devemos sempre ter o cuidado de considerar que as realidades são diferentes. No entanto, muitas das ações tomadas pelo governo neozelandês, especialmente no que tange o reconhecimento rápido do tamanho real da crise, estão mais relacionados a postura do governo e disposição em adotar providências que podem ser consideradas impopulares, mas necessárias independente do tamanho do Estado, pois, ainda que se tenha resultados diferentes devido às particularidades de cada Estado, os números de casos e de óbitos registrados nos EUA e no Brasil indicam que a negação e inércia são ineficazes.

Abordando diretamente as precauções tomadas pelo governo neozelandês liderado pela Primeira-ministra Jacinda Ardern, observamos que o sucesso da empreitada neozelandesa está intimamente ligado, dentre outros fatores, a um bloqueio rápido e eficiente de suas fronteiras com elevado rigor, tendo fechado suas fronteiras em 19 de março de 2020, mesmo tendo apenas 28 casos confirmados de infectados no país (EXAME, 2020). Durante sete semanas, as medidas mais restritivas foram mantidas, acompanhadas pela rapidez na testagem da população, pelo rastreamento de casos e uma comunicação direta e transparente com seus cidadãos, através de lives diárias, o que implicou em um entendimento claro, sem margens para interpretações individuais, que, por conseguinte, fez com que o governo tivesse grande credibilidade com sua população (G1, 2020).

Destaca-se o último tópico, relacionado à comunicação do governo com a população, como vital para qualquer estratégia de enfrentamento a pandemia, pois quando existem dualidades ou mesmo batalhas públicas entre os governantes do país quanto a melhor maneira de enfrentar crises como essa, a população acaba por se dividir e ficar desinformada, sem saber qual caminho deve seguir, gerando resultados catastróficos.

É importante ressaltar que mesmo depois de conseguir o chamado “achatamento da curva”, o país optou por não diminuir as restrições, visto que o objetivo não era apenas a contenção, mas a eliminação completa da curva de contaminação, ou seja, zerar os casos de infectados. Além disso, o governo não limitou suas ações a difundir mensagens informativas à população, pois, simultaneamente, adotou posicionamentos alinhados às políticas implementadas, como quando a Primeira-ministra afastou o então ministro da saúde do país, David Clark, por não respeitar as restrições implementadas pelo governo. Por fim, o governo também reduziu os salários de seu gabinete em 20%, com o intuito de preservar as contas públicas, visto que é necessário grande alocação de recursos para lidar com a pandemia. (G1, 2020).


A Ética do cuidado aplicada na Liderança de Jacinda Arden


No que tange o contexto político neozelandês durante o Covid-19, a liderança da primeira-ministra, Jacinda Arden, foi um dos aspectos mais elogiados pela mídia, opinião pública e especialistas. Em relação a sua competência política, Kobori e Sanches (2021), analisaram a gestão de Arden através da perspectiva da Ética do Cuidado, uma teoria elaborada por Carol Gilligan (1993) baseada em elementos dos Estudos da Paz.

Antes de justificar a correlação entre Arden e a Ética do Cuidado, é imprescindível esclarecer o papel das teorias na compreensão de certos eventos. No caso em questão, o enaltecimento de uma liderança feminina como exemplo global de eficiência na contenção de uma crise que pôs à prova a diligência de diversas grandes potências, é essencial para romper paradigmas patriarcais de senso comum que são tidos como verdades absolutas, ainda que não tenham vínculo algum com eventos reais, tais como o misticismo da incompetência feminina para lidar com assuntos racionais.

Em suma, Carol Gilligan (1993), critica o pensamento hegemônico de que a lógica, a racionalidade e a autonomia são os únicos – ou os mais importantes – critérios para o desenvolvimento. A autora pontua a “Ética do cuidado” como um qualitativo dos valores que são tidos como “femininos”, ao ressignificar características que são tidas como próprias das mulheres, tais como a empatia e a compaixão – sentimentos menos aflorados nos homens, segundo o pensamento kantiano – chamando atenção para a responsabilidade nas relações como sendo algo mais importante do que o desfecho das regras.

Baseado em tal preceito, Kobori e Sanches (2021), contextualizaram o fenômeno de gênero com a habilidade política de Arden, não a pondo em um pedestal, apenas ressaltando como a primeira-ministra lidou com a crise sem abdicar das características tidas como “femininas” e comumente repudiadas em relações políticas. Por exemplo, dentre as medidas introduzidas pelo governo no início da pandemia ressalta-se que: “As instruções à população foram traduzidas de forma clara e objetiva, trazendo protocolos de ação, dependendo da situação de contaminação causada pela Covid-19.” (KOBORI, SANCHES, 2021, p. 4).

Concisamente, o controle neozelandês da Covid-19 não contou exclusivamente com medidas institucionalizadas de contenção do vírus, desde o início houve a preocupação de conscientizar a população e esclarecer a gravidade da situação, através do Sistema de Níveis de Alerta, instruções lúcidas e políticas públicas que sustentassem e viabilizassem a execução de Lockdowns bem aplicados. Ademais, para que o exemplo do sucesso da Jacinda Arden não seja visto como um caso exclusivo, Kobori e Sanches (2021), também analisam a atuação da Chanceler alemã, Angela Merkel, que foi compassiva em sua gestão da crise.


O papel da comunicação nas Medidas Preventivas


Conscientizar a população foi uma estratégia que demandou esforço por parte dos agentes políticos, afinal, propagar uma vasta quantidade de informações, de maneira clara e simples, em meio a um contexto em que as descobertas e contradições acerca do fenômeno são constantes, não é uma tarefa fácil.

Além disso, a Nova Zelândia começou a implementar restrições e orientações de isolamento quando ainda não se tinha um alto índice de mortalidade ou países sucumbindo ao desespero de uma má gestão. De maneira que, questionar a cautela de Arden ou ir contra suas decisões, seria inevitável caso os cidadãos não estivessem cientes da gravidade da situação que estava por vir.

Para comunicar com eficiência e clareza, o governo estabeleceu uma linha do tempo do sistema de Níveis de Alerta, que era alterado de acordo com as mudanças na situação de contenção e combate do vírus, ademais, era disponibilizado um guia de regras, denominado “COVID-19 Compliance”, que era atualizado com novas orientações de acordo com cada nível estabelecido e foi elaborado um mecanismo para que a população denunciasse o descumprimento das normas de prevenção.


Em junção com a comunicação, estava a assistência governamental, aplicada da seguinte maneira:


Além de todas estas medidas, o governo da Nova Zelândia desenvolveu um App para fazer o rastreamento da população. O serviço, disponível para Android e IOS, pode ser acessado pela população na loja de Apps do celular e baixado gratuitamente. O serviço consiste em manter um diário de localização e contatos do usuário. Os ambientes corporativos e comércios são encorajados a criar os QR Codes para que as pessoas façam a leitura e gravem a informação de passagem por aquele ponto. Desta forma, quando há uma contaminação fica mais fácil identificar os locais por onde aquele paciente passou e com quem teve contato. Assim, é possível identificar pessoas que devem ser colocadas em quarentena e precisam passar por testagem da doença. (KOBORI, SANCHES, 2021, p. 7-8)

Destaca-se que as pessoas em situação de vulnerabilidade social não foram negligenciadas, tanto os neozelandeses quanto os imigrantes – contemplando também aqueles que estivessem no país mediante visto temporário – que não tiveram condições de se manter por si só, receberam auxílio financeiro do governo. Essa medida de suporte econômico não foi exclusiva da Nova Zelândia, afinal no Brasil também foi providenciado o “Auxílio Emergencial”, contudo os políticos neozelandeses foram ainda mais detalhistas ao estender o benefício para o suporte de negócios, comunidades e clubes.


Resultados Obtidos


A postura e ações adotadas pelo governo neozelandês tiveram resultados impressionantes, o que proporcionou que o país tivesse o privilégio de retornar a velha “normalidade” pré-pandemia, pelo menos em seu âmbito interno, além de ter implementado um sistema bolha, abertura parcial das fronteiras para um único país ou um número limitado de países, tornando possível as viagens com a Austrália que obteve resultados similares na contenção do avanço do vírus. Dentre as atividades retomadas, está o funcionamento normal de bares e restaurantes que podem operar em capacidade máxima; casas noturnas frequentadas no mesmo volume de antes da pandemia; hotéis e o comércio, em geral também podem operar normalmente e voltam a receber visitantes, as escolas e universidades também seguem em amplo funcionamento, sem restrições (VEJA, 2021).

Mais do que uma abertura completa dos setores mencionados, a população também mostra que está se sentindo confortável para frequentar eventos esportivos e concertos em geral, que contam com lotação máxima, além de não serem mais obrigados a utilizar máscaras, que passaram a ser sugeridas em transportes públicos e em aviões. O medo de abraçar, beijar, dar as mãos ou ter qualquer tipo de contato físico parece ter ficado no passado, os cidadãos podem agora usufruir completamente das atividades em conjunto da vida cotidiana sem receios (VEJA, 2021).

Mesmo que a nível global a pandemia ainda demonstre estar longe de ser vencida, para os neozelandeses resta apenas a necessidade de permanecerem vigilantes quanto à possível entrada de pessoas contaminadas em seu território, com especial foco nas necessidades econômicas do país, cuja economia é fortemente sustentada pelo turismo.


Conclusão


Em suma, compreender a trajetória política da Nova Zelândia durante a crise global de Covid-19 proporciona uma base de comparação positiva no cenário internacional. Apesar de não ter sido o único país a se destacar na contenção pandêmica, sendo a China um dos exemplos de administração pública aclamados pela sua eficácia, o contexto neozelandês se destaca em certos aspectos.

Dentre eles estão a rapidez no reconhecimento do problema e a elaboração de medidas preventivas para ação imediata, afinal, a relutância em reconhecer a gravidade da situação quando ainda não se tinha um alto índice de mortes foi um dos fatores que contribuíram para o aumento da proporção global que a pandemia alcançou. Quando se propõe uma comparação entre a eficiência da China e a da Nova Zelândia na gestão pública da crise, destaca-se uma importante diferença entre as nações: A responsabilidade chinesa na contenção do vírus era uma expectativa mundial, já que foi o seu Estado de origem e a saúde da população estava em risco iminente. Já a postura neozelandesa foi certeira em relação à percepção da gravidade do fenômeno, ainda que não houvesse uma cobrança implícita por parte do Sistema Internacional.

A conjuntura acima foi proposta com o intuito de esclarecer o porquê de a Nova Zelândia está sendo retratada com clamor, embora não tenha sido o único exemplo de nação eficiente no combate pandêmico, ressaltando o que levou o país e o governo local a adquirir o status de Estado referência no controle do vírus.

Ademais, a correlação proposta entre a Primeira-ministra Jacinda Arden e a Ética do cuidado, foi essencial para evidenciar o exemplo prático de um argumento constantemente debatido pela Teoria Feminista nas Relações Internacionais, que é justamente a construção de um panorama global mais inclusivo. Nesse ponto, a gestão de Arden é útil ao elucidar a funcionalidade de uma política que não replica necessariamente os modelos tradicionais de racionalidade, mas se mescla com a responsabilidade nas relações e na empatia - preceitos associados ao gênero feminino - para prover gestão pública de qualidade em meio à crise.


Referências Bibliográficas


COHEN, Sandra. Entenda como a Nova Zelândia se livrou da pandemia. G1, São Paulo,8 jun. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/blog/sandracohen/post/2020/06/08/entenda-como-a-nova-zelandia-se-livrou-da-pandemia.ghtml. Acesso em: 21 maio 2021.


GILLIGAN, Carol;. In a Different Voice: Psychological Theory and Women's Development. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, pp . 24-39.1993. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/j.ctvjk2wr9>. Acesso em: 21 de maio de 2021.


KOBORI, Nayara; SANCHES, Priscila. Ética do Cuidado retratada na mídia: as estratégias de combate a Covid-19 por lideranças femininas. Meistudies, [S. l.], p. 1-17, 12 nov. 2020. Disponível em: http://meistudies.org/index.php/cmei/3cime/paper/view/772/566. Acesso em: 21 de maio de 2021.


OLIVEIRA, Rafaella. Nova Zelândia vence o coronavírus e mostra o futuro que desejamos. VEJA, São Paulo, 2 abr. 2021. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/nova-zelandia-vence-o-coronavirus-e-mostra-o-futuro-que-desejamos/>. Acesso em: 21 maio 2021.


YOSHIDA, Ernesto. Nova Zelândia é o país que melhor lida com a covid-19, diz pesquisa global. EXAME, São Paulo, 23 dez. 2020. Disponível em: <https://exame.com/mundo/nova-zelandia-e-o-pais-que-melhor-lida-com-a-covid-19-diz-pesquisa-global/>. Acesso em: 21 maio 2021.



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