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O Imperialismo das Vacinas e a Crise Humanitária do Haiti




Resumo


O presente artigo visa analisar como a atual crise política e humanitária do Haiti está afetando a situação da pandemia no país, sendo um dos países com os menores índices de vacinação do continente, e como a exportação brasileira de vacinas para toda a América Latina irá contribuir para o combate à pandemia no Haiti, tendo em vista que grande parte dos países emergentes vivenciam a insuficiência de vacinas para a população.


Palavras-chave: Haiti. Vacina. Poder.



Introdução


O Haiti possui um grande histórico de instabilidade política e crises humanitárias, passando por diversos golpes de Estado desde a instauração da democracia no país em 1986, até então comandado pela ditadura dos Duvelier. No continente americano, o Haiti é o país com maior número de governos no menor espaço de tempo, com mais de 20 governos diferentes em 35 anos, o que o caracteriza como uma democracia ainda jovem e muito frágil.

A crise politica atual se caracteriza principalmente pelo assassinato do ex-presidente de caráter autoritário, Jovenel Moise em 7 de julho de 2021, que havia assumido o poder em 2017. Além da onda de violência e insegurança pública vivida pelo país, em agosto de 2021 ocorreram dois grandes terremotos, considerados de maior magnitude que o ocorrido no país em 2010.

A questão da concentração de vacinas nos países mais ricos e a falta delas, nos países emergentes é um problema eminente, tal como alguns analistas denominam o fenômeno de ‘’apartheid de vacinas’’. O Haiti, com 11 milhões de habitantes, possui o mais baixo índice de vacinação das Américas, com apenas 0,06% da população totalmente vacinada. No entanto, um novo acordo estabelecido no Brasil com a empresa estadunidense Pfizer, inclui a produção da vacina em território brasileiro e sua exportação para toda a América Latina, que contribuirá para a melhor distribuição de vacinas nos países mais necessitados do continente, como o Haiti e a Nicarágua, que possui apenas 3% da população totalmente vacinada. É fato também que tal iniciativa aumentará significativamente a influência dos EUA na região, através da distribuição feita pelo Brasil.



Contexto haitiano e a diplomacia das vacinas


O Haiti de Jovenel Moise no Haiti (2017 - 2021) estava sendo governado através de um decreto desde o início de 2020, após o presidente dissolver o Parlamento, em um clima de denúncias de corrupção e grande revolta da oposição. Seu governo era caracterizado pela ampla e agressiva repressão aos opositores em manifestações, pelas tentativas de manipular a Constituição para possibilitar sua reeleição e governar por mais 5 anos, além do alto crescimento da violência e insegurança em seu governo.

Tal autoritarismo é típico de Estados com passado colonial e corrupção enraizadas, que atualmente possuem instituições democráticas recém-formadas e que se abalam com certa facilidade como no Haiti: de forma frequente em sua história, o país passou por diversas rupturas de governos, líderes autoritários, conflitos locais causados pela polarização política e intervenções internacionais. A situação política do Haiti é somada aos desastres naturais que assolam a população, como os terremotos em agosto deste ano que deixaram mais de 2 mil mortos.

Portanto, em um momento de total instabilidade e crise profunda, o país encontra mais dificuldades do que seus vizinhos em superar a pandemia de Covid-19. Internacionalmente, o Haiti é um país praticamente isolado, que não atrai grande contingente de estrangeiros, tanto pelos desastres naturais quanto pela recente onda de violência nas ruas e desordem nacional, o que se agravou após o assassinato de Moise com a iniciativa da República Dominicana em fechar suas fronteiras com o Haiti. Esse isolamento explica o fato de o país ter apresentado baixa perpetuação do coronavírus em território nacional, quando comparado aos vizinhos, obteve baixo índice de fatalidades por Covid. Segundo dados da OMS, do dia 6 de setembro de 2021, afirma-se que o Haiti não teve número expressivo de vítimas de Covid, totalizando 588, o que pode ser explicado pelo país ter a economia mais fraca do continente e, somado ao caos social e político, o aumento do isolamento do país se torna evidente, pois, em comparação com os vizinhos menos populosos e menos instáveis como a Costa Rica e o Panamá, o vírus foi muito mais fatal do que no Haiti.

Em meio a este contexto, é possível compreender o porquê de o país estar lento e quase inoperante em relação à vacinação, apresentando o menor índice do continente, com apenas 0,06% da população totalmente vacinada, o que corresponde a aproximadamente 6 mil haitianos até 31 de agosto de 2021, segundo dados do Our World in Data. Devido à ausência ou insuficiência de recursos e tecnologia, o chamado ‘’sul global’’ ou países emergentes, ficam dependentes dos países detentores da tecnologia e poder internacional como EUA, China, Reino Unido e Rússia para imunizar sua população. Tal fenômeno é explicado por Joseph Nye e Robert Keohane na teoria da Interdependência Complexa, onde se define poder como a influência de um ator em convencer outros a fazerem sua vontade, com a habilidade de afetar os resultados. Em um mundo globalizado como o atual, as redes econômicas e políticas entre os países geram interdependência e, consequentemente, a cooperação, mas nem sempre os benefícios serão iguais para as partes, o que a torna uma relação assimétrica, pois, uma das partes tende a ganhar mais do que a outra. Sendo assim, essa relação se torna uma fonte de poder do Estado mais forte.

Segundo Nye, o poder que gera interdependência é o poder brando, mais conhecido como soft power, que se caracteriza pelo Estado obter influência através da ‘’propaganda’’ que gera imagem positiva, torna atraente para o mundo seus valores, ideias e costumes. O soft power está normalmente associado ao entretenimento, como música e cinema, mas no cenário de pandemia, a interdependência ocorre com o desenvolvimento e distribuição de vacinas dos Estados poderosos para os mais fracos. Devido à necessidade de combater o vírus, essa dependência e cooperação é benéfica para todas as partes, mas é evidente que sua distribuição pelo mundo é falha, pois países como o Haiti no momento não possuem vacina nem para 1% da população, enquanto outros possuem grandes excedentes de doses. Apesar de a cooperação nesse momento ser inquestionável, os Estados seguem primeiramente seus interesses e prezam pela própria sobrevivência, pois, após a maior parte de sua população estar imunizada, seus excedentes de doses são enviados para os países mais pobres e que não produzem vacinas.

Após o Brasil também ter enfrentado problemas em relação ao abastecimento de vacinas, um acordo foi anunciado em 26 de agosto entre a Pfizer e a farmacêutica brasileira Eurofarma, para produção da vacina em território brasileiro e sua exportação para toda a América Latina. Isso permitirá que a vacina chegue até lugares onde havia chegado em quantidade insuficiente, nos países da América Central, uma das regiões do mundo mais carentes de recursos no combate à pandemia e onde existem as menores taxas de vacinação. Com isso, a Pfizer afirma que pretende expandir seu mercado, assim como ampliar e tornar igualitário o acesso às vacinas na América Latina, o que demonstra o poder de atração pacífica dos EUA, pela iniciativa que trará mais segurança e irá auxiliar na superação da pandemia no país.



Considerações finais


O Haiti como um dos países mais instáveis politicamente da região da América Central e que enfrenta tragédias naturais, além da própria pandemia, necessita de uma atenção especial em relação ao fornecimento de vacinas para não se manter isolado do mundo e impotente sobre o vírus, assim como muitos de seus vizinhos que também estão em meio à pandemia sem recursos.

Em relação ao abastecimento, é esperado que a contribuição vinda do Brasil resulte em efeitos muito positivos na região, com a melhoria do bem-estar geral da população, através do grande instrumento de soft power dos EUA que impactará principalmente a região caribenha.

A chamada diplomacia das vacinas envolve a disputa geopolítica entre as grandes potências, com destaque para EUA e China, com o intuito de fortalecer suas relações com o mundo através das vacinas, estabelecendo ou resgatando laços para conquistar, ou manter áreas de influência globais. Nesse contexto, a ausência de estrutura de combate à pandemia em países emergentes é suprida pela contribuição, ainda que autocentrada, dos Estados dominantes.



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