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O Papel das Escolas Religiosas Canadenses no Processo do Genocídio Indígena


Iela.ufsc. 2015





Resumo: Este artigo pretende expor as recentes descobertas de sepulturas de crianças nativas em algumas escolas religiosas em duas províncias do Canadá, e como esses casos se conectam com o genocídio indígena no país que gerou consequências graves para população até hoje.

Palavras-chaves: Escolas religiosas canadenses, sepultura de crianças nativas genocídio, colonização.


Recentemente, escavações foram realizadas no Canadá em algumas de suas províncias, mais especificamente em Saskatchewan e na Columbia britânica, onde foram encontradas covas com restos mortais majoritariamente de crianças de povos originários, os chamados ``first nations``. Essa descoberta, revela o massacre e genocídio cultural vivido pelos nativos durante o século passado com consequências até o presente momento, já que as sepulturas encontradas sem identificação estavam no subsolo em terrenos de escolas católicas para indígenas.

Embora pareça algo distante, remetendo aos períodos da colonização inglesa e francesa no atual território canadense, essas escolas católicas para as crianças indígenas funcionaram no país até a década de 70. O decreto de seu fechamento definitivo em todo o Estado, marcou o fim de um genocídio cultural, pois as crianças eram submetidas a diversos abusos físicos, psicológicos e até mesmo sexuais dentro dessas instituições.

A finalidade dessas escolas era a integração dos povos originários à cultura ocidental, porém ao invés de ocorrer de forma “amigável”, as ações se basearam em opressão e proibição do cultivo da religião indígena, dos costumes, da língua e até mesmo os nomes das crianças deveriam ser mudados dentro desses locais. Além disso, como se não bastasse uma inserção forçada, existia um objetivo maior, de diminuição da população nativa ou ao menos de apagar as manifestações culturais dos mesmos no país, extinguindo sua identidade, após uma "reeducação'' oferecida dentro das escolas.

Todo o processo de captação e de “ensino” dentro dessas instituições eram organizadas pela igreja católica e presbiteriana, financiada pelo governo que deu continuidade às políticas de exclusão da população indígena mesmo depois de deixar o status de colônia britânica. Dessa forma, leis que asseguravam a segregação e o preconceito não perderam a validade e existem na constituição canadense até hoje, embora com alterações e emendas no seu texto original.

Uma das leis mais conhecidas no país é a Indian Act, que foi criada ainda pelos ingleses como forma de controlar a região, estabelecendo desde o primeiro momento, a desigualdade de representação em diretos entre aqueles denominados indígenas e brancos. Durante anos essa lei sofreu modificações e adições que só foram possíveis depois de muita luta e pressão dos nativos para reconquistar cada vez mais seu espaço retirado desde a colonização.

Apesar dos avanços, a população indígena ainda sofre diversas discriminações na sociedade canadense. É muito comum acontecer casos em que a polícia não conclui as investigações ou simplesmente não se empenha em encontrar os culpados pelos desaparecimentos de mulheres indígenas que são encontradas mortas e até mesmo em casos de esterilização forçada em alguns hospitais de diversas regiões do país, ações que são heranças da fase colonial.

Esses acontecimentos, assim como a descoberta desse massacre sistemático dentro das escolas, deixa evidente o processo de genocídio dos nativos conjuntamente a colonização imposta, que visou transformar os indígenas nos chamados “europeus de pele escura”. Pois o objetivo do governo na época era reduzir a população através da esterilização forçada, da restrição de circulação em reservas que depois foram progressivamente diminuídas, e também a proibição de manifestações culturais (festas típicas, línguas, nomes e etc).

Nesse sentido, não é exagero dizer que as escolas tinham um papel fundamental nesse contexto, visto que as crianças eram retiradas de suas famílias à força, e mesmo que os pais tentassem recuperá-las eram impedidos pois a ação era legal perante a lei. Dessa forma, era dado continuidade ao processo de genocídio cultural, onde as crianças eram renomeadas, obrigadas a seguir o cristianismo, posto que suas crenças foram consideradas “profanas”, e evidentemente, era proibido se comunicar na língua nativa dentro desses locais.

É claro que como toda tentativa de apagar e retirar os costumes e identidade de qualquer povo, há sempre resistência, até mesmo nessa situação enfrentada por crianças. Justamente pela dificuldade que os colonizadores religiosos encontraram por parte de muitos dos “alunos”, que os abusos e violência ocorriam, fosse em castigos físicos, verbais e abusos sexuais, que em vários momentos foram elevados ao extremo causando a morte precoce.

Contudo, atualmente existe no governo canadense políticas de investigação, como a comissão nacional da verdade, que analisa a história da relação do país com os nativos e como essa população sofreu um processo de genocídio sem reconhecimento durante muito tempo. Após a descoberta dessas covas não identificadas o premier, Justin Trudeau, reconheceu que esse é um período vergonhoso para o país que permitiu o racismo sistêmico, discriminação e injustiça com a população nativa.

Apesar dos crescentes e recentes esforços para resgatar os terríveis acontecimentos com os indígenas em solo canadense durante anos de colonização e até mesmo depois dela, o país ainda enfrenta diversas dificuldades em relação a isso. Pois, devido a exclusão e discriminação social e jurídica, a pequena parcela existente de nativos vivem em situação de maior vulnerabilidade econômica e social, com maior exposição a violência e a marginalização.

Mesmo num contexto ainda delicado, tornar esses acontecimentos visíveis não somente para o povo canadense, mas também para o mundo é importante para que se tenha o reconhecimento das injustiças cometidas anos atrás que reverberam atualmente. Como foi dito, diversas mudanças essenciais ocorreram há pouco mais de quarenta anos, como a extinção dessas escolas religiosas que silenciou mais de 6.000 crianças de acordo com estimativas de pesquisadores e historiadores.

Portanto, o papel do governo do Canadá em admitir esse momento sombrio da história é fundamental, assim como o reconhecimento do próprio Papa na figura de representante do Vaticano. Tudo isso, para que as estruturas coloniais ainda presentes, aos poucos se dissolvam deixando de lado definitivamente as injustiças e crimes cometidos tanto pelo governo quanto pelas instituições religiosas naquele período.



Referências Bibliográficas


A história ‘horrível e chocante’ de 750 túmulos descobertos em escolas no Canadá. BBC, Brasil, 24 de junho de 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57604661>


FERREYRA, Jaime.CANADÁ revela o genocídio com o qual convive. El País, Brasil, 10 de junho de 2019. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/09/internacional/1560074545_588818.html>


MAIS de 750 covas são encontradas em ex-escolas indígenas no Canadá. Opera Mundi, Nova Iorque, 24 de junho de 2021. Disponível em: <https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/70248/mais-de-750-covas-sao-en>


TAVARES, Elaine.A tragédia indígena no Canadá. IELA, Santa Catarina, 12 de agosto de 2015. Disponível em: <https://iela.ufsc.br/povos-originarios/noticia/tragedia-indigena-no-canada>


VITENTI, Dias Pinto Lívia. Legislação indigenista canadense e poder tutelar: o caso atikamekw. Openedition Journals, 02 de maio de 2017. disponível em: <https://journals.openedition.org/aa/1689#tocto1n3>




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