Uma Questão Humanitária: Uma Análise pra Além dos Muros
- Bruna Dutra Ribas e Maria Thais R. Medeiro
- 23 de jun. de 2021
- 8 min de leitura

Arias, Guilhermo. 2019
Resumo
O fluxo migratório na fronteira México-Estados Unidos é um tema recorrente no âmbito internacional. Dessa forma, o presente artigo busca analisar as dinâmicas ocorrida na região fronteiriça e como essas dinâmicas resultaram em uma crise humanitária.
Palavras-chave: Fronteira México-Estados Unidos, Migração, Crise, Integração, Xenofobia,
Narcotráfico.
Ao longo da história da civilização humana, a migração sempre foi um tema recorrente com características particulares, determinada sempre, pelo contexto que está inserido, gerando diversos impactos aos países envolvidos. Todavia, na região da fronteira do México com os Estados Unidos a migração tem sido contínua, independe das políticas adotadas pelos dois Estados, como afirma Durand
“Ninguna corriente migratoria a la Unión Americana, que provenga de un solo país, ha durado más de cien años, salvo el caso mexicano” (DURAND, 2000, p. 19).
“Nenhuma corrente migratória aos Estados Unidos, que venha de um só país, durou mais de cem anos, exceto o caso mexicano" (DURAND, 2000, p.19, tradução nossa).
Essa análise feita por Durand quanto ao processo de migração fronteiriço na região é de extrema importância para entender a raiz dos problemas migratórios da região da fronteira México-Estados Unidos.
Os círculos migratórios dessa região é composto por seis etapas, tendo a primeira se iniciado no ano de 1848 indo até 1920. A partir desse período a fronteira entre os dois Estados foi definida por meio de uma série de conflitos que terminou com a ratificação do tratado Guadalupe-Hidalgo, onde o México “cedia” parte de seu território que equivalia a região da Califórnia, Arizona, Novo México e do Texas aos EUA, por uma quantia irrisória. Nesse contexto, milhares de famílias foram separadas por um fronteira, gerando um choque cultural na região visto que, uma quantidade de pessoas foram obrigadas a aderir a cultura dos Estados Unidos.
O pós-modernista Walker (REZENDE,2010), vai criticar diretamente essa ideia de Estado como fronteira, defendendo que a fronteira define a existência do homem sobre práticas discursivas que criam hierarquias entre os seres humanos e gera discursos preconceituosos como xenofobia e racismo. Por outro lado, de um ponto de vista crítico, novamente ele afirma que, os Estados modernos agem dessa forma somente para garantir a sobrevivência dos seus povos e por consequência o continuo exercício cultural no seu território se manterá vivo. Walker utiliza do mesmo argumento para justificar as guerras, no entanto, ainda nessa etapa outros conflitos internos impulsionaram ainda mais a migração na região fronteiriça, como os da Revolução Mexicana (1910) e Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
"Apenas no Estado é que os indivíduos tornam-se sujeitos e cidadãos, e somente como cidadãos, dotados de direitos e deveres, é que eles se viabilizam como seres humanos. Nessa representação do mundo, o pertencimento dos indivíduos a um Estado e sua localização dentro de um território nacional demarcado definem a sua existência e identidade. Daí a importância para o Estado de sua prerrogativa em "produzir fronteiras": delimitar quem está dentro ou fora delas. O discurso do espaço do Estado exclui e inclui práticas e corpos, delimitando o próprio sujeito moderno." (REZENDE, 2010. Pg 56)."
A segunda etapa, de 1920 a 1941, é conhecida como a etapa das “deportações”, resultado das crises econômicas enfrentadas pelos Estados Unidos e pela comunidade internacional. A aprovação da lei seca nesse período aumentou ainda mais a fiscalização estadunidense e abriu portas para o tráfico de bebidas alcoólicas do México para os EUA. A terceira etapa, denominada “trabalhadores braçais”, ocorreu entre 1942 a 1964, momento em que milhares de mexicanos serviram de mão de obra ao país que emergia como hegemonia mundial num cenário pós-guerra (1945).
A quarta etapa ocorreu de 1965 a 1986, e ficou conhecida como período da “ilegalidade”, pois os Estados Unidos colocou um ponto final no convênio de trabalho braçais mexicano e começa a controlar o fluxo migratório por meio de duas medidas políticas. A primeira medida (1969), dirigida pelo governo Nixon, tinha o objetivo de controlar o narcotráfico por meio do fechamento virtual da fronteira México-EUA e fiscalização de qualquer veículo que cruzava a fronteira. A primeira medida não surtiu muito efeito, visto que, as facções criminosas criaram outras rotas para cruzar os Estados Unidos, fator que contribuiu para a criação da segunda medida (1985), que mantinha os mesmo objetivos da primeira, mas visando um ato de represália aos assassinatos dos agentes estadunidense em solo mexicano.
[...] dar por terminados los convenios braceros en 1964 y optó por controlar el flujo migratorio con tres tipos de medidas complementarias: la legalización de un sector, bajo el sistema de cuotas por país, la institucionalización de la frontera que dificulta el paso y la deportación de los que no tuvieran sus documentos en regla.” (DURAND,2000, p. 21).
A quinta etapa foi caracterizada pelo relaxamento da fronteira, ela se estendeu de 1987 a 1994, e nesse período, ocorreu uma reforma migratória conhecida como Ata para a Reforma e Controle da Imigração (1986), que previa a legalização de mais de dois milhões mexicanos radicados nos EUA. Por fim, a sexta etapa (1994 - até os dias atuais) é a fase que se caracteriza como mais conflitante entre os dois Estados, mesmo com a criação do NAFTA (1994), que previa a integração econômica entre o México, Estados Unidos e Canadá. Entretanto, essa integração foi contraditória por conta da intervenção social que os EUA afirmaram construindo um muro em San Diego que posteriormente se estendeu por outras fronteiras, porém é inexistente esse tipo de construção entre os Estados Unidos e o Canadá.
Após a edificação dos muros estima-se que milhares de pessoas de todos os lugares do mundo tentaram entrar no país de forma ilegal com objetivo de construir o tão famoso “american dream”, que é totalmente contraditória com a enorme desigualdade social vivida pelos estadunidenses. Estima-se também que, milhares de pessoas conseguiram burlar as barreiras vivendo de forma ilegal no país, com condições de vida precárias, sem acesso a saúde de qualidade, a empregos e ainda com o constante medo de serem deportados. Mesmo assim, cercados de medos e insegurança as pessoas não param de migrar junto ao sonho de construir uma vida melhor. Para o relator especial das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os Direitos humanos, Philip Alston a “terra de oportunidades” está se tornando a terra dos desiguais.
A quantidade de pessoas que morrem durante a travessia da fronteira é absurda, pois além de enfrentar as barreiras naturais que cercam a localidade, os migrantes também encaram um território de extrema violência. A região fronteiriça do México com os EUA é praticamente dominada pelo tráfico e são esses próprios grupos de narcotraficantes os encarregados pela migração clandestina. Os chamados “cartéis” atuam como uma espécie de guia para os migrantes, que pagam uma quantia alta para serem guiados, principalmente pelo deserto do Arizona, que é responsável pela morte de mais de 7 mil pessoas ao longo das últimas décadas, segundo os dados da US Border Patrol.
“A US Border Patrol registrou mais de 7 mil pessoas mortas no deserto do Arizona ao longo das últimas duas décadas.” Reportagem de Sandro Aguilar, publicada por En El Camino, 22-07-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.(Instituto Humanitas Unisinos).
Os conflitos entre os traficantes colocam a vida dos migrantes num perigo ainda maior, já que muitos deles são sequestrados e obrigados a transportar drogas durante a travessia, correndo o risco de morte caso se oponham de alguma forma a realizar o ato criminoso. Como ocorreu em 2010, onde um grupo de 72 imigrantes foram mortos ao se recusarem a trabalhar como capangas para os traficantes. O único sobrevivente da chacina contou em seu depoimento que o grupo de imigrantes era formado por brasileiros, hondurenhos, salvadorenhos e equatorianos, ademais, ele revelou também que os traficantes se identificam pelo Cartel Los Zetas, um dos maiores grupos de narcotráfico da região.
Por outro lado, os conflitos ideológicos formados a partir da construção do muro fronteiriço é uma afirmação de divisão social, onde a América Latina é rebaixada novamente, pois evidencia a divisão entre os mundos “desenvolvido” o "subdesenvolvido". Com o Governo Trump (2017-2020), a divisão ficou mais clara e se refletiu no aumento do número de imigrantes mortos na região da fronteira dos EUA com o México, consequência do discurso do ex-presidente que reforçava um modelo conservador, anti-globalista e economicamente nacionalistas, frisando a desconfiança e desagrado com a presença dos mexicanos, o que resultou no aumento de práticas xenofóbicas no país.
Um dos casos mais chocantes que evidenciou o descaso do ex-presidente com a vida humana, ocorreu no seu segundo ano de mandato, onde Óscar de 25 anos e sua filha, uma
criança de 32 meses, morreram afogados na margem do rio Grande, que faz fronteira com o Estados do Texas. Óscar, também viajava com a esposa e após o silêncio do governo americano quanto ao seu pedido de asilo, o jovem pai se viu em desespero e resolveu atravessar a família pelo rio Grande, contudo sua filha acabou caindo e ele ao tentar ajudar foi pego pela correnteza. O presidente, Nayib Bukele de El Salvador, país de origem dos mortos, declarou a sua tristeza diante da situação e assumiu as despesas de repatriação dos corpos das vítimas e o custo do funeral, além de prestar assistência à esposa do falecido, que acabou não recebendo o devido amparo do governo americano.
“Um dia vamos terminar de construir um país em que a migração seja uma opção e não uma obrigação, enquanto isso vamos fazer o que pudermos. Deus nos ajude" (Nayib Bukele).
Após a morte de Óscar e sua filha, o descaso com os imigrantes repercutiu de tal forma que a advogada Elora Mukherjee, diretora da clínica de Direito dos Imigrantes da universidade da Columbia, denunciou o centro de acolhimento a crianças imigrantes. A advogada relatou que nunca tinha presenciado algo tão desumano em seus anos de carreira, ressaltando as condições precárias em que vivem as crianças imigrantes. Contudo, mesmo diante a críticas o governo estadunidense continuou com a política de “tolerância zero” contra a imigração ilegal. Essa política era tão repressora que separava as crianças de seus pais em detenções específicas.
"As crianças estavam famintas, sujas, doentes, assustadas e todas as que eu entrevistei estavam detidas por mais do que as 72 horas limitadas por lei. As crianças não tinham acesso ao sabão para lavar as mãos. A maioria não tomava banho havia semanas, desde que cruzaram as fronteiras. (...) Suas roupas estavam sujas de fluidos humanos, de catarro e muco. Suas calças tinham urina." (Elora Mukherjee).
Com o fim da era Trump, o processo de imigração na fronteira dos EUA com o México se viu sob outra perspectiva, principalmente com os discursos contrários a deportação de Biden, que beneficiaria mais de um milhão de hondurenhos e guatemaltecos que sofreram com os danos causados por dois furacões. No entanto, na prática seu discursos cheio de promessas acabou sendo contraditória, pois o presidente estadunidense não apresentou um plano que estruturasse essa nova fase, por outro lado, a sua postura inicial em relação a migração gerou o aumento do fluxo migratório na região fronteiriça, em plena pandemia. Diante da crise Biden, seguiu com a política de expulsar os migrantes ilegais de volta ao território mexicano, como na era Trump.
Por fim, a migração internacional é uma realidade na história dos países desenvolvidos e para os Estados Unidos isso não é diferente, principalmente pelos fatores históricos da demarcação das terras que compõem a fronteira México-Estados Unidos. É inegável que a separação forçada da sociedade gerou esse fluxo contínuo na região, além dos fatores de diferença econômica, mas por outro lado, é importante ressaltar que, em virtude desses processos, os mexicanos sofrem com a falta de aceitação por parte dos americanos. Nesse sentido, é necessário que a região receba a devida assistência da comunidade internacional, visto que, pela alta quantidade de mortes tratadas com descaso, em pleno século XXI, representa claramente uma crise humanitária negligencia.
Referências Bibliográficas
DURAND, Jorge. Tres premisas para entender y explicar la migración México-Estados Unidos. Guadalajara: Relaciones, n. 83, v. XXI, 2000.
RESENDE, Érica Simone Almeida. A crítica Pós-Moderna/Pós-estruturalistas nas Relações
Internacionais. Universidade Federal de Roraima - UFRR, 2010.
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OS MORTOS QUE NINGUÉM VÊ NA FRONTEIRA DO MÉXICO COM OS ESTADOS UNIDOS. INSTITUTOS HUMANISTA UNISINOS. Rio Grande do Sul, agosto de 2010. Acessado em julho de 2021. Link e de acessos<http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591689-os-mortos-que-ninguem-ve-na-fronteira-do-mexico-com-os-estados-unidos#>
A TRÁGICA HISTÓRIA POR TRÁS DA FOTO DE PAI E FILHA AFOGADOS AO TENTAR CRUZAR A FRONTEIRA DOS EUA. BBC NEWS, São Paulo, Junho de 2010. Acessado em julho de 2021. Link e de acessos<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48769511>
OS NÚMEROS E MEDIDAS QUE REVELAM O TAMANHO DA CRISE NA FRONTEIRA ENTRE EUA E MÉXICO. BBC NEWS, São Paulo, Junho de 2010. Acessado em julho de 2021. Link e de acessos<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48775935>
GOVERNO BIDEN MA DEFENSIVA DIANTE DE SUA PRIMEIRA CRISE DE IMIGRAÇÃO. ESTADOS DE MINAS. Minas Gerais, março de 2021. Acessado em julho de 2021. Link e de
acessos<https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/03/21/interna_internacionl,1249063/governo-biden-na-defensiva-diante-de-sua-primeira-crise-de-imigracao.shtml>
NADDI, Beatriz Walid de Magalhães. BELLUCCI, Vítor Prevedel. Fronteira México-Estados Unidos: Uma panorama geral. Revista InterAcão, 2014.
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