Venezuela Como Alvo do Cenário Internacional: um País, Diversas Crises
- Isabela Couto Goncalves e Lucas Rocha Barbuda de Matos
- 12 de out. de 2021
- 10 min de leitura
Atualizado: 14 de out. de 2021

Resumo
É notório dizer que a Venezuela tem sido uma das pautas mais relevantes da América do Sul nos últimos anos, sendo assim, o artigo preza uma breve análise histórica e, posteriormente, mais atual de sua conjuntura, trazendo visões sobre a forte crise que o país enfrenta, estando ela vinculada à fatores políticos, econômicos e sociais. O país traz para a pauta internacional um forte exemplo de país em desenvolvimento totalmente dependente.
Palavras-chave: Venezuela, crise, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, petróleo.
Abstract
It is notorious to say that Venezuela has been one of the most relevant targets for news in South America in recent years, thus, the article provides a brief historical analysis and, later, a more current analysis of its situation, bringing views on the strong crisis that the country is facing, being it linked to political, economic and social factors. The country brings to the international agenda a strong example of a totally dependent developing country.
Keywords: Venezuela, crisis, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, oil.
Introdução
Como parte integrante da América hispânica, a Venezuela pouco agregou em termos de riqueza. Em 1920, não obstante, com a descoberta de petróleo no país, este se tornou essencial no tabuleiro de xadrez energético mundial, sendo, inclusive, o país com as maiores reservas de petróleo do mundo. Com isso, toda a economia venezuelana foi centralizada no petróleo, criando uma dinâmica que define o país.
Na década de 90, o modelo focado no petróleo apresentou alguns sintomas mórbidos, como a desigualdade gritante e uma pobreza altíssima no país, movimentando o cenário social no país. O Caracazo, a maior manifestação de indignação popular do país, é simbólico como um ponto de inflexão no país, abrindo as portas para a desestabilização do país em todos os âmbitos. Nesse cenário, desponta Hugo Chávez, com um discurso de alto apelo ao povo - muitas vezes populista - e de garantia de direitos sociais, abrindo uma nova era no país, cheia de revezes e avanços.
Atualmente, a Venezuela é um país que se mantém no noticiário internacional, dadas suas sucessivas crises - políticas e econômicas - e por ser um ponto sensível na América do Sul. A sensibilidade do país se dá, principalmente, por ser um país socialista na América do Sul e por ter uma proximidade histórica com os Estados Unidos, tanto em termos econômicos quanto em políticos. Assim, entender a Venezuela é entender a América do Sul, de modo que o foco do artigo é entender o passado do país e a atual conjuntura.
História Venezuelana
A Venezuela fez parte da América hispânica, isto é, foi uma colônia espanhola na América, tendo um passado de extermínio de povos indígenas e uma economia predominantemente agrária e para exportação (PAIVA, 2011). Em 1811, após profundos conflitos e guerras, o país se tornou independente - o primeiro da América Latina -. Em termos reais, não obstante, pouco se modificou em termos econômicos, mantendo o padrão econômico de monoculturas - especialmente café e cacau - para exportação (PAIVA, 2011).
Em 1920, durante o governo de Juan Vicente Gómez, foi descoberto petróleo no país, gerando uma mudança estrutural na economia do país, colocando o “ouro negro” em posição de destaque nas exportações venezuelanas (PAIVA, 2011). Mais do que isso, vários países criaram expectativas sobre o petróleo venezuelano, investindo, direta ou indiretamente no petróleo venezuelano. É preciso dizer que o principal importador de petróleo venezuelano era os Estados Unidos, criando uma demanda massiva e considerável do produto.
Paiva argumenta que isso gerou uma situação de dependência da Venezuela em relação aos Estados Unidos. Estes, desenvolvidos e com alta capacidade industrial, utilizavam o petróleo venezuelano para produzir bens com maior valor agregado, exportando-os para a Venezuela, demonstrando uma estrutura desigual de ganhos.
Em 1945 e 1948, a Venezuela foi palco de dois golpes de Estado, de modo que, no último, um nome fundamental foi Marcos Pérez Jiménez, o qual, sob permissão e apoio da junta militar que realizou o golpe, se tornou presidente da Venezuela. Em linhas gerais, pode-se afirmar que ele foi ditador, agindo com autoritarismo contra opositores e adotando políticas econômicas de bastante intervenção e construção de grandes obras públicas. Não obstante, dada a constante oposição e mobilização popular, Jiménez foi derrubado em 1958.
Em 1958, foi firmado um acordo entre os dois principais partidos da Venezuela, o Social-Democrata Ação Democrática (AD) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI), de não contestar o resultado das eleições quando um deles for eleito. Esse acordo foi chamado de Pacto de Punto Fijo (PAIVA, 2011). Em suma, trata-se de um acordo conciliatório que tinha como principal objetivo a garantia da estabilidade política, embora haja críticas no sentido de uma limitação da representatividade, haja vista a rotatividade política entre apenas 2 partidos. Independente disso, o modelo econômico adotado durante o período de vigência foi o desenvolvimentismo, no qual o Estado assumiria um papel intervencionista direto no desenvolvimento do país, promovendo a industrialização, o desenvolvimento geral das capacidades produtivas - no caso, foco no desenvolvimento da indústria petrolífera - e o controle de crises (PAIVA, 2011).
Entre a segunda metade da década de 50 até meados da década de 80, ocorreram choques do petróleo, gerando uma subida abrupta do preço do petróleo no mercado internacional. A Venezuela, como exportadora de grande relevância de petróleo, beneficiou-se com alta do preço do produto, gerando um crescimento exponencial da economia do país, embora revelasse a dependência do país em relação ao produto. Portanto, pode-se afirmar que a alta dos preços do petróleo, durante a segunda metade do século XX, promoveu o crescimento econômico do país (PAIVA, 2011).
É preciso apontar que, não obstante, tenha ocorrido um crescimento econômico considerável no país no referido período de alta do preço do petróleo, problemas sociais persistiram e se aprofundaram. Paiva argumenta que esse quadro se deu, pois o enriquecimento do Estado não fluiu para camadas mais baixas, se concentrando em círculos econômicos que ocupavam o Estado e eram responsáveis pela extração e exportação de petróleo. Assim, a pobreza e a desigualdade se mantiveram em níveis alarmantes, gerando insatisfação e mobilização popular.
Em 1989, diante de um problema que demonstrava o fim do ciclo de alta do petróleo, o excesso de oferta do produto por parte da Venezuela, o país se viu em um processo de estagnação e alta da inflação, demonstrando o esgotamento do modelo desenvolvimentista (BANDEIRA, 2002). Ocorreram fugas de capitais, vendas exponenciais de reservas internacionais, queda do preço do petróleo, medidas de austeridade, déficit fiscal, balança de pagamentos negativa, dentre outros, gerando uma crise política e econômica gravíssima (BANDEIRA, 2002). Nesse mesmo ano, o presidente da AD, Carlos Andrés Pérez, chegou ao poder, propondo um plano econômico que era um reflexo conjectural, com propostas de redução da intervenção do Estado, planos de austeridade e liberalização do mercado e do comércio.
A população, diante de uma moeda altamente desvalorizada, alta inflação e indicadores sociais degradantes, foi para as ruas manifestar por melhores condições de vida e a renúncia de Andrés Pérez. A principal delas foi o Caracazo, no qual, milhares de manifestantes, entre 27 fevereiro e primeiro de março, reuniram-se em Caracas (BANDEIRA, 2002). O governo central reprimiu com bastante violência, decretando toque de recolher e Estado de emergência, matando ao menos 500 pessoas.
O tenente-coronel Hugo Chávez em conjunto de mais 300 efetivos, decidiram tomar o lado dos manifestantes e tentaram realizar um golpe de Estado em 1992 (EMERSON, 2018). O golpe não foi bem-sucedido e Chávez foi expulso da corporação militar, mas, em termos de popularidade, Chávez adquiriu grande apoio, sedimentando o caminho para sua ascensão política (EMERSON, 2018). Com a persistência da oposição e da mobilização pública, Pérez sofreu impeachment em 1993, e, em 1994, Rafael Caldeira, do COPEI, assumiu a presidência da Venezuela, dando continuidade ao projeto liberalizante de Pérez.
Diante de um cenário de pobreza e desigualdade crescentes, Chávez chegou à presidência em 1998, à frente do Movimento V República (MVR), prometendo uma “revolução pacífica e democrática” (SILVA, 2010). Tratou-se de uma ruptura clara com o Pacto de Punto Fijo, anunciando um novo momento no cenário político da Venezuela. O ex-tenente-coronel chega ao poder em uma Venezuela devastada, com crises de legitimidade do poder, de representação política e de falência de instituições. Sem dúvidas, o déficit democrático foi significativo no que viria a ser feito em seu governo.
ATUAL CONJUNTURA NO CENÁRIO VENEZUELANO: CRISE IMINENTE
No que tange à atual situação do Estado Venezuelano, é impossível não o assimilar a uma incerteza constante, crises e um país com diversas dificuldades e obstáculos. Ao estudar e analisar de uma forma mais profunda as raízes dessa crise há um ponto chave a ser analisado primeiramente: o populismo do Governo de Hugo Chávez.
Segundo Galito é incontestável dizer que o populismo é um fenômeno político, entretanto, sua compreensão é demasiada contestada, fatores como divisões históricas, geográficas ou ideológicas podem trazer diferentes argumentos para explicá-lo. Para Carneiro o populismo é, nos países desenvolvidos, um termo pejorativo, mas em países em desenvolvimento é considerado um ato de coragem e contra a presença da corrupção. No último caso, eles se comprometem a dar para a população uma concepção de igualdade política, possuem fortes ideais contra a corrupção e há a luta pela supremacia dos indivíduos ali inseridos.
Para Corduwener, partidos populistas recorrem a manifestos que façam a população a ficar à seu favor, protestam a favor dos excluídos, mas os mandatos dos titulares passam a ser negociáveis, e os candidatos se comportam de maneira extremista, para ele, o populismo é o contrário da democracia representativa. Para resumir, de maneira clara, o artigo utilizará das concepções de Ernesto Laclau, que define o populismo como uma ideologia popular, estando presente em diversas formas de discurso de classe, assim como foi o nazismo, fascismo e socialismo, trata-se de uma forma ideologizante, sendo um movimento policlassista, com uma inclinação ao nacionalismo.
O populismo de Hugo Chávez teve sua consolidação em ideais antineoliberais, trazendo para a Venezuela uma caracterização de nação fechada ao meio externo, o governo chavista possuía um impulso social, além disso, incorporava um sistema de partidos único. Chávez traz uma ideia de socialismo para o século XXI, e se projeta no governo até 2021 ou 2030, isso mostra que ele se vê como sinônimo do futuro venezuelando, e que sem ele não há futuro. O chavismo trouxe a presença de uma dependência para a Venezuela, que, ao mesmo tempo que incorporava um crescimento econômico e incorporava a satisfação com o governo de Chávez, se tornava totalmente independente do petróleo, principal commodity do país, importando quase todo o resto daquilo que consumia.
Já no contexto atual, é notório que a Venezuela é um exemplo da desigualdade caracterizada pelos países considerados em desenvolvimento. Em teoria, os países em desenvolvimento são exportadores de commodities e importadores de tecnologia de ponta, a Venezuela, rica em petróleo (cerca de 80% de suas exportações), se viu totalmente dependente dele. Essa dependência em relação ao petróleo, segundo Ribeiro, vem desde o século XX, que a ideia de nação petroleira começou a se instaurar, mas ao contrário do que muitos achavam, essa situação traria consequências negativas, ao invés de positivas. O estopim da crise venezuelana ocorreu em 2015, visto que o preço do barril de petróleo despenca no mercado internacional, trazendo significativas mudanças negativas no PIB. Isso se deu devido à desaceleração da economia chinesa e crise europeia que geraram menor demanda pelo produto, a extração de gás e óleo de xisto nos Estados Unidos que surgiu como um fator competidor perante o mercado petrolífero, crise diplomática entre Irã e Arábia Saudita e a recusa dos países componentes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) de diminuir a produção, visto que temiam a presença de concorrentes de outros produtores e outros produtos, tais como o xisto.
As variações no preço do barril do petróleo é totalmente dependente do mercado mundial, na era Chávez há a nacionalização do petróleo, o que gerou a aplicação de lucros advindos da exportação em programas sociais, porém, isso só era possível para o governo visto que os preços eram favoráveis para a exportação, gerando lucro para o Estado venezuelano. Essa alta no preço do petróleo fez então a alta aprovação do governo de Chávez, em que os indicadores socioeconômicos do país só aumentavam, além disso, outro feitio de seu governo foi a regulação da inflação através da desvalorização da moeda venezuelana. Por fim, o país emergia ainda mais em sua dependência.
Com Maduro, que assume a presidência após a morte de Hugo, a inflação aumenta ainda mais e o PIB começa a diminuir, e foi nesse contexto no final de 2014 e começo de 2015 que a crise se mostrou certeira. Paiva discorre:
“A principal causa da crise econômica da Venezuela é interna e decorre da manipulação irresponsável da taxa de câmbio como mecanismo de controle de preços sem o respaldo das políticas monetária e fiscal, agravando a crônica dependência do petróleo do país. Os controles de preços são uma tentativa desesperada e inócua de adiar ajustes inevitáveis, que provavelmente levarão a uma hiperinflação” (PAIVA, Carta Capital, 2017)
O lucro não estava mais presente no país, não havia mais incentivos sociais por parte do governo, é um país que se encontra prejudicado por aquilo que toma 80% das suas exportações, sendo assim, se mostra em uma situação de declínio, a população sofre com a falta de dinheiro e a falta de diversos fatores que faziam parte de seu cotidiano.
A crise, na atual conjuntura, pode ser estudada e analisada como ponto inicial do governo chavista, aos quais, Maduro em 2013 dá prosseguimento. Além do choque que ocorreu com a queda nos preços do petróleo em 2015, houveram outros fatores que intensificaram ainda mais a crise venezuelana. As sanções impostas pelos Estados Unidos (que as justificam por conta da violação aos direitos humanos por parte do governo de Maduro), que resultaram em bloqueios financeiros internacionais e um boicote externo, visto que os Estados Unidos, ao ocupar um dos principais lugares no cenário internacional, impõe sua influência sobre quase todos os atores ali componentes. Caso um país apoie os Estados Unidos, certamente ele não irá prejudicar essa relação apoiando um país incerto como a Venezuela. Entretanto, essas sanções não se apresentam apenas como uma justificativa à violação aos direitos humanos, mas também pelo interesse estadunidense sobre o petróleo que está na Venezuela, que é impedido por medidas independentes e anti-imperialistas por parte do governo venezuelano.
Em síntese, a crise na Venezuela se mostra um cenário de importante e notória dimensão no sistema internacional, visto que é uma crise socioeconômica, política, humanitária e migratória. Dessa forma, a criminalidade vem se mostrando uma variável em constante crescimento.
CONCLUSÃO
Como exposto anteriormente, a Venezuela enfrenta sucessivas crises em sua história, e, nesse contexto persistente de crises, meados da década de 80 e a década de 90 foram as principais. Elas marcaram o esgotamento do modelo baseado na exportação de petróleo do país e a demanda popular por mudanças estruturais, a qual foi concretizada com mobilizações em massa. Sem dúvida, o apelo populista e personalista de Hugo Chávez ecoa na política sul-americana de maneira inegável, demonstrando que a região sul do continente sul-americano apresenta uma sensibilidade que demanda olhares atentos para o país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GALITO, Maria Sousa. Populismo: conceptualização do fenómeno. 2017.
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PAIVA, Rafael Bianchini Abreu. A tragédia econômica venezuelana. Carta Capital, 30 de outubro de 2017. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/conjunturando/a-tragediaeconomica-venezuelana. Acesso em 30 set. 2021.
PAIVA, Lorena Magalhães. VENEZUELA: RUPTURAS E CONTINUIDADES. RevJurFA7, Fortaleza, v. VIII, n. 1, p. 291-308, abr. 2011.
SILVA, Fabricio Pereira da. Até onde vai a “onda rosa”? Análise de Conjuntura (n.2, fev. 2010).
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